No geral, admite-se o princípio da insignificância nos crimes patrimoniais em que não há violência ou ameaça, não há o emprego de meios que por si tornam o fato mais grave e que não sejam cometidos por quem faz da ação criminosa um meio de vida. Os tribunais superiores estabeleceram alguns parâmetros para que a análise da insignificância seja a mais criteriosa possível, evitando-se assim que o sistema criminal promova uma proteção deficiente dos bens jurídicos tutelados pela norma penal, situação tão deletéria quanto o excesso e o abuso. Em resumo, são requisitos para a insignificância (A) a mínima ofensividade da conduta do agente, (B) a ausência de periculosidade social da ação, (C) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por fim, (D) a inexpressividade da lesão jurídica causada.
Estes requisitos obrigam a uma análise abrangente das circunstâncias em que ocorre a prática criminosa. Dessa forma, não obstante o valor irrisório do objeto subtraído no furto ou do prejuízo causado no estelionato, por exemplo, há fatores que podem confirmar a tipicidade material, como, no primeiro caso, o rompimento de obstáculo, a escalada, a fraude e o concurso de agentes, e, no segundo, o ardil cometido contra entidade de direito público. Além disso, no caso daquele que comete reiterados crimes, ainda que os prejuízos individualmente considerados sejam reduzidos, não é socialmente adequado que a Justiça criminal ignore o todo e acabe incentivando a reiteração delitiva.
E no caso em que o dano é totalmente reparado, haveria lugar para que se excepcionassem os requisitos da insignificância, ou, mais, para que se considerasse atípico o fato tal como ocorre nos crimes contra a ordem tributária?
Há quem sustente que em crimes como o furto simples e a apropriação indébita sem a concorrência de circunstâncias mais graves, independentemente do valor do prejuízo, a reparação integral torna dispensável a persecução penal. Argumenta-se que não há motivo para impor na esfera patrimonial tratamento diverso daquele dispensado aos autores de crimes tributários, que, segundo decisões recentes, podem extinguir sua punibilidade pelo pagamento do tributo até mesmo depois do trânsito em julgado da sentença condenatória:
“1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.” (HC 362.478/SP, j. 14/09/2017)
Assim, se na esfera da sonegação tributária, em que o interesse público é diretamente atingido, a reparação do dano tem tamanha relevância, é razoável que se estenda a mesma solução à esfera estritamente patrimonial, que não envolve interesses além daqueles relativos às pessoas envolvidas.
Mas não é esta a solução que tem sido adotada pelo STJ, que considera a reparação do dano insuficiente para provocar a extinção da punibilidade:
“1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que no crime de apropriação indébita, a restituição do bem ou o ressarcimento do dano antes do oferecimento da denúncia não excluem a tipicidade do crime ou extinguem a punibilidade do agente, sendo apenas causa de redução da pena, nos termos do artigo 16 do Código Penal.” (RHC 93.195/SP, j. 24/04/2018)
E a insignificância, é viável diante da reparação do dano?
É preciso esclarecer desde logo que a reparação não torna o fato insignificante, isto é, uma conduta que, analisada em todas as suas circunstâncias, seria penalmente relevante – como, por exemplo, a subtração de um objeto avaliado em R$ 700,00 –, não deixa de sê-lo apenas porque o agente, arrependido, repara o dano que provocou:
“1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de ser incabível a aplicação do princípio da insignificância quando o montante do valor da res furtivae superar o percentual de 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos. Precedentes. 2. O fato de o bem ter sido devolvido à vítima não constitui, por si só, motivo suficiente para a aplicação do princípio da insignificância. Precedente.” (STJ – AgRg no AREsp 1.322.476/MG, j. 25/09/2018)
Dito isto, é possível que, conjugada a reparação do dano com a irrelevância do prejuízo que havia sido causado, afaste-se a tipicidade material embora haja algum outro fator que, se a reparação não houvesse ocorrido, provavelmente impediria a incidência do princípio da insignificância. Podemos citar como exemplo a situação do reincidente que comete um novo crime com prejuízo irrisório, prontamente reparado:
“2. A reincidência tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso, em que subtraído um aparelho de som – avaliado em R$ 45,00, correspondente a 5% do salário mínimo vigente à época dos fatos –, integralmente restituído à vítima, que não suportou real prejuízo, denotando ser a conduta desprovida de relevância penal. 3. Na hipótese, o diminuto valor do bem subtraído aliado à circunstância de o fato criminoso gerador da reincidência remontar ao ano de 2006 justificam a incidência do princípio da insignificância” (STJ – RHC 97.861/MG, j. 23/10/2018)
Note-se, por fim, que nos casos em que a reparação do dano não é relevante para a extinção da punibilidade ou não é suficiente para a incidência do princípio da insignificância ainda existe a possibilidade de diminuição de pena em razão do arrependimento posterior, instituto disciplinado no art. 16 do Código Penal, que impõe os seguintes requisitos:
(A) Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa: a violência à coisa – como o rompimento de obstáculo no furto – não obsta a diminuição da pena.
(B) Reparação do dano ou restituição da coisa até o recebimento da denúncia ou queixa: se a reparação for parcial, entende a doutrina majoritária que só pode ter efeito com a concordância da vítima.
(C) Ato voluntário do agente: a lei dispensa espontaneidade.
A diminuição se opera na terceira fase de aplicação da sanção penal e tem como parâmetro a maior ou menor presteza (celeridade e voluntariedade) na reparação ou restituição.
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