Reza o § 3º do art. 140 do CP:
- 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
A presente qualificadora refere-se à injúria preconceituosa, não se confundindo com o delito de racismo previsto na Lei 7.716/89. Neste, pressupõe-se sempre uma espécie de segregação (marginalizar, pôr à margem de uma sociedade) em função da raça ou da cor. No caso do § 3º do art. 140, o crime é praticado através de xingamentos envolvendo a raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. A diferença tem relevância e repercussão prática. Vejamos.
Xingar alguém fazendo referências à sua cor é injúria, crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima, afiançável e prescritível; impedir alguém de ingressar numa festa por causa da sua cor é racismo, cuja pena será perseguida mediante ação penal pública incondicionada, inafiançável e imprescritível.
O STJ, julgando recurso de agravo regimental no recurso especial nº 686.965/DF, considerou que a injúria racial está na seara dos crimes relativos ao racismo e é também imprescritível, pois tem sentido de segregação, somando-se às definições da Lei nº 7.716/89, que não traz um rol taxativo.
A meu ver, com o devido respeito, trata-se de imprópria analogia incriminadora, pois, como já destaquei, na injúria o agente lança mão de elementos raciais, não se confundindo com o racismo.
A segregação ou a intenção de segregar que o racismo pressupõe é real, ou seja, utilizada com o intuito de criar, por meio de ações concretas, efetiva divisão dos cidadãos em categorias baseadas em preconceito de raça, cor etc. Basta, para assim concluir, que sejam lidas as condutas tipificadas na Lei nº 7.716/89, que, quando não relacionadas diretamente ao impedimento de acesso a locais diversos (como os arts. 3ºArt. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos, 4ºArt. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. , 5ºArt. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador., 6ºArt. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau., entre outros), são relativas a atos que visam a produzir o mesmo efeito (como o art. 20, § 1ºArt. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (...) § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.).
Na injúria, de forma absolutamente diversa, a intenção é a ofensa moral, que, mesmo tendo como meio o abjeto preconceito de raça ou de cor, de nenhuma forma se equipara à conduta anterior. Ainda que neste caso se possa identificar, como menciona o acórdão, segregação, aqui o termo não tem, como no racismo, sentido literal.
É evidente que se alguém profere uma ofensa utilizando elementos relativos a raça ou cor o faz convencido de que essa condição faz da vítima alguém menor, desigual, o que, de fato, evidencia um caráter segregativo. Não obstante, mesmo que na origem possamos identificar no racista e no injuriador racial a convicção de que há cidadãos que, por sua raça ou cor, devam ser discriminados (segregados), as formas como ambos exteriorizam essa convicção são legalmente tipificadas de formas completamente distintas, e não compete ao Poder Judiciário igualar duas situações que o legislador, ao menos até o momento, pretendeu claramente diferenciar.
Escuto/leio argumentos no sentido de que o Constituinte, ao se referir ao racismo como delito imprescritível, buscou abranger a injúria preconceito. Contudo, devo alertar que a injúria preconceito foi acrescentada ao CP pela Lei 9.459/97, e recentemente alterado pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). A figura criminosa não existia na promulgação da nossa Bíblia Política.
Por fim, para aqueles que discordam (ou vão discordar) da minha conclusão (e merecem meu total respeito, sempre), pergunto: se a injúria qualificada pelo preconceito é imprescritível, como pode depender de representação da vítima, cuja inércia acarreta a decadência? Parece-me incoerente (senão absurdo), não?