Um dos temas mais atuais relacionados às sociedades anônimas é o referente ao estudo das chamadas práticas de governança corporativa (corporate governance), decorrente de estudos e trabalhos desenvolvidos inicialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Trata-se, basicamente, de um movimento que visa a estabelecer padrões de gestão para os negócios explorados em sociedade, centrados, fundamentalmente, nos seguintes princípios: (i) transparência (não se deve apenas cumprir o dever de informação previsto em lei, mas disponibilizar às partes interessadas toda e qualquer informação do seu interesse), (ii) equidade no tratamento entre os acionistas (criação de regras mais protetivas para os minoritários e mais eficientes na prevenção do abuso por parte dos controladores), (iii) prestação de contas confiável (accountabillity; a prestação de contas deve seguir critérios de contabilidade seguros, eficientes e internacionalmente aceitos.) e (iv) responsabilidade corporativa (os administradores/controladores devem zelar pela sustentabilidade das empresas que administram/controlam, visando à longevidade delas e incorporando em suas gestões preocupações de ordem social e ambiental, por exemplo).
A preocupação com a governança corporativa nos remete a alguns fatos históricos relevantes e a alguns trabalhos acadêmicos influentes.
Quanto aos fatos históricos relevantes, merece destaque o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais a partir do século XX, sobretudo nos EUA, o que acarretou uma mudança sensível na estrutura das grandes companhias, as quais passaram a ter o capital cada vez mais pulverizado (fenômeno da dispersão acionária), o que permitiu que empresas passassem a ter controle minoritário ou gerencial. Nessas situações, a gestão das companhias não cabia mais aos seus verdadeiros donos (proprietários da maioria das ações), mas àqueles administradores (acionistas minoritários ou mesmo pessoas estranhas ao quadro social) que, por sua competência/eficiência, conseguiam se eleger nas assembleias anuais. Enfim, pela primeira vez na história se verificava uma separação entre propriedade e controle dos meios de produção.
Quanto aos trabalhos acadêmicos influentes, podem ser mencionadas as obras de Berle e Means sobre dispersão acionária, e de Jensen e Meckling sobre teoria da firma. Esses autores perceberam que a separação entre propriedade e controle gera o “conflito de agência”, que se dá especialmente quando os proprietários da empresa (acionistas) delegam seu controle a profissionais especializados (administradores), situação que muitas vezes pode acarretar divergências sobre a melhor gestão dos negócios. É verdade que tal conflito é muito mais latente nos países em que é grande o número de companhias de capital social muito pulverizado (“controle gerencial”), mas ele também existe em países como o Brasil, onde predominam empresas com capital social concentrado (“companhias familiares”), principalmente quando tais empresas crescem e ganham novos sócios, como herdeiros ou investidores externos.
Do conflito de agência decorre o “problema do agente principal”: os executivos contratados para administrar as companhias acabam tomando decisões pensando mais no seu benefício próprio (aumento de salários e de bônus, estabilidade no comando da empresa etc.) do que no benefício dos acionistas e demais partes interessadas (stakeholders), de modo que para evitar isso foi necessário criar mecanismos eficientes de controle da gestão, o que se convencionou chamar de “boas práticas de governança corporativa”.
O marco inicial desse movimento é a publicação do relatório Cadbury, na Inglaterra, em 1992, produzido por uma comissão da Bolsa de Londres e que teve um anexo chamado de Código das melhores práticas de governança corporativa. No mesmo, a General Motors se tornou a primeira empresa a divulgar um código de governança corporativa. Posteriormente, nos Estados Unidos, foi publicado outro importante documento, pelo American Law Institute, chamado de Principles of corporate governance. A partir de então, inúmeras empresas e vários outros países também aderiram ao movimento, o que ocorreu, inclusive, com o Brasil, onde, em 1999, foi publicado o nosso Código das melhores práticas de governança corporativa, pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), revisado e ampliado em 2001, após a criação do chamado Novo Mercado da BOVESPA, em 2000. A importância desse movimento no Brasil já é tão grande que é facilmente perceptível sua influência na reforma da LSA levada a efeito pela Lei 10.303/2001 e outras que a seguiram. Nos EUA, merece destaque a Lei Sarbanes-Oxley, de 2002.
A adesão ao Novo Mercado da BOVESPA é ato voluntário, mas existe hoje uma tendência, pode-se dizer, de que cada vez mais as companhias abertas o façam, a fim de atrair a confiança dos investidores. Assim, as companhias que aderem voluntariamente ao Novo Mercado se comprometem a adotar uma série de medidas de governança corporativa, além das já exigidas pela LSA.
Dentre as obrigações assumidas pelas companhias que aderem ao Novo Mercado, destacam-se medidas que proporcionam aos acionistas a boa gestão dos negócios e o constante monitoramento da atuação gerencial do empreendimento por parte de seus executivos (membros do conselho de administração e diretores). Nesse sentido, são normas do Novo Mercado, por exemplo, (i) a opção pela arbitragem para a resolução de conflitos de interesses entre acionistas; (ii) a existência de conselho de administração com no mínimo 5 (cinco) membros, sendo 20% dos conselheiros independentes e o mandato máximo de dois anos; (iii) a prestação de contas obediente a preceitos uniformes internacionais (accountability); (iv) a instituição de códigos de ética, (v) o capital ser composto exclusivamente por ações ordinárias com direito a voto; (vi) em caso de alienação de controle, direito dos minoritários de vender suas ações pelo mesmo preço das ações do controlador (tag along de 100%); (vii) em caso de saída do novo mercado, dever de fazer oferta pública para recomprar as ações de todos os acionistas no mínimo pelo valor econômico delas; (viii) compromisso da companhia de manter no mínimo 25% das ações em circulação (free float).
Por fim, ressalte-se que a governança corporativa tende também a ganhar destaque progressivo em razão da necessidade iminente de as grandes companhias recuperarem a confiança dos investidores após as recentes crises que atingiram diversas bolsas de valores em todo o mundo, desconfiança essa que se agravou ainda mais com os escândalos divulgados amplamente pela mídia ocorridos nos últimos anos.