Audiência de custódia é o direito que a pessoa presa em flagrante delito tem de ser imediatamente conduzida à presença da autoridade judicial, a qual irá analisar se seus direitos fundamentais foram devidamente respeitados, se sua prisão encontra-se em termos, bem como a viabilidade da concessão da liberdade provisória ou a necessidade da decretação da prisão preventiva.
Trata-se do genuíno Habeas Corpus (em tradução simples: traga-me o corpo). Vale dizer, o preso é apresentado ao magistrado para que seja averiguada sua integridade física e a possibilidade de ser concedida a liberdade provisória (ou não).
Quando da implementação da audiência de custódia, algumas discussões surgiram a respeito de sua constitucionalidade. Isso porque a primeira regulamentação que “criou” a audiência de custódia deu-se no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por intermédio do Provimento Conjunto n.º 03/2015.
Assim, ajuizou-se a ADIN 5240 no STF, a qual questionava a constitucionalidade do referido Provimento, sob o argumento de que o citado ato normativo não poderia instituir a audiência de custódia, uma vez que esta somente poderia ser criada por lei federal, pois caberia à União, por intermédio do Congresso Nacional, legislar sobre matéria processual, nos moldes do artigo 22, I, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema e decidiu que a audiência de custódia está em consonância com a Constituição Federal e que não há nenhuma inconstitucionalidade no Provimento Conjunto n.º 03/2015 do TJ/SP, de acordo com os seguintes fundamentos:
a) o artigo 7º, item 55. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo., da Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”) prevê a audiência de custódia. Considerando que essa Convenção possui status supralegal, sustou-se toda legislação ordinária conflitante com esse mandamento. Vale dizer, a previsão da audiência de custódia não está na legislação ordinária, mas sim na Convenção Americana de Direitos Humanos;
b) Considerando que existe a previsão da audiência de custódia na Convenção Americana de Direitos Humanos, o Provimento Conjunto n.º 03/2015 não inovou no ordenamento jurídico. Em outras palavras: o Provimento não criou a audiência de custódia, apenas a regulamentou, explicitando o seu conteúdo;
c) Trata-se do genuíno Habeas Corpus, em que se permite ao juiz trazer o preso à sua presença, em dia e hora que designar, para saber dele em quais condições se deu a sua prisão. A audiência de custódia nada mais é que a essência do citado remédio constitucional;
d) Não há que se falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes, porque quem criou a nova obrigação não foi o Provimento, mas sim a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Código de Processo Penal.
Portanto, com a implementação da audiência de custódia, discute-se em qual prazo o preso deve ser apresentado ao juiz. Embora ainda não exista posicionamento sedimentado, até porque os Tribunais ainda estão se adequando à nova determinação, tem-se trabalhado com o prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Inclusive, a Resolução de n.º 213 do CNJ, em seu artigo 1º Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão., estabelece que a pessoa presa deve ser apresentada em 24 (vinte e quatro) horas ao juiz.
Assim, ante a essa “nova fase” procedimental, deve o juiz receber o flagrante e, de imediato, designar a audiência de custódia, com a presença do Promotor de Justiça e do Defensor (seja públicoArt. 4º A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído no momento da lavratura do flagrante. (Resolução 213 do CNJ) ou advogado constituído), para análise sobre a legalidade da prisão, a verificação da integridade física do preso e a necessidade ou não de mantê-lo preso.
Interessante ressaltar que, na audiência de custódia, é vedadaArt. 4º, Parágrafo único. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia. (Resolução n.º 213 do CNJ) a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação. Certamente, essa norma proibitiva tem o intuito de averiguar se houve algum tipo de lesão ou tortura em desfavor do preso, bem como evitar qualquer tipo de constrangimento para a vítima de eventuais abusos.
Ainda no mesmo viés, a Resolução n.º 213 do CNJ orienta em que sentido deve ser realizada a audiência de custódia, merecendo relevo, dentre outras questões, o fato de ser vedada a realização de quaisquer perguntas com a finalidade de produzir prova para investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante. Assim, autoriza-se à autoridade judicial proceder à entrevista da pessoa presa para: “I – esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas; II – assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; III – dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; IV – questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; V – indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; VI – perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis; VII – verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito; VIII – abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante; IX – adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; X – averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar”.
Portanto, vê-se que, na audiência de custódia, somente poderá ser indagado ao preso sobre as circunstâncias de sua prisão.
Registre-se, por fim, que não há qualquer óbice para que o juiz, de plano, com o recebimento dos autos de prisão em flagrante, já analise sua legalidade e proceda ao relaxamento da prisão antes mesmo de designar a audiência de custódia. Isso porque, como orienta a Constituição Federal, a prisão ilegal deve ser imediatamente relaxada. Ademais, seria um contrassenso aguardar a audiência de custódia se, de plano, já se percebe que a prisão é ilegal.
É possível a audiência de custódia de réu solto?
A Resolução n.º 213 do CNJ indica que a pessoa presa em flagrante será apresentada ao juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Contudo, a prática tem demonstrado que, ao receber o flagrante, o magistrado, desde logo, procede à análise sobre a legalidade do auto de prisão em flagrante, sobre a viabilidade da concessão de liberdade provisória cumulada ou não com medidas cautelares, bem como sobre a necessidade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, para só então (se o réu permanecer preso) designar a audiência de custódia. Em outras palavras: as medidas que deveriam ser analisadas na audiência de custódia têm sido adiantadas pelo juiz. Assim, somente no caso de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva é que tem sido marcada a audiência de custódia.
Tem-se entendido pela desnecessidade da audiência de custódia quando, ao receber o flagrante, o magistrado já concede a liberdade provisória, ao argumento de que, estando solto, não há necessidade de apresentação do investigado ao juiz. Além disso, tendo ocorrido algum ato de maus-tratos, lesão ou tortura, o próprio investigado (que já estará solto) poderá comunicar às autoridades competentes.
De outro norte, poderá surgir corrente concordando com a realização de audiência de custódia de réu solto, uma vez que, além de analisar a viabilidade da concessão da liberdade provisória ou a necessidade da decretação da prisão preventiva, um dos objetivos da citada solenidade é verificar se houve algum tipo de maus-tratos, lesão ou tortura em desfavor do preso, de modo que, mesmo que o réu esteja solto, persistirá a necessidade de apresentação do investigado ao juiz para este fim.
Deverá acontecer audiência de custódia na hipótese de pessoa presa em razão de mandado de prisão cautelar (preventiva ou temporária) ou em razão de prisão definitiva (prisão pena)?
Segundo o artigo 13 da Resolução n.º 213 do CNJ, também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva a apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos na Resolução.
Portanto, nos casos de prisão preventiva, temporária ou de prisão definitiva, o preso também deverá ser apresentado ao juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para realização de audiência de custódia. Essa imposição se justifica para verificar se os direitos fundamentais do preso foram devidamente respeitados, se sua prisão encontra-se em termos, bem como se houve algum ato de maus-tratos, lesão ou tortura.
A ausência de audiência de custódia, por si só, é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar?
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “a não realização da audiência de custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar imposta ao paciente, uma vez respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Ademais, operada a conversão do flagrante em prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o flagrante.” (STJ. HC 344989 / RJ. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA. T5. DJe 28/04/2016)