O exercício do trabalho e do estudo no cumprimento da pena é uma das medidas de ressocialização adotadas pela Lei de Execução Penal, e é incentivada pela possibilidade de remição, que, no caso do trabalho, se dá na proporção de um dia de pena para cada três dias trabalhados e, no caso do estudo, de um dia de pena para cada doze horas de frequência escolar.
Ocorre que a Lei 7.210/84 não estabelece em detalhes quais são as atividades que podem ser consideradas laborativas ou escolares, razão por que os tribunais são frequentemente provocados a decidir se a remição pode ser aplicada pelo desempenho de determinadas atividades que, à primeira vista, podem não se enquadrar em nenhuma das situações disciplinadas na lei.
Como exemplo, temos a leitura e a resenha de livros, uma atividade autônoma, que, a rigor, não pode ser classificada como frequência escolar, mas que o STJ admite para a remição da pena sob o argumento de que o benefício deve ser concedido em analogia in bonam partem em relação à possibilidade de desconto da pena por meio do estudo (HC 527.446/SP, j. 12/11/2019).
Recentemente, o STJ admitiu a remição pelo estudo sem a comprovação das horas de efetiva frequência escolar porque o preso havia concluído o ensino médio e havia sido aprovado em exame nacional (ENEM).
A primeira instância havia deferido a remição, mas, por recurso do Ministério Público, o Tribunal de Justiça reformou a decisão considerando que a Lei de Execução Penal não contempla a conclusão do ensino médio e a aprovação em exames entre as causas de remição. É preciso comprovar a frequência escolar:
“[…] Depreende-se desse dispositivo legal [art. 126 da LEP] que a pena estabelecida na sentença pode ser reduzida caso o condenado, durante seu cumprimento, utilize parte desse tempo para trabalhar ou estudar. Assim, a remição é, ao mesmo tempo, um fator de combate ao ócio e um incentivo à preparação para a vida laborativa, ou ao estímulo de sua habilidade, tudo em busca de transformar o cumprimento da pena num tempo de aperfeiçoamento do homem que um dia deixará o cárcere.
Em outras palavras é o tempo de pena gasto para o estudo ou o trabalho que beneficia o preso, que poderá ser ainda mais favorecido caso demonstre que o resultado do estudo feito durante o cumprimento da pena foi eficaz sob o prisma da educação oficial.
A lei não prevê remição de pena para quem obtém certificado de conclusão de curso (fundamental, médio ou superior) emitido por órgão do sistema de educação, que apenas aumenta a retribuição pelo estudo, como prêmio pela efetiva dedicação a ele. A lei só prevê a remição da pena pelo tempo dela destinado ao estudo (ou trabalho).
Daí o cálculo da remição decorrer das horas de frequência escolar (ou dos dias de trabalho) e haver necessidade dessa atividade ser ‘certificada’ pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
III – No caso dos autos não se demonstrou que parte do tempo de pena foi dedicado ao estudo, razão pela qual descabe remição de pena pelo estudo”.
Mas, para a ministra Laurita Vaz, o fato de o preso ter concluído o ensino médio e ter sido aprovado no exame é bastante para comprovar o aproveitamento de seu estudo, ainda que praticado de forma autônoma. Em outras palavras, torna-se desnecessário comprovar a frequência escolar se, por outros meios, o preso demonstra ter se dedicado a atividades educacionais:
“Sabe-se que a Lei de Execução Penal prevê, em seu art. 126, que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
Assim, como resultado de uma interpretação analógica in bonam partem da norma ali inserta, segundo reiterada jurisprudência desta Corte, é possível a hipótese de abreviação da reprimenda em razão de atividades que não tenham previsão expressa no texto legal.
[…]
Quanto ao tema, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação n.º 44/2013, que apresenta a possibilidade de remição por aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino médio, como na hipótese dos autos:
‘Art. 1º Recomendar aos Tribunais que:
[…] V – na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino [fundamental ou médio – art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE], isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio.’
Com as regras apresentadas, busca-se incentivar o estudo do apenado e, consequentemente, sua ressocialização, primordial objetivo da pena, buscando a readaptação ao convívio social.
Assim, aplicando a interpretação extensiva in bonam partem, entende-se cabível a remição para presos que estudam por conta própria, merecendo relevar, ainda, o louvável esforço individual para tanto.
Nessa perspectiva, é certo que o benefício da remição deve ser aplicado no caso dos autos, tendo em vista que a aprovação do Recorrente no ENEM e a conclusão do ensino médio configuram aproveitamento dos estudos realizados durante a execução da pena, conforme dispõem o art. 126 da Lei de Execução Penal e a Recomendação n.º 44/2013 do CNJ” (REsp 1.810.154/SP, j. 06/03/2020).
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos