Sumário: 1. Introdução; 2. O princípio da igualdade na Constituição de 1988; 3. Igualdade entre homens e mulheres; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
O tema da Mulher e o Poder no Brasil além de ser atual e relevante traz consigo uma série de inquietações e também discussões, tanto no campo jurídico, como social. No entanto, o seu enfrentamento é necessário para a busca da igualdade entre os sexos e para a consolidação do Estado Democrático de Direito, pois ele pressupõe a participação de todos os cidadãos no processo de tomada de decisão do Estado.
Do ponto de vista jurídico tem-se que o direito à igualdade é assegurado no Brasil, desde a primeira Constituição, qual seja, a de 1824 e esteve presente em todos os demais Textos Constitucionais. A isonomia está prevista na Constituição de 1988 em seu art. 5º, que é dividido em setenta e oito incisos e contém quatro parágrafos e que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. O rol de direitos ali presentes é meramente exemplificativo.
Os direitos individuais são cláusulas pétreas, e como tal não podem ser abolidos por emenda à Constituição (art. 60, §4º, inc. IV). Limitam o poder estatal, na medida em que proíbem ingerências “indevidas na esfera jurídica individual.” Constituem-se em uma verdadeira carta de direitos do cidadão. Houve um significativo aumento da previsão de direitos individuais em relação ao disposto na Constituição de 1967, bem como dos meios para garanti-los.
A igualdade é assegurada em toda sua amplitude, ou seja, abarca o seu aspecto formal consistente na impossibilidade de a lei discriminar por critérios que não sejam legítimos e também o critério material que se encontra diretamente relacionado com a proteção da dignidade da pessoa humana e visa a propiciar ao indivíduo condições para que possa usufruir em igualdade de condições dos demais bens da vida, tais como: saúde, educação, moradia, alimentação e trabalho.
O Texto Constitucional expressamente também assegura a igualdade entre homens e mulheres nos termos da Constituição. Isso implica dizer que é autorizado ao Texto Constitucional fazer distinções entre homens e mulheres com vistas a assegurar a tão almejada isonomia. Nesse particular, tem-se a obrigatoriedade de prestação de serviço militar apenas para homens, uma reserva de mercado de trabalho para mulheres, bem como distinção no tocante ao regime de previdência social, principalmente, no que concerne a idade e os anos de contribuição.
Na atualidade, ainda se fazem presente resquícios da cultura paternalista dos séculos passados. Tiveram importantes movimentos feministas e sociais de apoio a emancipação da mulher, na busca da implementação da igualdade de fato que ainda não foi concretizada. A história e a cultura são responsáveis pela desigualdade de gênero, que cresce onde existem papéis e posturas discriminatórias.
As mulheres ainda aprendem o papel social de submissão, e os homens o papel de domínio. Tais concepções surgem desde a infância, no âmbito familiar, do que por disciplinas legais. Portanto, trata-se de um jogo de poder, e a mulher se mantém na sociedade com menos poder político, econômico e menos prestígios sociais. O que, inevitavelmente, vem influenciando na qualidade de vida e no acesso destas aos espaços de poder.
No momento atual, as distinções normativas com vistas a assegurar a igualdade ente homens e mulheres, ganha novos contornos na medida em que as mulheres conquistam cada vez mais espaço no cenário político e econômico e também em relação ao papel por elas desempenhados nas Forças Armadas, nas empresas privadas e principalmente no Poder. Nesse sentido, o presente estudo pretende analisar com acuidade essas novas nuances no que se refere à isonomia entre homens e mulheres.
2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O princípio da igualdade é assegurado no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A garantia da igualdade é um dos pressupostos necessários para alcançar uma democracia efetiva. Ela é um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro, um dos pilares do arcabouço constitucional.
Num primeiro momento o ordenamento jurídico buscou-se assegurar a igualdade formal, ou seja, a igualdade na lei consistente na vedação de tratamento discriminatório. Posteriormente passou-se a garantir a igualdade material, ou seja, “o tratamento uniforme de todos os homens”, igualdade de oportunidade em face dos bens da vida. Foi nesse contexto que foram criadas as ações afirmativas, que são as ações que visam assegurar, afirmar o princípio da isonomia, cuja modalidade mais conhecida é o regime de cotas. São ações que buscam assegurar às minorias o acesso aos bens da vida, saúde, educação, emprego…
O sistema de cotas já é aplicado no ordenamento jurídico pátrio no tocante ao acesso às universidades de afro descentes, descendentes de índios e alunos oriundos de escola pública. Trata-se de um valioso instrumento de inclusão das minorias na sociedade, na medida em que se garante a isonomia. Contudo, essas ações devem ser sempre provisórias, pois uma vez alcançada a igualdade de fato, não há mais motivos para mantê-la. Pelo contrário, se as ações afirmativas forem permanentes elas acabam por violar o próprio princípio da isonomia.
