1. INTRODUÇÃO.
Os 30 anos da promulgação da Constituição de 1988 merecem uma grande comemoração, por constituírem o maior período de estabilidade democracia e respeito ao Estado de Direito de nossa história republicana, com o constante avanço na efetivação dos direitos fundamentais e a ampliação segura do livre exercício da cidadania, permitindo o desenvolvimento da cultura do pluralismo de ideias e liberdade de expressão como valores estruturantes do sistema democrático.
Em recente e importantíssimo julgamento (ADI 4451/DF), o Supremo Tribunal Federal discutiu a sensível questão da liberdade de expressão nos meios de comunicação social, especificamente no contexto do processo eleitoral, analisando a validade de dispositivos da Lei das Eleições que vedavam que emissoras de rádio e televisão, durante o período eleitoral, veiculem em sua programação normal: (a) “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo” que tenha por objeto a pessoa de candidatos, partidos e coligações (art. 45, inciso II); e, de forma mais ampla, veda (b) a difusão de “opinião favorável ou contrária” a candidatos, partidos e coligações.
O escopo das restrições estabelecidas pela legislação impugnada, segundo o Congresso Nacional, seria o de garantir a lisura e igualdade dos pleitos eleitorais, protegendo-os da influência abusiva do poder econômico. A legislação impugnada, segundo o legislador, teria pretendido (art. 45, II, da Lei das Eleições) proteger a honra e dignidade dos agentes políticos em disputa eleitoral, proibindo a trucagem de mídia relacionada à pessoa de candidatos, partidos e coligações – o que alcança o uso do humor e sátira sobre a figura pública dessas pessoas –, bem como expressou cláusula ampla proibitiva da difusão, na programação de emissoras, de opiniões sobre o pleito eleitoral.
Por outro lado, a tese de inconstitucionalidade proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, ABERT, invocava a violação ao art. 5º, incisos IV, V, VI, IX, XIV, XXXIII e LVIII, ao art. 206, II, e ao art. 220 e §§ 1º e 2º, todos da Constituição Federal, na linha de que a restrição estabelecida na legislação impugnada importaria em medida irrazoável e desproporcional à liberdade de manifestação do pensamento, ao direito ao amplo acesso à informação, à plena liberdade de exercício da atividade jornalística, caracterizando “controle prévio e apriorístico” sobre o debate público durante o processo eleitoral.
Ao tratar da comunicação social, optou o constituinte por atribuí-la a agentes econômicos privados, que exercem essa atividade de visível interesse social sob um regime jurídico especial, preconizando a observância de determinados princípios na produção e difusão de conteúdo informativo pelas emissoras de rádio e televisão (art. 221), vedando a formação de monopólios e oligopólios (art. 220, § 5º) e limitando certos aspectos dessa atividade a brasileiros natos e a empresas com determinado perfil societário (art. 222).
Está presente no texto constitucional, portanto, a preocupação com os riscos decorrentes da captura da comunicação social por interesses organizados, em prejuízo do pleno funcionamento da Democracia.
Assim, a Constituição prevê o exercício dessa imprescindível garantia constitucional com responsabilidade, pois como todos os Direitos Fundamentais, também a liberdade de expressão não é absoluta, sofrendo restrições perante a análise de compatibilidade e razoabilidade com o conjunto das demais previsões constitucionais, entre elas, a proibição ao discurso de ódio, ao racismo e qualquer forma de preconceito, a proteção à criança e adolescente, além da possibilidade de indenização por danos morais e à imagem, consagrando ao ofendido a total reparabilidade em virtude de prejuízos sofridos.
No mesmo sentido, a consagração constitucional do direito de resposta proporcional ao agravo é instrumento democrático moderno previsto em vários ordenamentos jurídico-constitucionais, e visa proteger a pessoa de imputações ofensivas e prejudiciais a sua dignidade humana e sua honra, inclusive o candidato durante o período eleitoral. A Constituição Federal estabelece como requisito para o exercício do direito de resposta ou réplica a proporcionalidade, ou seja, o desagravo deverá ter o mesmo destaque, a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita) que a notícia que gerou a relação conflituosa. A responsabilidade pela divulgação do direito de resposta é da direção do órgão de comunicação, e não daquele que proferiu as ofensas. O conteúdo do exercício do direito de resposta não poderá acobertar atividades ilícitas, ou seja, ser utilizado para que o ofendido passe a ser o ofensor, proferindo, em vez de seu desagravo, manifestação caluniosa, difamante, injuriosa.
A abrangência desse direito fundamental é ampla, aplicando-se em relação a todas as ofensas, configurem ou não infrações penais. Nesse sentido, lembremo-nos da lição de Rafael Bielsa, para quem existem fatos que, mesmo sem configurarem crimes, acabam por afetar a reputação alheia, a honra ou o bom nome da pessoa, além de também vulnerarem a verdade, cuja divulgação é de interesse geral. O cometimento desses fatos pela imprensa deve possibilitar ao prejudicado instrumentos que permitam o restabelecimento da verdade, de sua reputação e de sua honra, pelo exercício do chamado direito de réplica ou de resposta.
