Hoje predomina, de modo bastante acentuado, a fragmentação das fontes normativas. Não existe mais a fonte – existem múltiplas fontes normativas, sem que possamos falar em proeminência entre elas (salvo, naturalmente, a Constituição). Houve um progressivo deslocamento da órbita do sistema jurídico, cujo centro passou a ser a Constituição, e seus valores fundamentais. Com esse fenômeno, o direito civil passa a ser apenas mais um setor, sem status diferenciado, devendo pautar seus institutos, conceitos e normas pelo crivo dos valores institucionalizados na Constituição.
É claro que no século XIX, o século das grandes certezas, o século no qual o direito civil nutria a utopia da completude e da perfeição técnica, não havia espaço para a convergência que hoje observamos. Havia uma cisão: de um lado a pandectística alemã, que construiu, a partir dos modelos romanos, as grandes teorias do negócio juridico, da propriedade, do contrato. Do outro lado, o publicismo, relativamente recente, e que era visto com desconfiança pelos privatistas que nele enxergavam um fenômeno mais político que jurídico.
Escrevemos em outra oportunidade: “É difícil, atualmente, em termos de direito público e privado, achar algo que não esteja numa zona cinza. As influências recíprocas são muito fortes. Tudo, sob certo aspecto, interpenetra-se. O direito público privatiza-se; o direito privado publiciza-se. No plano empírico, não há, frequentemente, espaços estanques. Se, nos grandes códigos, a separação era um objetivo a ser buscado, existindo monumentos do saber privado (códigos civis) e monumentos do publicismo (constituições), hoje prepondera a preocupação prática. Legisla-se, no mundo contemporâneo, sem maiores indagações se a norma é de direito público ou de direito privado. Simplesmente legisla-se, buscando atingir, com eficiência, as finalidades normativas. Há, por certo, referências temáticas (idosos, crianças e adolescentes, consumidores), mas são referências a aspectos da vida social, e não a ramos do direito”.
Portanto, no contexto, descrito, podemos dizer que atualmente há um diálogo das fontes. Não se pode pensar o direito civil sem pensar na Constituição. A concepção clássica, que apartava, em mundos distintos, o direito público e o direito privado, envelheceu. Pode ter alguma valia didática, mas já não serve para explicar o que se passa na sociedade em que vivemos. Hoje, as fontes normativas são plurais, públicas e privadas, nacionais e internacionais. Há uma interpenetração progressiva das fontes normativas.
Sem falar que as funções atuais da responsabilidade civil – conforme veremos no próximo capítulo – são mais complexas e dinâmicas do que aquelas do passado. Tradicionalmente a responsabilidade civil contava apenas com a função de restituir o lesado ao estado anterior ao dano (função de restituição). Hoje outras funções existem, pelo menos em certos casos específicos, como a função de desestimular o ofensor a reincidir na prática ofensiva. Essa função não precisa estar presente em todos os casos, mas pode existir em alguns, sobretudo naqueles em que há, na ofensa, particular negligência, descaso ou agressiva ofensa a direitos fundamentais, exigindo reação compatível do ordenamento.
Enfim, como palavra de encerramento deste tópico, queremos apenas dizer que hoje – cada vez mais – doutrina e jurisprudência se valem do diálogo das fontes para chegar a soluções constitucionalmente conformes. Isto é, promove-se o diálogo entre normas distintas, com vistas a otimizar determinado grau de proteção. Por exemplo, o STJ, em várias situações, mesmo diante de uma relação de consumo, tem aplicado o Código Civil, quando o prazo prescricional deste é mais benéfico ao consumidor (CC, art. 205, prazo geral de 10 anos). Outro exemplo possível: tem-se, também, progressivamente aplicado a sistemática de inversão do ônus da prova, prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII), em questões relativas ao direito ambiental (que não conta com regra jurídica específica para a inversão).
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