Denominadas também de Discriminação Positiva (Ações Afirmativas) são medidas de enfrentamento a desigualdade para implementar a igualdade material perante a lei, com a promoção de igualdade de oportunidades por políticas públicas. A atenção na efetivação destas medidas é essencial para que esse caráter de favorecimento, não gere nos preteridos o sentimento de rejeição e injustiça, mas sim promoção de empatia e alteridade. Atuando também na correção de distorções sociais, “em favor de grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade, com vistas a eliminar os desiquilíbrios existentes entre estas categorias sociais.”
3. IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES
A Constituição Federal de 1988 estando no ápice do ordenamento jurídico promove uma compatibilidade topográfica das demais normas com o seu texto. Em geral, cada país tem a vigência e a predominância de seu sistema jurídico estruturado conforme a sua Constituição. Após a Segunda Guerra Mundial, devido ao Holocausto, a comunidade jurídica internacional percebeu que se precisava de um comprometimento com normas acima dos Estados, para proteção dos valores jurídicos. Com o advento da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, houve o fomento à proteção dos direitos humanos, com normas gerais de critérios amplos, que apontam diretrizes a serem incorporadas pelos Estados.
Com vistas a conferir maior efetividade à Declaração, foram criados em 1966 os Pactos de direitos civis e políticos e de direitos econômicos, sociais e culturais. Trazendo eles a ideia de auto aplicabilidade dos direitos humanos. Como pertencentes a pessoa os direitos civis e políticos, e no caso dos direitos econômicos, sociais e culturais há necessidade do Estado de proporcionar tais direitos. Paralelamente a tais documentos, se percebeu que determinadas categorias de grupos de indivíduos, demandavam Convenções especiais, e começaram a serem criados tratados e convenções voltados a grupos específicos de pessoas, ou situações ou contextos específicos, que precisavam ser protegidos no âmbito internacional, requisitando ainda mais atenção por parte dos Estados signatários. Referidos documentos internacionais possibilitam que qualquer país possa aderir e incorporar ao seu direito interno, como aconteceu no Brasil.
Em conformidade com o disposto nos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º, conferiu o Supremo Tribunal Federal o status aos tratados de direitos humanos de norma supralegal, acima das demais leis, mas abaixo da Constituição, e apenas aqueles atos que foram aprovados como equivalentes a norma constitucional, ou seja, com quórum de três quintos e votação em dois turnos pelo Congresso Nacional. As normas que tratam de direitos humanos para alguns autores, como Flavia Piovesan, são compreendidas como integrantes do bloco de constitucionalidade, para aquelas normas aprovadas antes da EC 45/2004. Nesse sentido, tem-se que a proteção aos direitos humanos das mulheres, fomenta ainda mais a busca da igualdade, harmonizando o sistema jurídico brasileiro às perspectivas mundiais. Tem-se na Constituição brasileira:
[…] um documento que contempla os direitos humanos de forma abrangente e pormenorizada, como nenhum outro documento em nossa história. Desse modo, o Estado brasileiro adotou uma Constituição com ampla gama de direitos e garantias fundamentais, visando assegurar a todos a plena realização da cidadania. A nova Constituição não só repercutiu no ordenamento interno, mas “impôs” a questão dos Direitos Humanos como tema fundamental da agenda internacional do país.
O Texto Constitucional assegura no inc. I do art. 5° o a igualdade entre homens e mulheres nos termos da Constituição. Em outras palavras, desde que respeitadas às distinções levadas a efeito pelo próprio Texto Constitucional, como por exemplo, a garantia de aposentadoria com tempo inferior ao dos homens.
A explícita proteção à igualdade entre homens e mulheres é uma inovação da atual Constituição, pois não constava expressamente do Texto anterior. Igualmente é vedada qualquer forma discriminação em razão de sexo, cor, religião, cabendo à lei punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, conforme disposto no inc. XLI do art. 5º.
Há que se considerar que historicamente as mulheres sempre foram destituídas de liberdade e de igualdade de direitos em relação ao homem. Nesse sentido, qualquer menção aos direitos humanos e à liberdade era vazia de significado. No mundo ocidental a mulher encontrava-se privada dos mais simples direitos até o início do séc. XX. Elas eram consideradas dotadas de pouca idoneidade moral, fraca inteligência, e usufruíam de pouquíssimos direitos.
Somente no séc. XX é que a sociedade ocidental começou a se preocupar com os direitos das mulheres. A emancipação da mulher foi uma das consequências da Revolução Industrial. No entanto, o processo de conquista de direitos pelas mulheres tem se dado de maneira lenta e gradual. Pode-se dizer que um dos primeiros passos nessa caminhada é o reconhecimento formal pelo ordenamento jurídico da igualdade entre homens e mulheres na fruição de direitos.