No entanto, essas limitações são de direito estrito e excepcional, prevalecendo, no contexto da comunicação social, acentuada marca de liberdade na organização, produção e difusão de conteúdo informativo, o que é expresso de forma inequívoca no caput do art. 220, ao delimitar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Na mesma linha, o § 1º do art. 220 refere-se expressamente ao conteúdo do art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, da CF, afastando qualquer margem para restrição da garantia fundamental da liberdade de expressão no cenário da comunicação social, pelo que se conclui que o direito à informação, conferido ao cidadão individualmente, implica o reconhecimento de correspondente liberdade aos agentes envolvidos na atividade de comunicação social – emissoras de rádio e televisão, como a quaisquer veículos de imprensa – de não se submeterem a “qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, § 2º, da CF).
2. PLURALISMO DE IDEIAS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA DEMOCRÁTICO.
Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.
A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente “o cidadão pode se manifestar como bem entender”, e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.
A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta.
No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter perante o público.
No julgamento da ADI 4.815, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, o Plenário do Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme aos artigos. 20 e 21 do Código Civil para afastar a possibilidade de “censura prévia particular”, consistente na exigência de prévia autorização para divulgação ou publicação de obras biográficas por parte da pessoa biografada, tendo sido ressaltado:
“3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações”.
Nos dispositivos que foram impugnados pela ABERT na ADI 4451, está presente o traço marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato. A lei pretendeu interditar o conteúdo que se pretende futuramente expressar, atribuindo-lhe supostas repercussões adversas que justificariam a restrição.
A previsão dos dispositivos impugnados é inconstitucional, pois consiste na restrição, subordinação e forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de criticar.
No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte-Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante”.
Embora não se ignorem certos riscos que a comunicação de massa impõe ao processo eleitoral – como o fenômeno das fake news –, revela-se constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade.
A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos.
O Supremo Tribunal Federal confere especial relevo aos preceitos constitucionais invocados na presente ação, como no julgamento da ADPF 130 (Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe de 6/11/2009), no qual foi firmado que “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada”.
Os legisladores não têm, na advertência feita por Dworkin, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos”.
Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o Justice Holmes ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais.
No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919), Justice Oliver Holmes defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo Justice Brandeis, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”.
Ronald Dworkin, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que:
“a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos”.
No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático.
Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72).
O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959). Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional, sob pena de posterior responsabilização.
A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, que a liberdade deexpressão:
“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exigem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática».” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)
A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.
Lembremo-nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção da multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia.
Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por Jonatas E. Machado, ao afirmar que:
“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo em que constitui um for te incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas… O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário”.
No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, – como pretendido nos dispositivos impugnados – no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.
O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística, a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de Hegel, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.
A liberdade de expressão permite que os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem coimo autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.
Note-se que, em relação à liberdade de expressão exercida por meio de sátiras – mesmo analisando em hipótese menos grave que a tratada na presente ação, pois não houve censura prévia, mas sim pedido de responsabilização posterior –, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que:
“sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)
A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.
São inconstitucionais, portanto, quaisquer leis ou atos normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de mecanismos de censura prévia (Smith vs. California, 361 U.S. 147, 1949; Speiser vs. Randall, 357 U.S. 513, 1958), como na presente hipótese, em que os dispositivos legais impugnados interferem prévia e diretamente na liberdade artística – ao pretender definir o formato e conteúdo da programação e restringir a própria criatividade, elemento componente da liberdade de expressão, estabelecendo a vedação, durante o período eleitoral, de “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo” que tenha por objeto a pessoa de candidatos, partidos ou coligações – e na liberdade jornalística e de opinião – ao pretender impedir a difusão de “opinião favorável ou contrária” a candidatos, partidos e coligações.
Em face desses argumentos, por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 45, incisos II e III (na parte impugnada), da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo, em face da impossibilidade de realização de qualquer tipo de censura prévia sobre o conteúdo difundido por emissoras de rádio e televisão durante o período eleitoral.
3. CONCLUSÃO
A história demonstra que a liberdade de expressão tem lugar central na constitucionalização dos Direitos Fundamentais e, juntamente com a universalização da educação e o direito de sufrágio, como afirmado por Thomas Jefferson, é um dos pilares do governo republicano, pois pretender suprimi-la é tentar alcançar a proibição ao próprio pensamento, e, consequentemente, tentar obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal.
A Constituição Federal consagra ampla proteção às manifestações de opiniões dos meios de comunicação e a liberdade de criação humorística, pois a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático; impedindo toda e qualquer ingerência estatal prévia no direito de criticar, satirizar e opinar durante o processo eleitoral.
A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva; sendo, portanto, constitucionalmente impossível a restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral; e, consequentemente, inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático.
O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes.
4. BIBLIOGRAFIA.
BIELSA, Rafael. Compendio de derecho público. Buenos Aires: Depalma, 1952. DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-america-Martins Fontes: 2006.
KALVEN JR, Harry. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14.
MACHADO. Jonatas E. M. Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002.
WILLIAMS, George. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15.
Para aprofundar-se, recomendamos: A Constituição da República segundo Ministros, Juízes Auxiliares e Assessores do Supremo Tribunal Federal (2019)