1) O crime de extorsão é formal e consuma-se no momento em que a violência ou a grave ameaça é exercida, independentemente da obtenção da vantagem indevida.
Não é pacífica a doutrina acerca do momento consumativo do crime de extorsão.
Para a maioria, o crime é formal (ou de consumação antecipada), perfazendo-se no momento em que o agente emprega os meios aptos a constranger a vítima a lhe proporcionar indevida vantagem econômica (o enriquecimento indevido constitui mero exaurimento, a ser considerado na fixação da pena). Precisamente no momento do constrangimento é que o bem jurídico principal (patrimônio) sofre o perigo de lesão. A ofensa ao bem jurídico se dá, no caso da extorsão, pelo perigo. Na eventualidade de que o agente alcance o resultado, ocorre lesão efetiva ao patrimônio, mas a lesão é mero exaurimento do crime.
Existe, contudo, minoria sustentando ser o crime material. Não basta o emprego de violência ou grave ameaça, pois, além do constrangimento violento ou atemorizante, é indispensável para a consumação a obtenção da vantagem indevida.
Ao editar a súmula nº 96O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida., o STJ dirimiu a questão: trata-se de crime formal, que se consuma independentemente da obtenção da vantagem indevida. Outra não poderia ser a solução, pois na extorsão o sucesso da vantagem exigida (efeito imediato da coação) depende de ato a ser praticado pela vítima (crime de resultado cortado). Essa discussão tem importância tanto para o termo inicial da prescrição quanto para o momento da prisão em flagrante. Se o crime é formal, a prescrição começa a correr da indevida exigência e não se admite, em regra, flagrante no recebimento (mero exaurimento); se material, o lapso prescricional inicia-se no enriquecimento e se admite, também nesse momento, a prisão em flagrante.
E o tribunal tem reiterado os termos da súmula: “O crime de extorsão é formal e se consuma no momento em que a vítima, submetida a violência ou grave ameaça, realiza o comportamento desejado pelo criminoso. É irrelevante que o agente consiga ou não obter a vantagem indevida, pois esta constitui mero exaurimento do crime. Súmula n. 96 do STJ” (REsp 1.467.129/SC, DJe 11/05/2017).
2) No crime de extorsão, a ameaça a que se refere o caput do art. 158 do CP Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa., exercida com o fim de obter a indevida vantagem econômica, pode ter por conteúdo grave dano aos bens da vítima.
A ação nuclear típica da extorsão consiste em constranger, isto é, obrigar, coagir alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. A conduta se dá mediante violência (física) ou grave ameaça.
A grave ameaça consiste na intimidação, isto é, coação psicológica, na promessa, direta ou indireta, implícita ou explícita, de castigo ou de malefício.
Não obstante a grave ameaça deva ser dirigida a alguma pessoa, não é necessário que seja contra sua integridade física, bastando que o mal prometido seja injusto e capaz de causar efetivo temor. É neste sentido a tese firmada pelo STJ: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, configura a grave ameaça necessária para a tipificação do crime de extorsão a exigência de vantagem indevida sob ameaça de destruição e não devolução de veículo da vítima, que havia sido dela subtraído. Precedentes” (HC 343.825/SC, DJe 21/09/2016).
3) O delito de dano ao patrimônio público, quando praticado por preso para facilitar a fuga do estabelecimento prisional, demanda a demonstração do dolo específico de causar prejuízo ao bem público (animus nocendi), sem o qual a conduta é atípica.
A doutrina diverge, no crime de dano, acerca da presença de elemento subjetivo específico, qual seja, a vontade de causar prejuízo (animus nocendi). Para Nélson Hungria é indispensável tal circunstância: “não poderia ser considerado agente de crime de dano o meu amigo que, sem ânimo hostil, tenha cortado, para pregar-me uma peça, os fios da campainha elétrica de minha casa” (Comentários ao Código Penal, v. 7, p. 108).
Magalhães Noronha, por sua vez, sustenta que a intenção de prejudicar “Não é dolo específico, porque está compreendida na própria ação criminosa. Quem destrói uma cousa, sabe que prejudica seu dono ou possuidor. O prejuízo está ínsito no dano. Se destruir é desfazer, desmanchar; se inutilizar é tirar a utilidade; e se deteriorar é piorar; quem destrói, inutiliza ou deteriora a cousa alheia não pode deixar de prejudicar a outrem. Esse prejuízo é, pois, inseparável da destruição, da inutilização e da deterioração, que são resultados do crime” (Código Penal brasileiro comentado, p. 414).
Essa discussão não é meramente acadêmica, mas apresenta real interesse prático, como no caso do preso que danifica a cela para fugir. Pratica o crime?