Todavia, a busca da igualdade entre homens e mulheres deve levar em consideração necessariamente a diferença existente entre eles. Em outras palavras, busca-se uma igualdade de direitos e não de uma “identidade de direitos.” Frise-se que a “identidade de direitos” pode ser entendida como “a paridade e uniformidade de direitos entre homens e mulheres o que por si só representaria uma violação a isonomia, na medida em que ambos são diferentes e essas diferenças devem ser sempre respeitadas.”
A maioria dos ordenamentos jurídicos ocidentais passou a contemplar a igualdade entre homem e mulher de maneira expressa como faz o Texto Constitucional de 1988 e as leis infraconstitucionais. Todavia, a mera existência de normas jurídicas sobre igualdade de tratamento entre homens e mulheres não produzem por si só resultado iguais, nem no plano individual, nem plano coletivo.
Não há negar-se que o Direito é um “campo amplo vasto no qual as transformações ocorrem, ainda que de maneira gradativa, no entanto deve-se sempre atuar através dele para se obter mudanças significativas na sociedade”. A lei deve almejar diminuir as diferenças entre homens e mulheres e criar condições para reduzir essas distinções. Se a lei vier acompanhada da formulação e implantação de políticas públicas a isonomia entre os sexos será mais facilmente alcançada, mas o fato de existir leis prevendo essa isonomia já se tem a base para a concretização dessa isonomia.
Deve-se reconhecer que o ordenamento jurídico normativo brasileiro confere grande proteção à mulher. Há diversas leis que buscam assegurar a igualdade de direitos entre homens e mulheres nas mais diversas áreas, penal, trabalhista e eleitoral. A existência de mais leis protetivas a mulher, auxiliam na redução da discriminação, prestigiando assim o princípio constitucional da isonomia.
Na Revolução Industrial, no século XVIII, as lutas operárias eram direcionadas à busca de igualdade de oportunidades, exigiam que o Estado liberal fosse intervencionista e assistencialista, para concretização de direitos econômicos e sociais. Há a transição da busca de uma igualdade formal para uma igualdade material, já que “as diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação aos outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade.”
Da aceitação social da divisão sexual do trabalho, a qual consistia em designar aos homens o trabalho produtivo e as mulheres o trabalho doméstico, resultou na reserva de mercado de certas atividades laborais como masculina e feminina, e dessa reserva advém as diferentes condições de acesso e de permanência no emprego e de oportunidades. “Proteger não apenas a mulher, mas também o homem, ou seja, protegê-los enquanto seres humanos que merecem tratamento condigno é um fim social que deve ser objetivado pela lei.”
A proibição da discriminação do trabalho da mulher é aquela fundada no sexo, consoante o disposto no artigo 1º da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) recepcionada no Brasil pelo Decreto nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968, in verbis:
Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende: toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
O patriarcalismo fundado em uma sociedade paternalista prejudicou a inserção da mulher no mercado de trabalho, e isso vem se refletindo até os dias atuais. A mulher em busca de emprego se submeteu a condições tão precárias de trabalho, e ainda persiste nessa desigualdade de gênero. No sistema jurídico brasileiro, o Código Civil de 1916 privava a mulher de certas funções, pois a mantinha na classe dos relativamente incapazes (art. 6°, inciso II); a necessidade de autorização do marido para que pudesse exercer, fora do lar conjugal, qualquer profissão (art. 233) e o exercício exclusivo do pátrio poder pelo marido, enquanto perdurasse a sociedade conjugal (art. 380).
Com a alteração deste cenário somente em 1962 com o advento do Estatuto da Mulher Casada (lei n.º 4.121 de 1962), a mulher passa a não ser mais considerada como relativamente incapaz. Além disso, estabeleceu-se um tratamento paritário entre os cônjuges no que se refere aos efeitos jurídicos do casamento e às relações patrimoniais. Lenta e progressivamente, foi ela quebrando os grilhões de sua subordinação ao marido, não precisando da autorização para trabalhar e obteve a capacidade de ser parte e estar em juízo. Tais privações tinham nítido caráter discriminatório, de proteger a sua moral e relegá-la ao recanto do lar, limitada a obrigação de cuidados e criação dos filhos, além da segunda jornada nos afazeres domésticos.
