Foi publicada, no dia 27 de fevereiro de 2018, a Medida Provisória 821, que criou o Ministério Extraordinário da Segurança Pública. O ato normativo alterou a Lei 13.502/17, que trata da organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.
Nos termos da referida MP, a Polícia Federal passou a fazer parte do novel Ministério (deixando o Ministério da Justiça).
Com a alteração, surge o questionamento: a atribuição para determinar/autorizar a atuação da Polícia Federal na apuração de infrações penais não listadas nos incisos I a VI, do artigo 1º, da Lei 10.446/02, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme (nos termos do artigo 144, § 1º, I, da Constituição Federal) permanece com o Ministro da Justiça ou passou para o Ministro Extraordinário da Segurança Pública?
Em primeiro lugar, cumpre deixar claro que a atuação da Polícia Federal na investigação dos crimes listados nos incisos I a VI, do artigo 1º, da Lei 10.446/02, não necessita de autorização ou determinação do Ministro (da Justiça ou da Segurança Pública, a depender de como será respondido o questionamento supra). Isso porque, depois de listar os crimes que poderão ser investigados pela Polícia Federal nos casos em que houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, o mandamento legal, no parágrafo único do artigo 1º, afirma da necessidade de autorização/determinação do Ministro da Justiça (ou da Segurança Pública?) para apuração de outras infrações penais, que não as enumeradas nos incisos (o grifo é meu):
Art. 1o Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
V – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.
Analisemos o artigo 144, § 1º, I, da Carta da República:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
(…)
1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
Nos termos do artigo 40-B da Lei 13.502/17, alterado pela MP 821/18, nota-se a migração da Polícia Federal para o Ministério da Segurança Pública (grifo meu):
Art. 40-B. Integram a estrutura básica do Ministério Extraordinário da Segurança Pública o Departamento de Polícia Federal, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário Nacional, o Conselho Nacional de Segurança Pública, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a Secretaria Nacional de Segurança Pública e até uma Secretaria.
Nos termos do artigo 40-A da Lei 13.502/17, também alterado pela MP 821/18:
Art. 40-A. Compete ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública:
(…)
II – exercer:
a) a competência prevista no art. 144, § 1º, incisos I a IV, da Constituição, por meio da polícia federal;
Algumas constatações podem ser extraídas da análise de todos os dispositivos transcritos:
A Polícia Federal passou a integrar a estrutura do Ministério Extraordinário da Segurança Pública;
A Lei 10.446/02 foi criada para regulamentar o artigo 144, § 1º, inciso I, da Constituição Federal;
Compete ao novel Ministério Extraordinário da Segurança Pública o exercício da competência estatuída pelo artigo 144, § 1º, incisos I a IV, da Constituição Federal, por meio da Polícia Federal;
Destarte, com fulcro nas breves razões lançadas supra, parece ter havido alteração tácita do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 10.446/02, pela Medida Provisória 821/18, no sentido de transferir para o Ministro Extraordinário da Segurança Pública a competência para autorização/determinação de atuação da Polícia Federal na investigação de outros crimes que não os listados nos incisos I a VI (porque para estes não é necessária autorização/determinação, podendo a Polícia Federal agir de ofício, como dito supra), do artigo 1º, de referido mandamento legal, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme.