Thomas Hobbes nasceu em Westport, uma pequena aldeia localizada perto da vila de Malmesbury em 5 de abril de 1588 e faleceu em Hardwick em 04 de dezembro de 1679. Hobbes formou-se em Oxford dentro de uma tradição escolástica (notaConvém salientar que o filósofo era filho de um pastor, e como não tinha condições de cursar nenhuma instituição escolar, teve como educação primária a leitura de livros religiosos. Conheceu Robert Latimer quando tinha sete anos de idade e com este mestre aprendeu latim e grego, e aos 14 anos foi matriculado por seu tio no Magdalen College de Oxford onde se intitulou bacharel ). Dentre outras notáveis atividades, destaca-se o Hobbes filósofo, matemático e teórico político. Escreveu em 1651 suas principais obras, Do Cidadão e Leviatã – esta última, objeto desta breve análise.
Quando abordamos um autor marcante como Hobbes, convém realizar uma breve introdução para situar o leitor sobre o período obscuro em que Hobbes escreveu Leviatã. Assim, “se no tempo, como no espaço, houvesse graus de alto e baixo, acredito firmemente que o mais alto de todos os tempos seria o que transcorreu de 1640 a 1660. Pois quem nele se postasse, como na montanha do Diabo para olhar o mundo e observar as ações dos homens, especialmente na Inglaterra, poderia descortinar um panorama de todas as espécies de injustiça e de todas as espécies de loucura que o mundo possa tolerar, e de como foram produzidas pela hipocrisia e vaidade (self-conceit), sendo aquela dobrada iniqüidade e esta dupla loucura” (notaRIBEIRO, Renato Janine. A marca do Leviatã. Linguagem de poder em Hobbes. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.).
É importante reter que Hobbes sofreu dois processos de heresia. Seus escritos foram condenados e publicamente queimados, mas lidos avidamente pelos intelectuais, políticos e pelos mais humildes entre as pessoas comuns. O livro em estudo fez com que praticamente todo o clero da Inglaterra “declarasse guerra” ao filósofo. Lembre-se que Leviatã designava um monstro marinho descrito na Bíblia, (nomeadamente no livro de Jó): Quem confia, se faz ilusões, pois já seu aspecto o derruba. Ninguém se atreve a provocá-lo. Quem lhe resistirá? Quem ousou desafiá-lo e ficou ileso? Ninguém debaixo do céu (nota(JÓ 41, 1-3). Quanto ao Monstro citado, convém lembrar que suas origens remontam à mitologia fenícia onde simbolizava o caos e possuía a imagem de um crocodilo. Na crença judaica, o Leviatã (também chamado de dragão em Ezequiel 29.3 e de crocodilo em Ezequiel 32.2) simboliza um poder contrário ao de Deus que, segundo o cristianismo, deverá sucumbir no Juízo Final.).
É precisamente esse monstro que Hobbes equipara ao Estado (monstro nem tanto pelo poder absoluto, mas pelo seu caráter artificial) – que simboliza o poder do estado absoluto. Lembre-se que Hobbes foi um defensor do absolutismo, e sua justificativa para essa forma de governo é estritamente racional, isto é: livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo. Ele criou, assim, uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado Soberano como forma de manter a paz civil.
De fato, Hobbes foi o primeiro pensador ocidental a contrariarAristóteles , afirmando que “o homem não é um ser social” (um animal político). Deste modo, para Hobbes, antes dos homens (com)viverem em sociedade, eles estavam inseridos numa situação (hipotética), denominada “estado de natureza”. Diante deste contexto, se preocupava apenas em satisfazer suas necessidades e desejos, (além de defender seus direitos naturais, obviamente, tais como a vida, liberdade ou propriedade). O pensador assinala ainda que a natureza humana seria essencialmente egoísta, ou seja: busca satisfazer seus desejos, mesmo que aquilo que queira pertença, de fato, a outro homem.
Ora, é nessa descrição que compreendemos perfeitamente a famosa frase Homo lupus homini (o homem é o lobo do homem). Assim, pode-se afirmar que, no estado de natureza, ele é capaz de destruir o outro para se preservar e alcançar os seus próprios objetivos, sobretudo, pelo fato de que está amparado pelo direito de natureza. Mas, afinal de contas, o que seria o “direito de natureza”? Trata-se da liberdade que todo homem tem de usar o poder que possui, do modo que quiser, para se (auto)preservar, sem que haja um impedimento exterior a ele.
Deste modo, pelo fato de sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros (o homem é uma eterna ameaça aos outros. Sendo assim, a conseqüência inevitável é que a guerra se torna geral, temos então a chamada “guerra de todos contra todos” (bellum omnia omnes).