Para aqueles que entendem indispensável o animus nocendi, o fato será atípico, vez que a intenção do preso, no caso, é somente a de fugir. É a orientação adotada pelo STJ: “O aresto objurgado alinha-se a entendimento pacificado neste Sodalício no sentido de que o dano praticado contra estabelecimento prisional, em tentativa de fuga, não configura fato típico, haja vista a necessidade do dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar o bem, o que não ocorre quando o objetivo único da conduta é fugir” (AgRg no AREsp 578.521/GO, DJe 26/10/2016).
4) A ausência de menção expressa ao patrimônio do Distrito Federal no art. 163, parágrafo único, III, do Código PenalArt. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Se o crime é cometido: (...) III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (...) Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. torna inviável a configuração da forma qualificada do crime de dano quando o bem danificado for distrital, em virtude da vedação da analogia in malam partem no sistema penal brasileiro.
A pena do crime de dano é elevada nas hipóteses em que o agente o pratica contra bens integrantes do patrimônio público (art. 163, parágrafo único, inciso III, do CP). Tem-se como patrimônio todos aqueles bens pertencentes à Administração Pública, seja de uso comum ou não (abrangendo, inclusive, os dominicais).
A redação do inciso III menciona a União, o Estado e o Município, silenciando a respeito do Distrito Federal. O STJ firmou a tese de que não é possível qualificar o dano contra o patrimônio do Distrito Federal porque, no silêncio da lei, estender a qualificadora é analogia in malam partem:
“A jurisprudência desta Corte entende, ressalvado o posicionamento deste relator, que a ausência de menção expressa ao patrimônio do Distrito Federal no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal torna inviável a configuração da forma qualificada do crime de dano nas hipóteses em que o bem danificado for distrital, em virtude da vedação da analogia in malam partem no sistema penal brasileiro” (AgRg no REsp 1.628.623/DF, DJe 28/04/2017).
Ousamos, contudo, discordar. O dano contra o Distrito Federal está implícito na qualificadora. Ora, se a lesão contra o patrimônio público é qualificada porque mais grave, não faz nenhum sentido isolar da qualificadora o crime cometido contra o patrimônio da capital da República.
5) Não é possível a aplicação do princípio da insignificância nas hipóteses de dano qualificado, quando o prejuízo ao patrimônio público atingir outros bens de relevância social e tornar evidente o elevado grau de periculosidade social da ação e de reprovabilidade da conduta do agente.
O princípio da insignificância tem sido recorrentemente aplicado pelos tribunais superiores em diversas situações nas quais estejam reunidos a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.
No geral, os tribunais têm considerado a atipicidade material nos delitos patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa em que o valor do prejuízo não ultrapasse algo em torno de R$ 100,00 (cem reais) e em circunstâncias nas quais a conduta não se revele particularmente grave. Furto qualificado, apropriação indébita majorada, receptação qualificada e estelionato previdenciário, por exemplo, têm sido considerados palcos inadequados para a insignificância porque suas circunstâncias são consideradas por demais reprováveis.
Nota-se, portanto, que a insignificância depende de determinadas condições que, para além da inexistência de agressão física ou psíquica, revelem a inofensividade da conduta num sentido amplo. Não é pelo fato de alguém ter cometido um crime sem agredir ou ameaçar outra pessoa que sua conduta pode ser considerada irrelevante para o Direito Penal. Afinal, há crimes que não envolvem nenhum perigo direto à integridade física de alguém, mas que se revestem de especial gravidade.
É isso que fundamenta a tese do STJ de que o princípio da insignificância é, no geral, incompatível com o dano cometido contra o patrimônio público. A conduta criminosa transcende o patrimônio para atingir bens jurídicos indisponíveis, como o interesse público:
“2. O bem jurídico protegido relativamente ao crime de dano qualificado previsto no art. 163, III, do Código Penal consiste na proteção do patrimônio de seus titulares – União, Estados, Municípios, empresa concessionária de serviço ou sociedade de economia mista –, afeto ao interesse público. 3. Na espécie, a lesão produzida atinge direta e concretamente a população, notadamente a mais carente, que se vê impossibilitada de utilizar os serviços de atendimento da farmácia básica do município – assistência pública de saúde. Ademais, pela certidão de antecedentes, o recorrente responde a outros oito processos envolvendo o mesmo tipo penal, circunstâncias que afastam a aplicação do princípio da insignificância” (REsp 1.416.273/MG, DJe 24/08/2017).
Há, no entanto, determinadas situações em que o tribunal reconhece a atipicidade:
“2. Confessado pelo paciente que rasgou o lençol em tiras para improvisar um varal com o fim de secar suas roupas, não se deve valorar o ato ilícito por meras ilações de que o condenado iria utilizar as tiras do tecido para outro fim, como, por exemplo, para propiciar sua fuga, ainda mais quando tal fato sequer foi abordado na denúncia. 3. É de ser considerada insignificante a conduta do paciente em rasgar o lençol que lhe foi oferecido no presídio pela Secretaria de Segurança Pública local, porquanto a lesão ao patrimônio público foi mínima em todos os vetores” (HC 245.457/MG, DJe 10/03/2016).
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