7) O reconhecimento fotográfico do réu, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação.
Pode se definir o reconhecimento como o cotejo entre elementos atuais e passados, capazes de propiciar a identidade de determinada pessoa ou coisa. Nesse sentido pronuncia-se Enrico Altavilla, citado por Adalberto Camargo Aranha, para quem o reconhecimento “é um juízo de identidade entre uma percepção presente e uma percepção passada” (Da prova no processo penal. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 168). Numa definição mais estrita, formulada por Hélio Tornaghi, “reconhecimento é o ato pelo qual alguém verifica e confirma a identidade de pessoa ou coisa que lhe é mostrada, com pessoa ou coisa que já viu” (Curso de processo penal, 1990, vol. 1, p. 429).
Considerando que se trata de meio de prova que pode realmente contribuir para a imputação da autoria delitiva, o Código de Processo Penal estabelece, no art. 226 Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais., diversos requisitos para que o ato de reconhecer alguém seja seguro e livre de induzimento ou sugestionamento.
A despeito disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é absolutamente pacífica no sentido de que, não atendidas tais formalidades, nem por isso perde o ato a sua validade:
“É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é legítimo o reconhecimento pessoal ainda quando realizado de modo diverso do previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, servindo o paradigma legal como mera recomendação” (HC 443.769/SP, j. 12/06/2018).
Uma das formas pelas quais o reconhecimento se dá sem a observância do art. 226 é a fotográfica, não contemplada.
Se ao reconhecimento pessoal já são apontadas restrições, com muito mais razão doutrina e jurisprudência nutrem enormes ressalvas quanto à validade do chamado reconhecimento fotográfico. Há quem simplesmente lhe negue a natureza probatória, enquanto outros defendem sua utilização, como José Frederico Marques ao alertar que “não nos parece muito acertado rejeitar-se de plano, como elemento de prova, o reconhecimento feito diante de fotografias. Tudo depende, em cada caso, das circunstâncias que rodearam o reconhecimento e dos dados que foram fornecidos pela vítima ou testemunha, para fundamentar suas afirmativas” (Elementos de direito processual penal, Bookseller: Campinas, 1997, vol. II, p. 308).
Com efeito, embora precário, o reconhecimento fotográfico submete-se, como de resto toda e qualquer prova penal, a uma análise global, dentro de um contexto probatório forjado nos autos e, como tal, deve ser tomado pelo juiz, na formação de sua convicção, dentro da liberdade que orienta tal raciocínio. Não tem, é óbvio, valor absoluto – que, aliás, não tem nem a confissão judicial – e, portanto, não pode isoladamente fundamentar um decreto condenatório. Deve ser recebido com as ressalvas decorrentes de sua natureza precária e cotejado com os demais elementos probatórios que compõem o processo, especialmente aqueles produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. É neste sentido a tese firmada pelo STJ:
(…) V – O reconhecimento fotográfico não é inválido como meio de prova, pois, conquanto seja aconselhável a utilização, por analogia, das regras previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, as disposições nele previstas são meras recomendações, cuja inobservância não causa, por si só, a nulidade do ato. Precedentes. VI – In casu, consta que o reconhecimento fotográfico não foi o único elemento de prova a fundamentar a condenação, pois foi corroborado por outros elementos, como ‘termos de reconhecimento pessoal’ e os ‘relatos efetuados pelos ofendidos em juízo’” (HC 427.051/SC, j. 05/04/2018).
8) A folha de antecedentes criminais é documento hábil e suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência, não sendo necessária a apresentação de certidão cartorária.
No momento em que aplica a pena, o juiz segue o sistema trifásico estabelecido no art. 68Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. do Código Penal. Na primeira fase, analisa as circunstâncias judiciais; na segunda, faz incidir as agravantes e as atenuantes; e, na terceira, as causas de aumento e de diminuição.
Os maus antecedentes e a reincidência incidem, respectivamente, na primeira e na segunda fases. Para constatá-los, o juiz se baseia na prova documental de que o agente já sofreu condenações anteriormente à prática do fato em julgamento. Mas em que consiste essa prova?
