É sabidamente delicado o equilíbrio entre o direito de informar e a imagem das pessoas atingidas pela divulgação das informações. Se o exercício diário da liberdade de imprensa garante uma sociedade livre, não é menos certo que não se pode, sob esse pretexto, destruir vidas e tisnar honras. Mark Twain, o notável escritor americano, certa vez ironizou: “Primeiro apure os fatos. Depois pode distorcê-los à vontade”. A Constituição Federal declara serem invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X). O mesmo artigo, no inciso V, confere à vítima o direito a indenização pelo dano material, moral ou à imagem.
Por outro lado, a Constituição Federal, art. 5º, IX, proclama ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Mais adiante, no inciso XIV, assegura “a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. O STJ já ressaltou a necessidade de se “ponderar as duas pontas da liberdade, aquela da preservação da dignidade da pessoa humana e aquela da livre circulação da informação pela mídia” (STJ, REsp. 403.639).
A época em que vivemos já foi chamada de a “era da informação”, dado o impacto que a difusão do conhecimento atinge em nossos dias. Além disso, como percebe Castanho de Carvalho, “a informação jornalística é destinada a todas as pessoas que se disponham a recebê-la, sem que se possa individualizar e dividir qual informação será difundida para este indivíduo e qual para aquele. Todos são igualmente titulares desse direito de receber informação e é inegável que todos os titulares estão ligados pela circunstância de fato de serem leitores do mesmo jornal, ouvintes do mesmo rádio ou espectadores da mesma emissora de televisão” .
A Constituição da República valoriza a liberdade de imprensa. É atividade valiosa na construção do pluralismo e do debate de ideias, essenciais à democracia. O Brasil muito deve à imprensa. Certamente não teríamos avançado no combate à corrupção, na depuração de certas práticas políticas nefastas, na fiscalização dos atos de interesse público sem sua decisiva vigilância.
A liberdade de circulação de ideias e notícias alimenta o espírito democrático, fortalece instituições, sofistica (no bom sentido) o debate, aprimora o espírito crítico. Luís Roberto Barroso teve ocasião de perceber que a “sociedade moderna gravita em torno da notícia, da informação, do conhecimento e de ideias. Sua livre circulação, portanto, é da essência do sistema democrático e do modelo de sociedade aberta e pluralista que se pretende preservar e ampliar. Caberá ao interessado na não divulgação demonstrar que, em determinada hipótese, existe um interesse privado excepcional que sobrepuja o interesse público residente na própria liberdade de expressão e de informação”.
A sociedade brasileira muito deve à imprensa, cuja vigilância constante já propiciou mais de um episódio de avanço institucional. Naturalmente essa constatação não emite um cheque em branco para ofensas. Porém, ofensas à parte, a liberdade de informação e de expressão do pensamento deve ser protegida. Assim, a crítica, ainda que jocosa e feroz, é permitida. A charge, ainda que implacável e zombeteira, é possível. Obviamente que em cada caso, dependendo da personalidade atingida, sua maior ou menor exposição pública, os pesos das ponderações serão, e deverão mesmo ser, diferenciados. Não há, portanto, respostas definitivas e prévias. Cabe apenas dizer que a balança, onde tais circunstâncias serão pesadas, deve pender, em princípio, em favor da liberdade de informação.
O jornalismo investigativo ocupa a vanguarda de muitas investigações relevantes, descobrindo crimes, às vezes, antes da polícia ou do Ministério Público. Contudo, a velocidade com que a imprensa apura e divulga gera, em certas situações, danos irreversíveis a imagem das pessoas vinculadas à notícia. Gustavo Tepedino, analisando a explosiva mistura entre a mídia e certas autoridades com apetite de exposição, argumenta: “Não pode ela, levianamente, divulgar suspeitas sobre pessoas, sem um mínimo controle judicial. Muitos inocentes, mercê da irresistível vocação de certas autoridades para o ‘show biz’, tornam-se irremediavelmente condenados, perante o público, diante de mera suspeita delituosa. O direito à informação não pode sobrepujar a discrição a respeito de inquéritos que, se divulgados, causam danos irreparáveis ao acusado. Provada sua inocência, ninguém mais se interessa pela notícia, e sua reputação fica definitivamente abalada” .