O Código Civil de 2002 traz a capacidade plena da mulher, exercendo em conjunto a chefia da sociedade conjugal, e substituiu o pátrio poder, pelo poder familiar, implementando, portanto, o princípio da igualdade da Constituição Federal de 1988.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em sua redação original de 1943, trazia normas de proteção ao trabalho da mulher, que eram consideradas como verdadeiras discriminações, que dificultavam o acesso da mulher no mercado de trabalho, o excesso de proteção gerando desproteção. Por exemplo, em seu artigo 446, presumia autorizado o trabalho da mulher casada, revogado tal dispositivo somente em 1989. O fenômeno do crescimento do trabalho feminino no mercado de trabalho privado está associado à precarização.
Atualmente, as restrições na legislação trabalhista brasileira têm como fundamento a proteção da mulher em sua fragilidade física, naquilo que se relaciona com suas necessidades biológicas e físicas, peculiaridades e na busca da igualdade dos gêneros nas condições de trabalho. A igualdade é a base de construção do Direito, ainda que haja diferença na concepção do que seja direito, só há justiça quando há equilíbrio, quando há igualdade, que não é aritmética, mas consistente em tratar igualmente os iguais, porém desigualmente aqueles que não são iguais, respeitando assim suas diferenças.
Seria o problema da discriminação exclusivo das mulheres? Afinal são elas que enfrentam a discriminação, e não os homens. Contudo, ao negar a mulher seu direito à igualdade, não sofrem apenas elas, mas toda a sociedade, já que sociedades menos igualitárias produzem menos avanços sociais, menos crescimento econômico, relegando o país a recessão, que culmina em desemprego e no agravamento dos males sociais.
A discriminação no trabalho da mulher, em geral, no Brasil, se dá com a definição de exigências e qualificações para o posto de trabalho, assim como em procedimentos e critérios de seleção. Apesar de expressa previsão constitucional como objetivo fundamental a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e da proteção ao mercado de trabalho da mulher com incentivos específicos, para promover igualdade de oportunidades por medidas compensatórias, as já referidas ações afirmativas.
A primeira Constituição brasileira que versou sobre o trabalho da mulher foi a de 1934, que, por exemplo, proibia a discriminação quanto aos salários; vedada o trabalho em locais insalubres, e garantia o repouso antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego, assegurando instituição de previdência a favor da mãe.
A Constituição Federal de 1988 trouxe a licença a gestante sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias (artigo 7, inciso XVIII CRFB); a proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos determinados em lei (artigo 7, inciso XX); proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, (artigo 7, XXX). Garantia de emprego da mulher gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, o que nunca antes havia sido previsto em âmbito constitucional ou legal, apenas em normas de categoria profissional (artigo 10, inciso II do Ato das disposições constitucionais transitórias – ADCT).
No âmbito da legislação ordinária, destaca-se a Lei n. 9.029/95 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Tal legislação também tem incidência penal de detenção de um a dois anos e multa. Além disso, prevê a possibilidade de reparação por dano moral, podendo os trabalhadores optarem entre readmissão com ressarcimento integral do período de afastamento ou a percepção em dobro da remuneração do período de afastamento.
Já a Lei n. 8.861/94 teve por escopo garantir a licença-gestante às trabalhadoras urbanas, rurais e domésticas e o salário maternidade às pequenas produtoras rurais e às trabalhadoras avulsas. A Lei n. 9.799/99 trouxe regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho. A Lei 10.421/02, por sua vez, estendeu à mãe adotiva o direito à licença-maternidade e ao salário maternidade. A Lei n. 10.710/03 restabeleceu o pagamento pela empresa do salário maternidade devido à assegurada empregada gestante. A Lei nº 11.770 de 2008, criou o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal para o setor privado.
Toda proteção à mulher concedida na área dos direitos sociais, como educação, saúde, previdência e assistência social são de extrema relevância na medida em que possibilitam uma isonomia entre os sexos. As mulheres são as maiores destinatárias das políticas públicas do Estado, pois dependem em muito da prestação de serviços públicos. Nesse particular, quando o Estado passa por uma crise, as mulheres são mais afetadas. Destarte, no mercado de trabalho, a mulher pode-se dizer, sofre uma dupla opressão, pois além da opressão geral, sofre a opressão de um mercado de trabalho discriminador e dominado pelo sexo masculino.
O estatuto de beneficiária de que a mulher usufrui no sistema de segurança social é diferente e mais frágil e mais controlado do que o do homem. As mulheres normalmente têm renda inferior à do homem, são mais suscetíveis aos índices de desemprego, e ainda obtém remuneração inferior, mesmo com a realização de igual trabalho. Nesse sentido, é natural que ocorra a precarização do trabalho, a globalização provoca a precarização. Além disso, temos famílias monoparentais chefiadas por mulheres que mantém a prole, motivo que faz se submeterem aos trabalhos precarizados. Altos índices de informalidade e a desproteção social do trabalho, revertem-se nas cruéis restrições de acesso à Previdência Social, que da recente reforma gera ainda mais instabilidade, do que se esperar no futuro desta proteção social.