Há quem sustente que somente as certidões cartorárias, emitidas sobre cada processo e nas quais constam dados mais detalhados é que podem servir para que o juiz aumente a pena. Outros, no entanto, argumentam que as folhas de antecedentes, em que as informações são mais concisas, são suficientes. É neste sentido a tese firmada pelo STJ, que, baseado no princípio da economia processual, contenta-se com o documento resumido:
“O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que “a folha de antecedentes criminais é documento hábil e suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência, não sendo necessária a apresentação de certidão cartorária” (HC 291.414/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/9/2016, DJe 30/9/2016)” (HC 369.322/SP, j. 20/02/2018).
9) Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.
A pena deve ser atenuada quando o agente, à época do fato (da ação ou omissão – art. 4º, CPArt. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.), era menor de vinte e um anos de idade (menoridade relativa). O legislador penal parte da premissa de que a pessoa, antes de completar o vigésimo primeiro aniversário, é imatura, apresentando personalidade em desenvolvimento.
De acordo com a maioria, tal premissa foi mantida, mesmo com o advento do Código Civil de 2002 que, no seu art. 5ºArt. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil., anuncia que a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. A opção estampada no Código Civil não revogou a atenuante da menoridade relativa trazida pelo art. 65 do CP porque o Direito Penal se preocupa com a idade biológica do agente, não com sua capacidade civil.
De acordo com a tese firmada pelo STJ, a menoridade deve ser demonstrada por meio de documento hábil, sem que baste a simples alegação de que o agente não havia completado vinte e um anos quando cometeu o crime:
“O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 74, a qual dispõe que “para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”. Igualmente, esta Corte tem entendido que, além da certidão de nascimento ou carteira de identidade, o conceito de documento hábil para o reconhecimento da menoridade em matéria penal, estende-se a qualquer instrumento de registro dotado de fé pública. Precedentes” (AgRg no HC 409.100/SC, j. 13/03/2018).
Como se extrai do acórdão transcrito, reiteram-se os termos da súmula 74 do próprio STJ.
Note-se que embora a tese se refira à comprovação da menoridade do réu em processo penal, o mesmo se aplica às demais situações em que a menoridade tem alguma influência e deve ser comprovada, como na incidência da majorante no tráfico de drogas do qual participe ou que vise a atingir criança ou adolescente e no crime de corrupção de menores:
“A menoridade dos adolescentes foi aferida em sede policial por meio de documento de identidade original por eles apresentado, sendo tal documento plenamente hábil à comprovação da causa de aumento prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006. Despicienda, portanto, a apresentação de certidão de nascimento, conforme afirmado pelo agravante” (AgRg no HC 357.617/MG, j. 10/04/2018).
“A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a certidão de nascimento não é o único documento hábil à comprovação da menoridade da vítima do crime de corrupção de menor, porquanto há outros documentos dotados de fé pública igualmente válidos para fundamentar o livre convencimento do Magistrado. Precedentes” (HC 425.079/MG, j. 15/03/2018).
10) O registro audiovisual de depoimentos colhidos no âmbito do processo penal dispensa sua degravação ou transcrição, em prol dos princípios da razoável duração do processo e da celeridade processual, salvo comprovada demonstração de necessidade.
De acordo com o art. 405, § 1º, do CPP, o registro do interrogatório e dos depoimentos em audiência será feito, sempre que possível, pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.
Na prática, vem sendo cada vez mais empregado o meio audiovisual, pelo qual o depoimento das testemunhas e vítimas e o interrogatório do réu são tomados através de uma câmera, com um microfone instalado diante do depoente, o que permite total fidelidade, eis que se evita que um serventuário da Justiça ouça o que está sendo narrado e transfira o conteúdo para o papel, processo que pode, por inúmeras razões, resultar na perda da fidedignidade. A importância conferida a esse meio de registrar o ocorrido nas audiências é tamanha que o STJ tem decidido que, uma vez disponíveis os meios de gravação, é obrigatório que o juiz os utilize, sendo-lhe defeso escolher outra forma que lhe pareça mais adequada (HC 428.511/RJ, j. 19/04/2018).
