Disposta no §1º do artigo 127§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. da Constituição, a independência funcional aparece no texto constitucional a título de princípio institucional do Ministério Público. Ante a ausência de intepretação autêntica, encarregou-se a doutrina de conceituar o que vem a ser a independência funcional, como fator integrante da ordem jurídica.
Em síntese, de acordo com a grande maioria dos doutrinadores clássicos, a independência funcional diz respeito à atuação fim do Ministério Público, que somente deve obediência à Constituição, à lei e sua própria consciência. Não obstante os conceitos doutrinários, possui o Ministério Público um órgão de controle externo (Conselho Nacional do Ministério Público), encarregado de avaliar, dentre outros casos, a atuação institucional. No caso da atividade fim, não pode o CNMP adentrar em seu mérito, sob pena de afronta à essência da instituição.
Contudo, nem sempre é fácil de estabelecer o limite entre a necessária independência no exercício de suas funções, a qual é extreme de censura, e a igualmente necessária análise e avaliação de outras atividades desenvolvidas pelas instituições.
Inicialmente, é de se ponderar que se não fosse o referido princípio estabelecido tal qual se encontra na Carta Magna, a atuação do Ministério Público restaria, no mínimo, prejudicada, em razão das grandes possibilidades de interferências externas, sobretudo em um cenário atual de grande combate à corrupção, com ações e reações de todos os segmentos do poder político.
Não só por isso (mas em grande parte) a independência funcional dos membros do Ministério Público vem sendo questionada em sua gênese constitucional, ao argumento de excessos e abusos de atuação. Reclamação são levadas aos órgãos de controle, o que, no caso do CNMP, foi editado o enunciado nº 6 de 2009:
“Os atos relativos à atividade-fim do Ministério Público são insuscetíveis de revisão ou desconstituição pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Os atos praticados em sede de inquérito civil público, procedimento preparatório ou procedimento administrativo investigatório dizem respeito à atividade finalística, não podendo ser revistos ou desconstituídos pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pois, embora possuam natureza administrativa, não se confundem com aqueles referidos no art. 130-A, § 2°, inciso II, CF, os quais se referem à gestão administrativa e financeira da Instituição”.
Diante da redação do enunciado, parece claro que a atuação funcional dos membros do Ministério Público é protegida em sua finalidade. Mesmo com a blindagem que a Constituição, a lei e a norma administrativa conferem ao princípio da independência funcional, não é raro o questionamento sobre seu alcance, na tentativa de se chegar à responsabilização pessoal do membro do MP.
Diante de tantas reações, será que a independência funcional é mesmo necessária? Qual o seu alcance? É um princípio absoluto ou relativo?
Pois bem, para que se chegue às respostas dos questionamentos acima, é necessário que se observe o contexto jurídico e social sob um ângulo maior. As funções do Ministério Público estão dispostas no artigo 129 da Constituição. De todo o rol exemplificativo, pode-se destacar a promoção da ação penal e da ação civil pública em todas as modalidades (ambiental, consumidor, etc…). Quando o exercício destas funções começa a atingir determinadas camadas do poder político e econômico, natural que ocorram reações, como ataques via imprensa e projetos de lei que de algum modo limitam a atuação do Ministério Público. Não é desarrazoado dizer que ao MP coube parte antipática (mas necessária) do sistema jurídico, responsável por processar e fiscalizar o andamento da sociedade. Assim, um Promotor ou Procurador que não possuir a independência funcional, não tem mínimas condições de exercer seis misteres, pois sem esta prerrogativa, estaria sempre acuado e amedrontado por pressões externas.
O alcance da independência funcional, como já tratado no enunciado nº 6 do CNMP, deve abranger todos os atos destinados à atividade fim, incluindo aqueles praticados em procedimentos administrativos típicos. É preciso interpretar o conceito de forma extensiva, pois só assim pode-se assegurar a atuação ministerial em sua plenitude. Esta interpretação não exclui a observância das regras vigentes, inclusive suas penalidades e consequências, mas a liberdade de atuação é imprescindível. Amarrar ou dificultar o andamento de um procedimento investigatório equivale a cercear a atividade fim. Tão importante quando a avaliação de mérito feita pelo membro do MP, é todo o conjunto de atos para que se chegue até tal avaliação. Desta forma, o alcance da independência funcional se estende a tudo o que possa estar relacionado com as missões constitucionais do Ministério Público.
Por fim, questionamento que surge quando o tema é levantado, é se a independência funcional é relativa ou absoluta. De fato, quando se pretende ultrapassar a independência funcional para se chegar a até a pessoa do membro, diz-se que esta é relativa, e deve ser avaliada dentro do contexto. Contudo, discorda-se desta premissa, pois, não se pode considerar um princípio algo relativo. O princípio da independência funcional, que funda toda a atuação de mérito do Ministério Público, não pode ser relativizado.
Na verdade, ou o princípio é absoluto, ou ele não existe, pois se for tratado com ressalvas, equivale a construir uma instituição submissa, alicerçada sob uma base de areia. É justamente por esta razão que quando há conflito e princípio e regra, resolve-se em favor desta. Vale dizer, a independência funcional perdura enquanto o membro estiver atuando dentro do conjunto de regas estipuladas. Caso haja má-fé, por exemplo, esta não pode se esconder sob a independência funcional. Assim, dentro de sua avaliação independente e realizada dentro das regras vigentes, não há que se cogitar flexibilização da independência funcional. Só se pode adentrar neste terreno se houver ferimento a alguma regra que atinja a própria função, como no caso de uma ação motivada por interesses pessoais (o que é vedado na gênese da atuação ministerial). Mesmo eventuais quebras de regras que prevejam consequências formais (como a perda de um prazo), deve haver a consequência, mas não a censura à atuação finalística.
Não são raras as tentativas de mitigar e enfraquecer a atuação do Ministério Público. Contudo, como escreveu Arnaldo Setti, por ocasião dos debates da assembleia constituinte:
“Dentro desta linha, haja efetiva independência dos agentes do Ministério Público, se faz necessário revesti-los das garantias funcionais consistentes na vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Ademais, constitui corolário desta independência a autogestão e a dotação de recursos orçamentários próprios.
O substitutivo Bernardo Cabral retoma o caminho da independência e autonomia do Ministério Público Nacional, inaugurado por Campos Salles. Qualquer mutilação nos princípios gerais que nele foram traçados redundará no apoucamento da instituição, na limitação da forma de agir de seus membros e, consequentemente, na frustração da sociedade brasileira. Fiquem atentos os democratas, para isso: o medo de um Ministério Público independente reflete, ineludivelmente, o desejo de impunidade. (Autonomia do judiciário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 set. 1987)”.
A independência funcional, mais do que prerrogativa de atuação, é uma garantia da sociedade, de que há uma instituição séria e imparcial lutando por seus direitos.