Acho que é por conta da influência do Direito Penal sobre o imaginário das pessoas que termina por prevalecer a ideia de que os incapazes não respondem civilmente. Como não há responsabilidade penal, pensa-se que não há qualquer responsabilização dos menores.
Ledo engano.
Recentíssima decisão do STJ (REsp. 1.637.884/SC, rel. Min. Nancy Andrighi) terminou por colocar a discussão sobre a matéria em evidência. No caso julgado, o Tribunal Superior endossou as regras do Código Civil acerca do tema – que merece a atenção do jurista e dos pais pela sua relevância teórica e prática.
É bem verdade que a regra geral é a de que os pais (e os representantes legais, de um modo geral) respondem civilmente pelos danos causados pelos seus filhos menores. É o que reza o inciso I do CC 932Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;. Os danos produzidos pelos filhos menores são reparados pelos pais. Pouco interessa, inclusive, se esses pais estão convivendo ou não; se possuem guarda unilateral ou compartilhada. Entre eles (pais), a responsabilidade é solidária (CC 942, Par. ÚnicoParágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.) pelos danos ocasionados pelos seus filhos menores. E não poderia ser diferente, afinal ambos estão no exercício do poder familiar, mesmo com eventual divórcio ou dissolução de união estável.
Uma situação curiosa diz respeito à emancipação. Malgrado o silêncio do legislador, vem entendendo a jurisprudência superior (STJ, AgRegAg 1.239.557/RJ, rel. Min. Maria Isabel Gallotti) que, na emancipação voluntária do filho, os pais respondem solidariamente com ele (filho) pelos danos causados. De fato, se assim não fosse, os pais, ordinariamente, emancipariam os seus filhos aos 16 anos de idade para economizar 2 anos de responsabilidade civil….
Todavia, se os pais não tiverem condições de arcar com a reparação do dano (por estarem em situação de insolvência, por exemplo) ou não tiverem a obrigação de custear a indenização (no caso dela decorrer de ato personalíssimo, como a aplicação de medida socioeducativa, ilustrativamente – ECA 112Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.), o próprio filho menor responde, se tiver patrimônio (CC 928). No ponto, descortina-se um cenário bem distinto entre a responsabilidade civil e a penal. São soluções antagônicas apresentadas pelo sistema jurídico, até porque os fundamentos da responsabilidade civil em nada se aproximam daqueles utilizados na seara criminal.
De toda forma, temperando a solução apresentada, o próprio dispositivo (CC 928Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.) impõe limites à responsabilização do incapaz, esclarecendo que ele somente responde subsidiariamente e de forma equitativa (um dos raros casos em que se permite decisão por equidade – CPC 140Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.). Além disso, essa responsabilidade do menor é condicional, pois não terá lugar se privar da subsistência ele mesmo ou as pessoas que dele dependam.
A solução parece adequada. Como diz o ditado popular, “quem pariu Mateus que o embale”…. Portanto, a regra geral é que os pais respondem pelos danos causados pelos seus filhos menores, como consectário do poder familiar. Mas, subsidiariamente, se os pais não possuem condições ou obrigação de fazê-lo e o incapaz dispõe de patrimônio próprio (recebido por herança, por exemplo), não se justifica deixar a vítima irressarcida. Pensar de modo contrário seria impor à sociedade um rateio dos riscos decorrentes da paternidade/maternidade alheias.
Muito tenho refletido, contudo, sobre uma situação de relevância prática, porém ignorada pelo sistema jurídico. Se o dano a terceiro é causado por um filho maior de idade, os pais não respondem, mesmo que o filho esteja sob sua dependência. Dizendo com clareza solar: em se tratando de pessoa capaz, se o causador do dano não tiver patrimônio próprio, os pais não podem ser responsabilizados, ainda que provada a absoluta dependência do filho. A vítima, enfim, assume o prejuízo….
É incontestável, sobre o assunto, que a liquidez da sociedade e dos costumes e a fluidez das relações humanas na contemporaneidade (tudo isso bem traduzido pelas obras de ZYGMUNT BAUMAN, denunciando a existência de uma pós-modernidade líquida) terminam por gerar uma maior infantilização dos filhos (mesmo após a maioridade) e um retardamento da assunção de obrigações e da independência econômica. Para ser mais claro: é incontroverso que os jovens na faixa de vinte e poucos anos de idade, muita vez ainda em fase de estudos e formação profissional, não possuem patrimônio pessoal e independência financeira. Dependem dos pais – que, exercendo, ou não (porque querem ou porque não querem), um controle sobre os atos do filho, se responsabilizam pelas suas despesas pessoais, como alimentação, educação, saúde, lazer, cultura etc!
Os filhos ficam mais tempo, nos dias de hoje, sob às expensas e responsabilidade dos pais. O fato é inegável. Demoram mais para alcançar uma autonomia de vida. Por isso, me parece de suma importância trazer à baila um debate (sincero e honesto) sobre a possibilidade de imputação de responsabilidade aos pais por atos de filhos maiores – que ainda estejam sob sua dependência. Por óbvio, que essa dependência precisa ficar provada.
Estou aqui a pensar se a solidariedade familiar e parental não poderia servir para imputar responsabilidades aos pais, em casos tais. Até mesmo porque esses pais podem ser obrigados a prestar alimentos para a manutenção desses filhos.
Essa possibilidade poderia servir, a um só tempo, para ampliar a responsabilidade familiar dos pais (que passariam a se preocupar mais com as condutas de seus filhos) e para impedir prejuízos consideráveis a terceiros, uma vez que a chance de um jovem, logo após a maioridade, ter patrimônio pessoal é remota.
Em nosso vol. 3 do Curso de Direito Civil, dedicado ao estudo da Responsabilidade Civil, já começamos a problematizar o tema, iniciando um debate que revela uma clara importância prática.
Também tenho colocado o tema na agenda de discussões dos cursos de pós-graduação em Civil & Processo Civil que tenho participado porque o conhecimento é dialógico, alcançado pela pluralidade de ideias. Exorto a que os estudos contribuam para uma reflexão cuidadosa, levando em conta a realidade viva do nosso país.
E é assim que se oxigena o sistema jurídico, permitindo uma necessária atualização da ciência. Afinal de contas, “tudo muda o tempo todo, no mundo”, como percebe de há muito LULU SANTOS.