Informativo: 639 do STJ – Direito Penal
Resumo: É atípica a conduta de agente público que procede à prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas, não configurando o crime de advocacia administrativa perante a Administração Fazendária.
Comentários:
No Código Penal, a advocacia administrativa é tipificada no art. 321: “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”. Há ainda uma figura especial tipificada no art. 3º, inc. III, da Lei 8.137/90, que pune a mesma conduta, mas praticada perante a administração fazendária, tratando-se, portanto, de um crime funcional contra a ordem tributária.
Consiste a advocacia administrativa, basicamente, em defender, pleitear, advogar junto a companheiros ou superiores hierárquicos o interesse particular. Para que se configure o crime, não basta que o agente ostente a condição de funcionário público, mas é necessário e indispensável que pratique a ação aproveitando-se das facilidades que sua qualidade de funcionário lhe proporciona.
Exige-se, além disso, mais do que um mero ato de encaminhamento ou protocolado de papéis. É curial que se verifique o efetivo patrocínio de uma causa, complexa ou não, perante a administração. É a lição de Basileu Garcia:
“Que é patrocinar? Patrocínio é proteção, auxílio, amparo. Patrocinar uma causa é advogá-la, defendê-la. De certo modo, toda manifestação de boa-vontade de um funcionário para certos papéis, na sua repartição, poderia ser interpretada como favorecimento, ou patrocínio. Precisamos, porém, colocar-nos dentro da realidade, sem fantasias mitológicas, ao cuidar de impor sanções penais. É impossível evitar que funcionários se interessem pelo andamento de determinados papéis, atendendo ao pedido de um amigo ou conhecido. Seria absurdo vislumbrar-se nesse fato corriqueiro e inocente o patrocínio de interesses, visado pelo legislador ao punir a advocacia administrativa. O que se desejou punir é, como a própria denominação da modalidade criminosa adverte, a atitude que comprove, da parte do funcionário, o ânimo de advogar pretensões alheias, utilizando-se da sua qualidade e do seu poder de funcionário, como força para a vitória que, desse modo desleal, tende a ser concedida a uma das partes. Para essa advocacia criminosa não é preciso ser formado em direito.” (Dos crimes contra administração pública. Justitia, v. 6, São Paulo, 1948, p. 62)
Em virtude dessas características, o STJ deu provimento a recurso especial (REsp 1.770.444/DF, j. 08/11/2018) para afastar a tipicidade da conduta praticada por auditora da Receita Federal que havia feito correções de ordem técnica, estilística e gramatical em impugnações administrativas promovidas por particular.
Segundo a decisão, embora a conduta pudesse ser questionada sob o ponto de vista ético, não se demonstrou que a funcionária pública se valeu de sua condição para influenciar eventual julgamento favorável ao terceiro. O fato de a auditora ser capaz de orientar a redação da impugnação administrativa envolve um conhecimento técnico não necessariamente ligado à função pública desempenhada. Qualquer pessoa, mesmo sem função pública, que tivesse tal conhecimento poderia fazer o mesmo:
“Inicialmente cumpre salientar que a conduta tipificada no art. 3º, III, da Lei n. 8.137/1990 – tipo especial em relação ao delito previsto no art. 321 do Código Penal – pressupõe que o agente, valendo-se da sua condição de funcionário público, patrocine, perante a administração fazendária, interesse alheio em processo administrativo. Pressupõe-se que o agente postule o interesse privado, direta ou indiretamente, utilizando-se da sua condição de funcionário para influenciar os responsáveis pela análise do pleito. Segundo a doutrina, “patrocinar significa defender, pleitear, advogar junto a companheiros ou superiores hierárquicos o interesse particular. Para que se configure este delito, não basta que o agente ostente a condição de funcionário público, mas é necessário e indispensável que pratique a ação aproveitando-se das facilidades que sua qualidade de funcionário público lhe proporciona”. A doutrina também ensina que “é claro que o patrocínio incriminado exige efetiva defesa de interesse privado por parte do funcionário público da administração fazendária, e não simples ato que poderia ser praticado por qualquer pessoa, como no caso do agente que obtém certidões devidamente pagas ou informações passíveis de serem colhidas por qualquer um, sob pena de violação dos princípios da ofensividade e da proporcionalidade”. Desse modo, não se pode tomar como típica a conduta de proceder à correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas anteriormente confeccionadas pelos causídicos do administrado. Muito embora a conduta perpetrada possa ser avaliada sob o aspecto ético, ela não se justapõe à conduta típica descrita no art. 3º, III, da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária.”