O artigo 1º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, (promulgada no Brasil pelo Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984, revogado pelo Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002) define “discriminação contra a mulher”:
[…] significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994, (Convenção Belém do Pará promulgada no Decreto nº 1.973, de 1996), entende que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica, incluindo, entre outras formas, expressamente, o assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local. A Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993 enfatiza a importância de se trabalhar no sentido de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres na vida pública e privada, prevendo expressamente a necessidade de se eliminar todas as formas de assédio sexual, que consiste em um atentado a dignidade da mulher, sobrepondo a sexualidade na capacidade de manutenção e ascensão nas relações de trabalho.
A Convenção Belém do Pará foi uma criação regional no âmbito das Américas como principal instrumento de proteção dos direitos das mulheres, que foi elaborada antes da Europeia e muito elogiada internacionalmente por ter sido a primeira e pela sua abrangência na proteção dos direitos. A regionalização dos direitos humanos sendo a proteção regional por conta da criação de cortes internacionais foi muito importante, pois passou a se ter um órgão para dar efetiva aplicabilidade aos instrumentos internacionais quando violados.
A Convenção em seus artigos 7 e 8 impõe a obrigação aos Estados partes de adotarem medidas jurídicas, evitando a violação de direitos das mulheres. O Estado-parte se comprometendo com comportamentos e práticas de atos para o combate a preconceitos. No artigo 8° traz a promoção de programas e de que todos que trabalham no sistema de justiça, assim como as polícias, possam trabalhar com políticas de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher.
Em 2011 a criação da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate a violência contra as mulheres e a violência doméstica (Convenção de Istambul). Está no âmbito Europeu como uma convenção específica, mas sem ainda um tribunal específico para julgamento de casos de violação dos direitos humanos das mulheres. A Convenção de Belém do Pará foi referência para a Convenção de Istambul.
A Convenção Interamericana ainda influenciou o direito brasileiro no âmbito do Direito Penal foram significativas as alterações no sentido de conferir proteção às mulheres. A Lei n. 9.930/94 incluiu o estupro entre crimes hediondos que são inafiançáveis. A Lei n. 9.318/96, por sua vez, alterou o Código Penal para considerar como agravante da pena quando o crime é cometido contra criança, maiores de sessenta anos, enfermo e mulher grávida. Foi aprovada a Lei n. 10.244/01 que trata do assédio sexual: insinuação ou proposta sexual repetida e não desejada por uma das partes. O Poder Executivo também disponibilizou em âmbito nacional, número telefônico destinado a atender denúncias de violência contra a mulher (Lei n. 10.714/03). Os estabelecimentos penais destinados a mulheres devem ser dotados de berçários, onde as condenadas possam amamentar seus filhos, por força da Lei n. 9.046/95. Também se percebe que no direito brasileiro há uma tendência de se buscar a eliminação das discriminações sociais e raciais, por leis de cunho criminal.
Não é função do Direito Penal alterar valores, mas, sim, protegê-los, desde que não interfira no âmbito da liberdade de grupos, decorrente do pluralismo a ser respeitado numa sociedade democrática. Contudo, mesmo não sendo sua função, é certo que a criminalização de determinada conduta pode ter efeito positivo, com a demonstração de que o bem jurídico protegido possui tal dignidade a ponto de sua tutela ter sido destinada ao campo penal, isto é, a prevenção geral em seu aspecto positivo. A vertente negativa da prevenção geral, é que a criminalização da conduta faz com que o agente se afaste dela, com receio de vir a sofrer a imposição penal. Além desses aspectos, a vítima passa a contar com todo o aparato do Estado para a elaboração da prova do ocorrido não ficando, à mercê de qualquer outra iniciativa. Todavia, a criminalização da conduta não pode desvirtuar o desempenho dos programas de prevenção.
A tutela penal é para aquelas condutas que atentem contra o bem jurídico, com dano considerável (princípio da insignificância), no princípio da ofensividade da conduta de elevada reprovabilidade, assim como atendendo ao princípio da fragmentariedade. Importante conferir o reconhecimento a que merecem tais condutas em todos os demais ramos jurídicos, e não somente na esfera penal. Por exemplo, antes, na falta de legislação específica, o assédio sexual era conduta genérica de crime ou contravenção penal, o que ainda se mantém para o assédio moral, prejudicando o seu reconhecimento como questão de gênero e dimensionamento próprio.
