No Estado de São Paulo, por meio da Resolução n. 54/2017, do Tribunal de Justiça Militar, foi determinado que, tratando-se de crime doloso contra a vida, cometido por policial militar contra civil, “a autoridade policial militar […] deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil”.
Inegável o equívoco desse diploma. É que, desde o advento da Lei 9.299/96, os crimes dolosos contra a vida, perpetrados por militares contra civil, devem ser julgados pelo Tribunal do Júri e não mais pela justiça castrense. Essa, aliás a atual redação do art. 82 do Código de Processo Penal Militar, in verbis: “O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz: […]§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum” (grifei).
Ora, se deve o inquérito policial ser remetido à justiça comum, não cabe, à Policia Militar, a prática de qualquer diligência, sobretudo a tendente a apreensão de objetos, em atitude capaz de prejudicar, sobremaneira, a preservação do local, tão cara à investigação dos crimes dolosos contra a vida. A atitude a ser tomada consiste, sem dúvida, no acionamento da Polícia Civil, para que esse órgão de investigação adote as medidas cabíveis à espécie, com o acionamento da perícia técnica e, aí sim, se for o caso, apreensão dos objetos de interesse da investigação.
Nesse sentido, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, a se conferir:
“Esta Corte Superior de Justiça adotou o entendimento de que, diante da incidência instantânea das normas processuais penais dispostas no artigo 2º do Código de Processo Penal, a Lei 9.299/1996 possui aplicabilidade a partir da sua vigência, de modo que todas as investigações criminais e processos em curso relativos a crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil devem ser encaminhados à Justiça comum” (STJ –RHC n. 25.384-ES – Rel. Jorge Mussi, j. 7.12.2010, DJe 14.02.2011).
Ou ainda:
“Os crimes de homicídio imputados ao paciente foram todos praticados, em tese, contra vítimas civis, sem exceção, sendo pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que os crimes previstos no art. 9º, do Código Penal Militar, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, são da competência da Justiça comum e, em conseqüência, da Polícia Civil a atribuição de investigar” (STJ – HC n. 47.168-PR – Rel. Gilson Dipp – j. em 16.02.2010, DJ 13.03.2006).
Como bem observado por Leonardo Marcondes Machado, em artigo sob o título “Investigação pela PM dos próprios homicídios dolosos revela autoritarismo” (site conjur de 29 de agosto de 2017), “ocorre, no entanto, que a Polícia Militar, em muitos estados da federação, há algum tempo, vem subvertendo o devido processo legal e fazendo apurações criminais autônomas, independentes da Polícia Civil, sob a escusa de pretensa necessidade quanto à verificação interna corporis das infrações praticadas por milicianos. Não raras vezes essa tem sido a alegação utilizada pela corporação castrense para, por exemplo, dificultar a apreensão de arma de fogo utilizada por policiais militares em fatos sob investigação da Polícia Civil”. Além do inconveniente apontado pelo mencionado autor, capa de ensejar, como consta do exemplo, no desaparecimento da própria arma empregada para a prática do delito, trata-se, outrossim, de iniciativa que revela uma certa tendência das Polícia Militares em geral em usurpar funções que são típicas da Polícia Civil, pretendendo exercer atribuições investigativas que não lhe são inerentes.
Bem por isso, atendendo a mandado de segurança coletivo impetrado pelo Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), no qual foi relator o Des. Silveira Paulilo (Processo n.2164541-26.2017.8.26.0000), concedeu, no último dia 28 de agosto de 2017, liminar suspendendo os efeitos da mencionada resolução cujo mérito da matéria de fundo ainda não foi julgado.
Por seu turno, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, sob a pena de seu Procurador-Geral, Gianpaolo Poggio Smanio, ingressou, em 28 de agosto de 2017, com Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, forte, dentre outros argumentos, no fato de que não cabe ao Tribunal de Justiça Militar legislar sobre manteria processual, cuja competência é privativa da União, por conta de expressa previsão constitucional (art. 22, inc. I da Carta), atentando ainda, dessa forma, contra o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF).