Informativo: 636 do STJ – Processo Penal
Resumo: Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido, por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil.
Comentários:
O crime à distância (ou de espaço máximo) é aquele que percorre territórios de dois países, com a conduta em um lugar e o resultado em outro. Sua prática gera conflito internacional de jurisdição (qual país aplicará sua lei penal?). Como nosso Código Penal adotou, quanto ao lugar do crime (locus commissi delicti), a teoria da ubiquidade, híbrida ou mista (art. 6º), sempre que por força do critério da ubiquidade o fato se deva considerar praticado tanto no território brasileiro como no estrangeiro, será aplicável a lei brasileira.
Esta espécie de crime pode se verificar em diversas situações, como, por exemplo, no estelionato em que a indução em erro é promovida no Paraguai, mas o prejuízo é causado e a vantagem é obtida no Brasil; ou no tráfico de pessoas, em que a vítima é recrutada em um país e a finalidade do tráfico se cumpre em outro.
Com a popularização da internet, disseminou-se a prática de determinadas condutas que podem ser classificadas como crimes à distância, como a exploração de pornografia infantil, infelizmente muito difundida nos mais diversos lugares do mundo e cometida por redes que se interligam em países diferentes. Também infrações relativas à ofensa à honra podem ser cometidas à distância – e aliás o são com frequência. Um simples acesso a redes sociais como Twitter e Facebook pode nos proporcionar inúmeros exemplos de ofensas proferidas entre pessoas que se encontram em países diversos. Nada impede também que um residente em determinado país ameace alguém que se encontre em um país diferente, fazendo-o por meios eletrônicos (e-mail, redes sociais, páginas de internet, etc.).
Uma vez cometido um crime à distância cujo resultado se dê no Brasil, é preciso estabelecer se a competência interna recai na Justiça Estadual ou na Justiça Federal, como ocorreu recentemente em julgamento de conflito de competência proferido pelo STJ (CC 150.172/SP, j. 10/10/2018).
No caso julgado, a vítima havia sofrido ameaça da parte de um indivíduo com quem mantivera um relacionamento nos Estados Unidos. A ameaça partiu daquele país e foi dirigida à vítima no Brasil.
A Justiça Estadual declinou da competência sob o argumento de que compete à Justiça Federal processar e julgar crimes previstos em convenção internacional, quando iniciado no estrangeiro e o resultado ocorrido no Brasil, conforme dispõe o art. 109, V, da FC/88. No caso, considerou-se a incidência da Lei Maria da Penha, fundamentada em tratados internacionais que visam a combater a violência contra a mulher.
A Justiça Federal, por sua vez, também declinou da competência porque, dentre outras razões, os tratados internacionais que inspiram a Lei Maria da Penha não preveem conduta semelhante que o Brasil tenha se obrigado a reprimir, mas apenas estabelecem diretrizes para o combate à violência contra a mulher.
O STJ, contudo, deu razão à Justiça Estadual.
Embora tenha concordado que os tratados internacionais dos quais deriva o sistema de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher não estabelecem condutas específicas, o tribunal concluiu que a ameaça cometida sob a forma tratada na Lei 11.340/06, proveniente do estrangeiro para o Brasil, enquadra-se no disposto no art. 109, V, da CF/88 em razão do que já decidiu o STF em relação aos crimes envolvendo pornografia infantil pela internet.
Recordemos que, de acordo com o STF, o julgamento dos crimes tipificados nos arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/90 é de competência da Justiça Federal quando tais delitos forem cometidos por meio da rede mundial de computadores e: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente (RE 628.624/MG, DJe 09/11/2015).
Como lembrou o ministro Joel Ilan Paciornik – relator do conflito de competência – na ocasião do julgamento do RE 628.624 o ministro Marco Aurélio considerou que a competência deveria recair na Justiça Estadual porque a Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia das Nações Unidas não estabelece condutas específicas que o Brasil tenha se obrigado a reprimir. Mas foi voto vencido a partir de divergência aberta pelo ministro Edson Fachin, para quem o sistema de proteção à infância no qual se funda o compromisso de tipificação penal de condutas relacionadas à pornografia infantil é suficiente para preencher o requisito estabelecido no art. 109, V, da CF/88.
Segundo o ministro Paciornik, dá-se o mesmo em relação à Lei Maria da Penha e aos tratados que a fundamentam:
“Destarte, à luz do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, embora as Convenções Internacionais firmadas pelo Brasil não tipifiquem ameaças à mulher, a Lei Maria da Penha, que prevê medidas protetivas, veio concretizar o dever assumido pelo Estado Brasileiro de proteção à mulher.”
Diante disso, a competência se estabeleceu na Justiça Federal.
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