A violência doméstica contra mulher no Brasil recebeu visibilidade nos tribunais brasileiros a partir do Recurso especial 1517 do PR do STJ – relator José Cândido DOU 15/04/1991 determinando a não aplicabilidade da tese da legítima defesa da honra conjugal nos casos de violência doméstica contra a mulher. Foi aprovada a Lei n. 10.455/02 que autorizou o afastamento do agressor do lar. Contudo, a grande conquista da mulher no tocante ao combate à violência doméstica foi a aprovação da Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/06 que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, originada de condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso 12.051 Maria da Penha Maia Fernandes – Brasil, relatório 54/01, de 4 de abril de 2001. Nesse contexto, aprova-se a Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/06 que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
No campo eleitoral, a Convenção sobre direitos políticos da mulher de 1953, em vigor no Brasil desde 1964, e promulgada pelo Decreto n.º 52476, de 12.9.1963, que reafirma os princípios estabelecidos no artigo 21 da DUDH, que declara que todas as pessoas têm o direito de participar no governo de seu país o de ter acesso a seus serviços públicos. O direito das mulheres em escolher seus representantes foi garantido em 1932, no decreto 21.076 do Código Eleitoral Provisório.
Dados estatísticos da Justiça Eleitoral, de 2018, mostram que 52% do eleitorado brasileiro é formado por mulheres. Contudo, o número de candidatas mulheres é desproporcional ao número de mulheres politicamente ativas no país, ou seja, aptas a votar e a serem votadas. A primeira vez que as candidaturas femininas alcançaram 30% do total de candidaturas de um pleito no país foi nas eleições de 2012, mesmo após a criação das “cotas de gênero” que se tornaram obrigatórias com a Lei n. 12.034, de 29.09.2009. Tais cotas foram instituídas pela Lei n 9.504/97, conhecida também como Lei de Batom, foi aprovada com o intuito de possibilitar uma maior participação da mulher na política. Ela estabelece que cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo. O intuito da lei não foi outro senão o de fomentar a participação das mulheres no Poder, uma vez que impõe obrigatoriamente um mínimo de candidatura de mulheres nos partidos políticos e coligações. Deste modo, abre-se a possibilidade de as mulheres alcançarem cargos eletivos e assim participarem das decisões políticas do País, tanto no Poder Legislativo, como no Poder Executivo.
Pode-se afirmar que do ponto de vista normativo há uma ampla proteção conferida à mulher no sentido de garantir a isonomia entre os sexos. Todavia, a existência de leis garantidoras dos direitos das mulheres não é suficiente para assegurar a igualdade de oportunidade para as mulheres diante dos bens da vida. Não há negar-se que a previsão de proteção às mulheres no ordenamento jurídico é um avanço, pois há uma garantia formal de igualdade entre os sexos. Contudo é imprescindível a elaboração e implantação de políticas públicas, bem como educar a sociedade para evitar a discriminação entre os sexos.
As mulheres ainda são minoria nos principais cargos do Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Elas ainda estão alijadas do processo de tomada de decisão do Estado.Trata-se também do reconhecimento da luta política e respeito da igualdade de direitos, e amplia as discussões em torno da participação política da mulher.
Apesar da existência de cotas, em 2017, no Poder Legislativo, o percentual de cadeiras ocupadas por mulheres em exercício no Congresso Nacional era de 11,3%. No Senado Federal, composto por eleições majoritárias, 16,0% dos senadores eram mulheres e, na Câmara dos Deputados, composta por eleições proporcionais, apenas 10,5% dos deputados federais eram mulheres.
As mulheres ocupam, na maioria das vezes, desempenham papel marginal na gestão destes assuntos de governo e nos órgãos de decisão, tem sido sobretudo destinatárias indireta da redistribuição. O Brasil está na 161ª posição, de um ranking de 186 países, sobre a representatividade feminina no Poder Executivo, e ainda é pequena a participação em cargos comissionados, o levantamento foi realizado pelo Projeto Mulheres Inspiradoras, que atua pela participação feminina nos espaços de poder.
Na área da saúde, lei visando à mulher surge a partir de 1918, o Código Sanitário que proibia o trabalho noturno para mulheres. Nos anos setenta a grande pauta de saúde da mulher no mundo era sobre a violência e o controle dos médicos sobre seus corpos, que não ouviam sua opinião. Portanto, questionando no sistema de saúde a autoridade do médico, e desde o início dos anos setenta vinha-se “debatendo as condições necessárias para se dar às mulheres um atendimento integral, testando diferentes modelos de assistência em que o corpo feminino fosse tratado como um todo e não mais como uma série de órgãos isolados, da competência de diferentes especialistas.”
No Brasil vigorava o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia federal, criada em 1977, pela Lei nº 6.439, voltado ao atendimento de pessoas com registro em carteira de trabalho, restando os serviços de filantropia nas Santa Casa aos demais casos. Em 1983 o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM, oriundo de sanitaristas e do movimento de mulheres, que pediam um programa materno – infantil, além de considerar a mulher nas suas questões de saúde. Não há como deixar de reconhecer a importância deste programa na abordagem à saúde reprodutiva no Brasil, foi pioneiro, inclusive no cenário mundial “ao propor o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres e não mais a utilização de ações isoladas em planejamento família.”