Fundamental ressaltar que, apesar de egoísta, o homem, movido pelo “medo da morte violenta” e pela racionalidade (afinal o homem é racional, pois pensa!), chega à conclusão que o bem maior e mais importante, a vida, está em risco constante (nesse “estado de natureza”). Eis que para defendê-la verdadeiramente só existe um caminho possível: abrir mão da liberdade total e irrestrita, realizando um pacto, um contrato, (o “Contrato social”), pelo qual os homens, saindo desse contexto natural, passam a viver juntos, sob a proteção de um poder Soberano, num “estado civil”.
Porém, para que este “contrato” produza efeitos corretamente, há a necessidade perene de que (os homens/contratantes) respeitem o pacto, nomeadamente aquilo que prometeram uns aos outros e, em última análise respeitem a decisão do Soberano. Assim, este poder Soberano impõe o cumprimento do pacto (nem que se for pela força ou pelo medo).
Evidente que, uma vez institucionalizado o Estado, o homem deixa de ser “lobo do homem” e passa a controlar suas paixões, pois agora se submete a contratos, leis – regramentos que estavam ausentes no estado de natureza.
A obra em estudo se divide em quatro partes; 1: Natureza do homem e as leis naturais; 2: Natureza da sociedade civil e os direitos do poder soberano; 3: Da sociedade cristã e 4: Do reino das trevas. Deste modo, Leviatã tem, em sua primeira metade, uma certa “doutrina política” – confeccionada com louvor por Hobbes. Já na segunda, críticas lançadas sobre a doutrina política, eclesiástica e jurídica da Igreja (não só a Igreja Católica, mas todas que buscavam um poder próprio diverso do poder estatal).
Sobre o Poder e o Estado, Hobbes tinha a seguinte concepção:
“O poder sempre existe. No estado de guerra ou na sociedade civil, é uma ‘preeminência’ – a diferença que dá a um indivíduo uma certa vantagem sobre outro, para a obtenção de um bem futuro. Precede o Estado, cujo advento tem justamente a função de acabar de vez com o caráter caleidoscópico, mutante, das relações de poder na “condição natural da humanidade”, no estado de natureza. O poder é outro nome da desigualdade: impossível suprimi-la, e é por isso que a condição humana após o pecado exige a salvação política. O estado de natureza distingue-se do Estado-civil – e necessita-o – simplesmente porque a desigualdade, suficiente para deixar o homem á mercê da dominação e invasão dos outros, não basta ainda para dar a este poder a dimensão eterna, nem mesmo a curta continuidade temporal. Nisso distingue-se esse poder precário, sem consistência na tábua do tempo, cujas figuras sem estabilidade só servem de matéria ao “espetáculo do mundo”, e a estabilidade política, apanágio do teatro visto, não pela relação palco-platéia (relação de consumo, mas na sua base mesma, no vínculo hobbesiano de produção entre autor e atorRIBEIRO, Renato Janine. op. cit.”.
Sublinhamos mais uma vez que o Leviatã foi escrito durante a Guerra Civil Inglesa, onde para o autor, seria uma constatação prática do caos estabelecido: da “guerra de todos contra todos”.
Diante deste cenário, para que este “caos” não aconteça, seria necessário um governo central forte, sancionador das atitudes bélicas. Eis aqui a defesa sustentada pelo autor de um contrato social com o governo de um soberano absoluto: em especial monárquico, capaz de garantir o bem comum e estabelecer a almejada paz.
Legenda da imagem: “Leviatã” de Hobbes: o rei absoluto com uma armadura formada pelos seus súditos, causando temor pela espada e dominando toda a Terra/Reino. Importante do texto escrito em latim: “Non est potestas super terram quae comparetur ei”, que pode ser traduzido livremente “Não há poder na Terra que se compare a Ele” – tradução do autor. (foto: Gravura de Abraham Bosse – 1651)
Leitura recomendada: HOBBES, Thomas. O Leviatã. Col. Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril, 1984.
Como esse tema já foi cobrado em concurso:
(FGV – Exame de Ordem 2016.3) De acordo com o contratualismo proposto por Thomas Hobbes em sua obra Leviatã, o contrato social só é possível em função de uma lei da natureza que expresse, segundo o autor, a própria ideia de justiça.
Assinale a opção que, segundo o autor na obra em referência, apresenta esta lei da natureza.
A) Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
B) Dar a cada um o que é seu.
C) Que os homens cumpram os pactos que celebrem.
D) Fazer o bem e evitar o mal.
Para se aprofundar, recomendamos o livro Manual de Filosofia do Direito , de autoria do ator do texto, prof. Alexandre Cunha. Em breve no site da Editora Juspodivm.