O crime de assédio sexual é tipificado no art. 216-A do CP e consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência (condição de mando) inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. É, em síntese, a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno.
A doutrina discute se é possível o assédio sexual do professor contra o aluno. A controvérsia nasce a partir da interpretação que se pode conferir às expressões “superioridade hierárquica” e “ascendência”, condições elementares do tipo.
Para Guilherme de Souza NucciCódigo Penal comentado, p. 985, ambas são inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, mas a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência espelha a mesma relação, porém no campo privado. Dentro desse espírito, não configura o crime a mera relação entre docente e aluno, por ausência do vínculo de trabalho entre os dois sujeitos.
Luiz Regis PradoCurso de direito penal brasileiro: parte especial, p. 288 discorda, assim argumentando:
“Superior hierárquico, como elemento normativo do tipo, é condição que decorre de uma relação laboral, tanto no âmbito da Administração Pública como da iniciativa privada, em que determinado agente, por força normativa ou por contrato de trabalho, detém poder sobre outro funcionário ou empregado, no sentido de dar ordens, fiscalizar, delegar, ou avocar atribuições, conceder privilégios (v.g., promoção, gratificação etc.), existindo uma carreira funcional, escalonada em graus.
Na ascendência, elemento normativo do tipo, não se exige uma carreira funcional, mas apenas uma relação de domínio, de influência, de respeito e até mesmo de temor reverencial (v.g., relação professor-aluno em sala de aula)”.
Sob esta ótica, portanto, é plenamente possível que o professor constranja um aluno com o intuito de obter vantagem sexual.
Em recente decisãoNúmero não divulgado em razão do segredo de justiça, o STJ adotou a segunda tese sob o argumento de que não é possível ignorar a ascendência exercida pelo professor, que, devido à sua posição, pode despertar admiração, obediência e temor nos alunos, e, em virtude disso, tem condição de se impor para obter o benefício sexual. No caso julgado, o professor havia se insinuado para uma aluna adolescente – tocando-a, inclusive – porque ela necessitava de alguns pontos para ser aprovada.
Segundo o ministro Rogério Schietti Cruz, era evidente “a aludida ‘ascendência’, em virtude da ‘função’ – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem a cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação (…) Faço lembrar que o professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a ‘ascendência’ constante do tipo penal objeto deste recurso não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes”.
Fez-se referência ainda à redação aprovada do projeto de lei que deu origem ao art. 216-A, que deveria contar com um parágrafo no qual se equiparava ao caput a conduta de quem cometesse o crime prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério. O parágrafo único foi vetado sob o fundamento de que, “ao sancionar com a mesma pena do caput o crime de assédio sexual cometido nas situações que descreve, implica inegável quebra do sistema punitivo adotado pelo Código Penal, e indevido benefício que se institui em favor do agente ativo daquele delito. É que o art. 226 do Código Penal institui, de forma expressa, causas especiais de aumento de pena, aplicáveis genericamente a todos os crimes contra os costumes, dentre as quais constam as situações descritas nos incisos do parágrafo único projetado para o art. 216-A”.
Isto, para o ministro, deixa claro que a intenção é punir igualmente os atos de assédio sexual que vitimam alunos.
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