Com a abertura democrática, advém o Sistema Único de Saúde (SUS), Lei nº 8.080, de 1990, com base no direito à saúde individual, mas ainda vinculado aos direitos sociais. Trouxe uma proposta de acesso universal a saúde para o Brasil, além de garantir por lei acesso a medicamentos necessários a manutenção da saúde. Foi instituída a carteira nacional de saúde da mulher pela Lei n. 10.516/02. Um passo importante para a independência da mulher foi a aprovação da Lei n. 9.263/96 que criou o planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Tornou-se também obrigatória a cirurgia plástica reparadora de mama por planos e seguros privados de assistência à saúde nos casos de mutilação decorrente de tratamento de câncer (Lei n. 10.233/01).
Ainda que a saúde seja direito de todos (art. 196 da CRFB), é no acesso universal e igualitário que revela a dificuldade de como tratar igualmente pessoas que têm capacidades e perfil diferentes. O ideal seria adequar o serviço de saúde ao usuário, dando-se a possibilidade de entendimento sobre racismo, machismo, que muitas vezes tem um fator inconsciente por quem realiza o atendimento. Buscando assim, reverter as injustiças e fazer um trabalho contra cultural, de minimizar os abismos sociais, diante da falta do controle social sobre os conselhos gestores e da carência de recursos do sistema de saúde.
O fenômeno da masculinização do comando e da feminização da subalternidade é efetivo, mas isto não no plano do serviço público e sim na iniciativa privada. A participação das mulheres no âmbito do serviço público, elas conseguem, geralmente, uma posição qualitativa e não quantitativa. Estão mais presentes em cargos em que o critério é o de merecimento, ou seja, concurso público, e não nos políticos em que a escolha é indiscriminada sem análise dos méritos. Elas vão mais para o serviço público em busca de maior segurança, pois são mais dependentes do Estado para o bem ou para o mal (setor de serviços e assistência e não na produção de bens).
Somente em 1827, surge no Brasil a primeira lei com o intuito de beneficiar a educação feminina, “concedendo às mulheres o direito de frequentar escolas elementares, nas quais poderiam aprender a ler e a escrever.” O avanço da escolaridade feminina se deu nos últimos anos, com o crescimento da presença de estudantes do sexo feminino em universidades, ao ponto de suplantar os do gênero masculino, “dessa trajetória escolar desigual, relacionado a papéis de gênero e entrada precoce dos homens no mercado de trabalho, as mulheres atingem em média um nível de instrução superior ao dos homens”. Além da presença das mulheres em outras ocupações, antes apenas preenchidas por homens, são aspectos positivos. Algumas barreiras foram rompidas, mas o caminho para a efetiva igualdade ainda estamos percorrendo.
Em matéria de concursos públicos, especificamente nas Forças Armadas, as mulheres começaram a ingressar na Marinha apenas em 1980. Além disso, até 2006 “elas eram discriminadas por estarem grávidas e excluídas do processo de seleção e, provavelmente, as razões da exclusão sejam baseadas nas provas de capacidade física (corrida e natação) a que as candidatas são submetidas.” Violando disposição constitucional e jurisprudencial: Concurso público – critério de admissão – sexo. A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo – artigo 5º, inciso I, e par. 2º do artigo 39 da Carta Federal. A exceção corre à conta das hipóteses aceitáveis, tendo em vista a ordem sócio-constitucional. (RE 120.305, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09/06/95).
O aumento do ingresso de mulheres na magistratura ocorreu quando do estabelecimento de critérios que vedam a discriminação no ingresso. Nesse cenário, merecendo destaque a Lei Estadual n.º 9.351/96 que dispõe sobre o concurso de ingresso na Magistratura da Justiça Comum do Estado de São Paulo, e que vedou nas duas primeiras fases, que haja a identificação do candidato na prova. Segundo informativo da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão do governo federal, as mulheres representam mais de 40% da base do Poder Judiciário. Contudo, o acesso aos Tribunais Superiores é maior para homens, vez que se dá por critérios políticos e não por via do anonimato e merecimento. A primeira mulher a integrar a cúpula do Judiciário estadual como desembargadora foi Maria Berenice Dias, em 1973, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A divisão social do trabalho é natural, mas influenciada de forma marcante pela evolução histórica, social e cultural. Pergunta que se coloca nesse contexto, reside em saber até que ponto esses aspectos podem e devem transformar-se em questões jurídicas é algo que desafia a Ciência Jurídica, a exemplo do que vem ocorrendo na esfera penal. A doutrina identifica eixos de conflito na relação entre direito e gênero, apresentando eixos da análise distributiva do direito, que levam a:
Ao invés de seguirmos perguntando sobre as razões pelas quais uma norma não tem cumprido seus objetivos ou por que os indivíduos não adaptam seu comportamento a ela (debate sobre eficácia/ineficácia ou efetividade/inefetividade), (…) sugerem que passemos a buscar, por meio de tal método (…), “rastrear o funcionamento” de uma norma jurídica levando em consideração, também, as normas processuais, administrativas, entre outras, que também são responsáveis pelo constrangimento dos efeitos da norma, em termos de acréscimo de poder ou recursos às mulheres ou outra categoria subalternizada.