Considerando que a gravação é plenamente suficiente para registrar com precisão todas as declarações feitas na audiência, o § 2º do art. 405§ 2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. dispensa expressamente a transcrição do que foi gravado. Ora, se tudo está fielmente registrado em áudio e vídeo, não faz sentido, por uma questão de economia processual, impor a transcrição, que simplesmente repetirá o que já está registrado. Por esta razão, o STJ firmou a tese de dispensa da transcrição, a não ser que haja efetiva necessidade:
“1. O registro audiovisual de depoimentos colhidos em audiência dispensa sua degravação, salvo comprovada demonstração de sua necessidade. Interpretação do art. 405, § 2º, c/c o art. 475 do Código de Processo Penal. Orientação normativa do CNJ. Precedentes. 2. As inovações introduzidas no Código de Processo Penal pelas Leis ns. 11.689/2008 e 11.719/2008 atenderam ao objetivo de simplificação e economia dos atos processuais, bem como ao princípio da oralidade na produção da prova em audiência. 3. Recurso em mandado de segurança não provido” (RMS 36.625/MT, j. 30/06/2016).
Note-se que o tribunal se orienta nesse sentido inclusive no que diz respeito ao registro da instrução no plenário do júri, apesar de o parágrafo único do art. 475 dispor que “A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos”. Para o tribunal, a ausência de transcrição nos procedimentos do júri só acarreta nulidade se comprovado o prejuízo:
“(…) II – Dispõe o art. 475, parágrafo único, do CPP, que a transcrição do registro dos depoimentos e do interrogatório, após a degravação, deverá constar nos autos. III – Esta Corte de Justiça, nada obstante, tem entendimento no sentido de que não é obrigatória a degravação dos depoimentos e interrogatório colhidos no plenário do Tribunal do Júri, salvo se a ausência importar em prejuízo devidamente comprovado, nos termos do art. 563 do CPP” (HC 422.114/RS, j 24/04/2018).
Não se dispensa a transcrição, no entanto, para a sentença proferida e também gravada ao final da audiência (art. 403 do CPPArt. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. ). É imprescindível que se providencie a transcrição integral da sentença porque o art. 405, § 2º não se aplica a este ato judicial:
“(…) 4. Nas alterações promovidas pela Lei n. 11.719/2008, não se estabeleceu a possibilidade de se dispensar a transcrição de sentença penal registrada por meio audiovisual (ex vi, do título XII do CPP). Ao contrário, manteve-se o art. 388 do CPP, que prevê a possibilidade da sentença “ser datilografada”, admitindo-se, na atualidade, a utilização de outros meios tecnológicos similares, como por exemplo o computador, para o seu registro escrito. Daí a inaplicabilidade do disposto no art. 405, §§ 1º e 2º, do CPP – que permite a dispensa de transcrição de depoimentos – à sentença penal.
5. No caso em exame, a sentença penal condenatória foi colacionada aos autos por meio de registro audiovisual, existindo apenas transcrição parcial do seu conteúdo, consistente nos fundamentos da dosimetria e no dispositivo da sentença, não havendo menção das razões do convencimento do magistrado acerca da autoria e da materialidade do crime, nem da sua convicção pela livre apreciação da prova produzida, em afronta do preceito inscrito no art. 155 do CPP.
6. A ausência de registro escrito dos termos da sentença penal condenatória dificulta o exercício do contraditório e da ampla defesa – princípios consagrados no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal –, ainda que, nos autos, conste o registro de parte da sentença penal prolatada por meio audiovisual.
7. Não atingida a finalidade e existindo vício formal no ato, resta evidente o prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, não devendo subsistir a forma utilizada pelo Juízo singular, embora hígido o conteúdo material da sentença (…)” (HC336.112/SC, j. 24/10/2017).
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