Com a finalidade de organizar adequadamente a frequência das torcidas em eventos esportivos e de prevenir episódios já muito conhecidos e – infelizmente – comuns de violência, especialmente durante competições futebolísticas, em 2003 o legislador aprovou o Estatuto de Defesa do Torcedor, que, dentre diversas regras que disciplinam desde a existência das torcidas organizadas e passam pela segurança do torcedor, a venda de ingressos, o transporte aos eventos, a alimentação e a higiene, a relação com a arbitragem e a entidade de prática desportiva, contém disposições sobre penalidades de índole administrativa que podem atingir as torcidas organizadas, além de disposições criminais que, evidentemente, punem somente pessoas naturais.
Dentre as penalidades administrativas, a redação original do art. 39-A (inserido pela Lei 12.299/10) dispunha que a torcida organizada que, em evento esportivo, promovesse tumulto, praticasse ou incitasse a violência, ou invadisse local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas seria impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até três anos. Este prazo foi alterado pela Lei 13.912/19, que o aumentou para cinco anos.
Note-se que a sanção administrativa de que trata o art. 39-A é aplicável independentemente da pena criminal sobre membros da torcida organizada que cometem crimes no mesmo contexto fático, tendo em vista que, por sua natureza administrativa, de forma nenhuma se confunde com a sanção penal. Aliás, outra distinção reside no fato de que a sanção administrativa não é imposta a membros específicos, mas sim à torcida como um todo, algo que não se admitiria no âmbito criminal, no qual impera a responsabilidade pessoal, que refuta absolutamente sanções de caráter coletivo.
Embora a intenção seja louvável, temos de admitir que a medida tem pouca relevância prática, pois, por limitações naturais, evita que membros da torcida suspensa ingressem no local do evento esportivo apenas quando pronta e ostensivamente identificados como componentes da tal torcida. Caso indivíduos mal intencionados queiram provocar tumulto apesar da suspensão, basta que compareçam individualmente e sem sinais aparentes de que integram a torcida suspensa. Talvez a maior relevância de uma medida como esta esteja nas consequências indiretas que pode provocar à direção da torcida organizada, que, devido às limitações impostas, pode sofrer com a queda na venda de produtos caracterizados, por exemplo.
A Lei 13.912/19 ainda inseriu um novo dispositivo no Estatuto do Torcedor. O art. 39-C, que também trata das penalidades às torcidas organizadas, estende a suspensão a fatos ocorridos em contexto diverso dos eventos esportivos. De acordo com o dispositivo, a torcida organizada se sujeita à suspensão por até cinco anos e responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros se, mesmo em local ou data distintos dos relativos à competição esportiva:
(a) Promover a invasão de local de treinamento;
(b) Promover o confronto entre torcedores, ou mesmo induzi-lo ou auxiliá-lo;
(c) Praticar ilícitos contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos e jornalistas voltados principal ou exclusivamente à cobertura de competições esportivas, mesmo que, no momento, não estejam atuando na competição ou diretamente envolvidos com o evento.
O propósito do novo dispositivo é o alargamento da punição de torcidas organizadas que cometem atos ilícitos em ocasiões diversas dos eventos esportivos. Tais atos, que envolvem não apenas o confronto eventual entre membros de torcidas, mas principalmente a invasão de centros de treinamento e o constrangimento – muitas vezes violento – de jogadores e treinadores em seu cotidiano, não são abrangidos pelo art. 39-A, porque este dispositivo pressupõe que no momento da conduta esteja ocorrendo um evento esportivo. Sem a extensão promovida pelo art. 39-C, os atos ilícitos praticados por torcidas organizadas em situações rotineiras, sem que um evento estivesse em curso, não podiam ser punidos com a suspensão, nem eram abrangidos pela regra da responsabilidade civil objetiva e solidária.