Além disso, a divisão de tarefas no interior da família continua muito desigual com sobrecarga feminina, e independentemente de estarem inseridas no mercado de trabalho, são as mulheres que ainda asseguram o essencial dos afazeres domésticos e dos cuidados de pessoas, demonstrando que a família, ainda é propulsora da desigualdade entre mulheres e homens. No Brasil, em 2016, as mulheres se dedicaram aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos cerca de 73% a mais de horas do que os homens (18,1 horas contra 10,5 horas). Tal ponto “fornece informações para o monitoramento do ODS 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), é de extrema importância para dar visibilidade ao trabalho não remunerado, realizado, principalmente, pelas mulheres.”
Nesse sentido, importante seria, por exemplo, a ratificação da Convenção 156 da OIT, que dispõe sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família. Além de outras formas de se conscientizar a família de que as responsabilidades domésticas cabem aos cônjuges comungar destas atividades trazendo equilíbrio para a vida em comum e individual, no âmbito social e profissional.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que houve um significativo avanço da legislação brasileira no sentido de superar o protecionismo atribuído à mulher, que como se percebeu ao longo deste artigo, era mais proibitivo e discriminatório, assim como obstacularizava o ingresso feminino no mercado de trabalho, aumentando os custos da contratação, e desestimulando empregadores. A separação da massa social tem como tradição a categoria gênero, tendo-se o trabalho produtivo e remunerado, destinado a homens, e o trabalho doméstico e reprodutivo às mulheres, estas por sua vez, não deixaram de cumprir com as obrigações domésticas, conforme dados do IBGE de 2018 referenciados neste artigo.
O papel do Direito no processo de construção de identidades sociais e sexuais, faz pesar para o sistema jurídico que não deve ser usado como um meio de encobrir as relações de poder no Brasil, assim como o sexismo estrutural. O que se pode perceber ao longo do presente artigo, foi que o princípio da igualdade não implica em tratamento simétrico. Devendo-se problematizar essa perspectiva do princípio da igualdade, de pensar o Direito e o seu processo de interpretação da igualdade não com o viés de subordinado, ou de membro de um grupo excluído de oportunidades sociais. Mas sim, pelo protagonismo da própria pessoa na sua construção pessoal de identificação cultural e da percepção das suas relações de poder e das implicações políticas e econômicas, uma interpretação mais individualista do princípio da igualdade.
Necessário um olhar específico para as mulheres, que por grande período e ao longo da existência do Direito brasileiro foi um não sujeito de direitos. O duplo estigma da opressão e discriminação da mulher negra, e na violência de gênero com a interseccionalidade na violência de raça. A violência doméstica e familiar é aquela que atinge os diversos níveis sociais, mas a questão da pobreza, raça e gênero vêm predominando no sistema de Justiça Penal.
Uma consciência múltipla, face a multidisciplinariedade do estudo sobre a mulher, além da sua interseccionalidade. Perpassando pelo locus social, local social no qual a mulher está inserida, assim como o contexto histórico e as relações sociais, seu status cultural e econômico. Vivemos em regime democrático, e a filosofia jurídica expressa concepção do Estado como um transformador, com um constitucionalismo transformador para a emancipação de grupos marginalizados, (artigo 3, inciso III da CRFB).
O artigo 5° da Constituição da República se irradia por toda o sistema jurídico e deve ser o fundamento para combater a identidade racial, cultural e de sexo. Assim quaisquer propostas emancipatórias devem também levar em consideração a existência das pessoas enquanto grupos, e não apenas o caráter procedimental e racionalista de aplicabilidade do direito posto, fomentando o sexismo institucional. Lembrando que a própria formação do sistema de justiça, tem sua origem em um sistema de injustiças, como visto, deixando um grande legado na cristalização da desigualdade de gênero, na sociedade.
É de extrema importância conscientizar a sociedade da necessidade de se garantir a igualdade de gênero e fomentar a participação das mulheres em todas as áreas.
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Para se aprofundar, recomendamos:
Constitucionalismo Feminista: Expressão das Políticas Públicas Voltadas à Igualdade de Gênero (2020)