Informativo: 666 do STJ – Direito Penal
Resumo: Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil.
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Há situações em que, ocorrido o fato, vislumbra-se a aplicação de mais de um dispositivo legal, gerando um conflito aparente de normas. Diz-se aparente porque, no plano da concretude, apenas uma norma será aplicada, vedando-se, obviamente, a incidência de várias normas em concurso, sob pena de retirar do Direito Penal o caráter sistemático e harmônico de que é dotado.
Dentre os princípios que solucionam o conflito aparente de normas, interessa-nos neste momento a consunção (ou absorção). Dá-se a relação de consunção quando o crime previsto por uma norma (consumida) não passa de uma fase de realização do crime previsto por outra (consuntiva) ou é uma forma normal de transição para o último (crime progressivo).
Podemos falar em princípio da consunção nas seguintes hipóteses:
1) crime progressivo: para alcançar um resultado/crime mais grave, o agente passa, necessariamente, por um crime menos grave. Ex.: no homicídio é preciso passar pela lesão corporal; a lesão é o crime de passagem. Crime progressivo não é sinônimo de progressão criminosa, na qual o crime ocorre em dois momentos (dois atos). Primeiro, o agente quer cometer um crime menos grave, e o comete. Depois, delibera o crime maior, e também o comete. Houve uma progressão criminosa.
2) “antefactum” impunível: é o fato anterior que está na linha de desdobramento da ofensa mais grave. É o caso da violação de domicílio para praticar o furto. O delito antecedente (antefato impunível) não é passagem necessária para o crime-fim (distinguindo-se do crime progressivo). É um meio de executá-lo. Outros furtos ocorrem sem haver violação de domicílio. Também não há substituição do dolo (diferentemente da progressão criminosa).
3) “postfactum” impunível: pode ser considerado um exaurimento do crime principal praticado pelo agente, que, portanto, por ele não pode ser punido. É o caso, por exemplo, do falsificador que utiliza o documento espúrio.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tipifica diversas condutas relativas à pornografia infantil. Devido às inúmeras situações que podem caracterizar os crimes, não são raras as controvérsias envolvendo imputações de crimes em concurso. Um exemplo pode ser formulado a partir dos artigos 241-A e 241-B do ECA, que punem o seguinte:
“Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: […]”.
“Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: […]”.
Qual a imputação adequada a um indivíduo que adquire, armazena e compartilha imagens pornográficas com crianças e adolescentes? Há concurso material de delitos ou é possível aplicar o princípio da consunção para que condutas posteriores à aquisição sejam absorvidas como post factum impunível?
No julgamento do REsp 1.579.578/PR (j. 04/02/2020), o STJ decidiu que não é possível concluir pela consunção automática. Só se pode afirmar que um crime é apenas uma fase para o cometimento de outro se, no caso concreto, houver estreita ligação entre as condutas:
“Caracteriza o crime do art. 241-A do ECA oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (pena de 3 a 6 de reclusão e multa).
Já o art. 241-B do mesmo estatuto estabelece que “adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” atrai a sanção de 1 a 4 anos de reclusão e multa.
Via de regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil. Deveras, o cometimento de um dos crimes não perpassa, necessariamente, pela prática do outro, mas é possível a absorção, a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.
O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos. Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Leis Penais Especiais – Comentadas artigo por artigo
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