É certo que a imprensa, na sua tarefa de fiscalizar atos de interesse público, apura e julga com velocidade nem sempre compatível com a verdade. A jurisprudência já proclamou que “não se deve exaltar a liberdade de informação a ponto de se consentir que o direito à própria imagem seja postergado, pois a sua exposição deve condicionar-se à existência de evidente interesse jornalístico que, por sua vez, tem como referencial o interesse público, a ser satisfeito, de receber informações (…)” (STJ, REsp. 58.101). Por outro lado, não se pode desconhecer a realidade sociológica: numa sociedade desigual como a nossa, marcada por forte herança patrimonialista, a imprensa desempenha um papel vital, denunciando crimes e cobrando a punição pelos meios institucionais. Ninguém desconhece que o aparato judicial funciona severamente contra pessoas humildes, cujos crimes, muitas vezes, apresentam escasso potencial lesivo.
Já em relação a outros criminosos, confortavelmente situados em plano financeiro ou político, há uma tendência de não efetividade das punições – lamentável sob todos os aspectos. Basta acompanhar a história brasileira das últimas décadas para se chegar a inevitável conclusão: sem a vigilância da imprensa inúmeros crimes não viriam à tona. A divulgação de tais práticas nefastas – inimigas do interesse público primário – assume, portanto, altíssima relevância social, desde que as publicações se mostrem responsáveis e sejam feitas com rigorosa checagem dos dados. É preciso, também, que seja oferecido ao envolvido o direito de apresentar sua versão sobre a denúncia.
De todo modo, os critérios de solução serão sempre circunstanciais. Não se pode exigir da imprensa que aguarde o trânsito em julgado dos processos criminais, mesmo porque, incrivelmente lentos, esvaziaria qualquer interesse jornalístico pelo fato. De outro lado, a condenação sumária, ainda que sirva como instrumento de pressão contra criminosos poderosos, pode eventualmente redundar em trágicas injustiças, impondo-se o difícil equilíbrio, a ser buscando prioritariamente pela própria imprensa, através do ombudsman e outras instâncias de auto-crítica.
É fundamental reconhecer que o jornalismo investigativo, ainda que com eventuais abusos, tem desempenhado função da mais alta relevância em nosso país. Autoridades que se julgavam intocáveis, aos poucos, em bela página de transformação social, vêem seus negros ilícitos sendo exibidos o que exige que as instituições públicas funcionem também para puni-las – o que dificilmente ocorreria sem a vigilância constante da imprensa.
Luís Roberto Barroso avalia: “Crimes são fatos noticiáveis por natureza, não podendo ser tratados como questões estritamente privadas. E, por fim, há evidente ‘interesse público’ na sua divulgação, inclusive como fator inibidor de transgressões futuras”. Antonio Scalisi, examinando a jurisprudência italiana, conclui que a informação jornalística é legítima se preencher três requisitos: o interesse social da notícia, a verdade do fato narrado e a continência da narração. Diz ser continente a narrativa quando a exposição do fato e sua valorização não integram os extremos de uma agressão moral, mas é expressão de uma harmônica fusão do dado objetivo de percepção e do pensamento de quem recebe, além de um justo temperamento do momento histórico e do momento crítico da notícia.
Há outros critérios que poderiam ser propostos. Mencionaríamos alguns deles: a) necessidade da ponderação de bens; b) veracidade da informação jornalística; c) licitude do meio empregado na obtenção da informação; d) personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia; e) local e natureza do fato; f) existência de interesse público na divulgação; g) preferência por medidas que não envolvam a proibição prévia da divulgação. Voltaremos ao tema, de modo analítico, nas próximas semanas, tentando aprofundar o debate. Não deixa de ser divertida, a propósito do tema – e em certo sentido verdadeira – a blague de Stephen Leacock. Diz ele que “para evitar processos, jornalistas aprendem a chamar um assassino de suposto assassino”.