Informativo: 631 do STJ – Direito Penal
Resumo: O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúncia, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal
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Os crimes relativos à ordem tributária têm uma disciplina particular no que se refere à extinção da punibilidade. Com efeito, uma vez constatada a ocorrência de delitos que envolvam a supressão, a redução, a apropriação ou a sonegação de tributos, confere-se ao agente a possibilidade de se ver livre da punição criminal pelo pagamento do valor devido ao fisco.
A extinção da punibilidade foi objeto de diversas leis. Em resumo, podemos afirmar que, com o advento da Lei 10.684/2003 (Lei do PAES), o STF (HC 85.452, DJU 03.06.2005) adotou a orientação de que o pagamento de tributo realizado a qualquer tempo gera a extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º, § 2º. Há também decisões posteriores segundo as quais a Lei 12.382/11 (que disciplina o parcelamento do tributo) convive com o art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, e a extinção da punibilidade em virtude do pagamento do débito pode ocorrer a qualquer tempo (HC 116.828/SP, DJe 22/08/2013). E, posteriormente, o STJ decidiu que mesmo a quitação posterior ao trânsito em julgado pode beneficiar o agente, porque a Lei nº 10.684/03 não estabelece marco temporal, e não cabe ao Judiciário decidir lastreado em limites inexistentes (HC 362.478/SP, DJe 20/09/2017).
Essas decisões – e as leis nas quais se baseiam – permitem tão ampla possibilidade de extinguir a punibilidade porque, dada a relevância dos tributos sonegados, interessa mais ao Estado incentivar o devedor a efetuar o pagamento do que puni-lo criminalmente pela sonegação.
Não ocorre o mesmo, no entanto, com determinados delitos que podem acompanhar a sonegação tributária, como a corrupção, em que a objetividade jurídica é sobretudo a regularidade da atividade administrativa, ferida de morte quando particulares e agentes públicos se imiscuem em relações que solapam os princípios da Administração Pública e utilizam a estrutura e os recursos administrativos em benefício próprio.
Por isso, ao julgar o recurso em habeas corpus 95.557/GO (DJe. 01/08/2018), o STJ acertadamente negou a possibilidade de estender ao crime de corrupção ativa extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo que havia sido elidido.
No caso, a recorrente havia oferecido vantagem a funcionária pública estadual para que subavaliasse os bens de um espólio, e, consequentemente, cobrasse parcialmente o tributo devido, o que, segundo a denúncia, foi feito. Ocorre que, quando do oferecimento da inicial acusatória, a recorrente já havia pago o tributo sonegado, razão pela qual foi acusada apenas pelo crime de corrupção. No STJ, sustentava que, não obstante a ausência de previsão legal, haveria de ser aplicada analogia em seu benefício para extinguir a punibilidade também sobre a corrupção, pois atrelada à sonegação fiscal.
Mas o argumento não convenceu o tribunal, que considerou a absoluta distinção entre ambos os crimes para concluir que não há o que justifique o afastamento da punição pelo oferecimento de vantagem indevida a funcionário público:
“De início, é mister consignar que não há razão plausível para reconhecer que o crime de corrupção ativa tenha extinta a punibilidade porque a autora pagou, antes do recebimento da denúncia, o montante de tributo que havia elidido, indevidamente, com o oferecimento da vantagem indevida a servidor público encarregado de emitir a guia de recolhimento respectiva. São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, tem a ver com a proteção da ordem tributária e com a efetividade da arrecadação estatal, enquanto no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da administração pública. Nesse sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que não emita guia com o valor realmente devido a título de tributo causa mortis, é, em tese e sem qualquer prejulgamento, conduta de reprovabilidade patente e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade, muito menos por lógica de analogia, porque subverte a ordem da administração pública, depõe contra a sua reputação e influencia o comportamento de outros agentes públicos, ainda que a diferença do quantum devido, tenha sido solvida antes do recebimento da denúncia. Este fato, por si só, não tem força para apagar a agressão ao prestígio da Administração. O crime de corrupção, abstratamente descrito como típico no art. 333 do Código Penal, possui natureza formal e se aperfeiçoa com a oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público, para praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Por outro lado, o que motivou o legislador ordinário a decretar a Lei nº 9.249/1995, que em seu artigo 34 dispõe acerca da extinção da punibilidade do crime contra a ordem tributária, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, foi o mote arrecadador, ou seja, para o Estado, em se tratando de delito fiscal, afigura-se vantajoso receber o montante pecuniário relativo ao tributo com a “ameaça” do processo criminal, ainda que a ordem tributária tenha sido, em tese, malferida com a ação de sonegar.”
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