A teoria da violação positiva do contrato (positive Vertragsverletzung) teve sua origem na Alemanha, no início dos anos 1900, através dos estudos de Hermann Staub. Resumidamente, a tese consiste no reconhecimento de que o contrato, embora cumprido pela parte contratada, pode vir a sê-lo de forma defeituosa, ensejando o dever de reparar eventuais danos daí advindos.
No Código Civil alemão (BGB), a matéria está disciplinada no § 280/1 “§ 280 Schadensersatz wegen Pflichtverletzung (1) Verletzt der Schuldner eine Pflicht aus dem Schuldverhältnis, so kann der Gläubiger Ersatz des hierdurch entstehenden Schadens verlangen. Dies gilt nicht, wenn der Schuldner die Pflichtverletzung nicht zu vertreten hat”.. Em tradução livre, o dispositivo diz que “Compete ao devedor que viole um dever proveniente de uma relação obrigacional o dever de indenizar”.
No Código Civil brasileiro, o art. 422 traz a seguinte regra:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Note-se que o dispositivo acima determina que as partes devem proceder com boa-fé não só na conclusão do contrato, mas também em sua execução.
Nada obstante, a ocorrência da violação positiva do contrato é de mais fácil visualização nas relações de consumo. Quando o consumidor adquire um produto ou contrata um serviço, seus direitos não estão atrelados somente à fruição do bem de consumo adquirido (objeto do contrato). Isso significa que a rede de atendimento e suporte técnico disponibilizados pelo respectivo fornecedor integram o contrato de consumo celebrado entre as partes, constituindo-se como obrigação acessória ou dever anexo ou secundário, como preferem outros doutrinadores. Sendo assim, além da garantia de qualidade do bem de consumo em si, há outros deveres jurídicos que devem ser observados pelo fornecedor, que gravitam em torno do produto ou do serviço, e cujo cumprimento também há de ser revestido de qualidade.
Pois bem, no momento em que o fornecedor presta ao consumidor um suporte defeituoso, embora esteja formalmente cumprindo seu dever nesse sentido, não o estará de forma substancial, isto é, com a qualidade necessária a atender a contento a necessidade do consumidor. Haverá, nesse caso, um adimplemento ruim do contrato; um cumprimento defeituoso, acanhado, desqualificado.
Nesse sentido, Flávio Tartuce anota que, na doutrina contemporânea, vem ganhando relevo a tese da violação positiva do contrato. Sobre o tema, o autor cita lição de Marcos Jorge CatalanCATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005 apud TARTUCE, Flávio. Direito Civil v. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 8ª ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2013, p. 195.:
À luz de tais situações, que facilmente poderiam ser constatadas no plano concreto, é certo que a violação havida não poderia ser explicada em razão da mora, pois não houve retardamento no desempenho da prestação, nem pelo instituto do inadimplemento, pois este se caracteriza pela impossibilidade de cumprir a prestação por fato imputável ao devedor ou pelo desinteresse do credor na mesma. O fato é que o Código Civil pátrio não oferece uma resposta satisfatória para a solução do problema, cabendo à doutrina construir os alicerces da teoria da violação positiva do contrato, categoria que tem ampla sinonímia, dentre elas: cumprimento defeituoso; adimplemento ruim; inexecução contratual positiva e lesión del deber. O traço distintivo dessa modalidade de incumprimento não consiste no atraso ou na inexecução definitiva, mas, sim, em deficiências ou defeitos na prestação que é desempenhada, mas não da forma (pelo modo) que foi imposta ao devedor, havendo ofensa a sua qualidade.
Registre-se, contudo, que na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), em parceria com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi aprovado o enunciado nº 2424 - Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa., considerando a violação positiva do contrato como espécie de inadimplemento.
Como situações mais comuns de violação positiva do contrato pode-se citar o mau atendimento pelo fornecedor ao consumidor, prestado através dos SACs e Call Center’s, das redes de assistência técnica de automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos etc.
De um modo ou de outro, isto é, se essa espécie de falta contratual caracteriza-se como modalidade autônoma ou como inadimplemento (o que seria ainda mais grave), importa concluir que estará presente o dever de compensar o ofendido pelos danos daí advindos.
Concluindo, no momento em que o consumidor é vítima do mau atendimento do fornecedor, acaba sendo obrigado a envidar novos esforços para tentar obter o atendimento correto por parte dos canais disponibilizados pelo fornecedor, enquanto, por obrigação implícita no contrato de consumo, deveria aquele atender à reclamação de maneira eficiente e no tempo mais breve possível. Nesse contexto, é inegável que situações como essa podem causar danos ao consumidor, ensejando a responsabilização civil do fornecedor de produtos e serviços, especialmente a perda do tempo útil/livre do consumidor, tese que, atualmente, tem sido acolhida por diversos juízes e tribunais brasileiros para fundamentar a reparação civil do consumidor lesado.