O Tribunal é tido como o local físico onde ficam assentados os juízes para as sessões, bem como onde se dão as audiências judiciais e os julgamentos. Quando do avanço da informatização, as atividades se tornaram mais dinâmicas, com a transformação do analógico para o digital, inclusive, com as sentenças e os acórdãos sendo assinados via certificado digital em processos eletrônicos, atendendo aos diversos sistemas eletrônicos criados (E-Proc, E-Saj, PJe, Creta, ProJudi, Tucujuris, e-STJ, e-STF, entre outros).
A Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, possibilitou a inserção do processo eletrônico em todas as esferas do Poder Judiciário, aplicando-se “indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição” (BRASIL, 2006). Inclusive, o processo e suas comunicações de atos e peças processuais passaram a tramitar em rede (internet).
Nessa senda, dispõe o Código de Processo Civil (CPC) (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015) a respeito da prática de atos processuais eletrônicos também por videoconferência (art. 236, §3º), além de sustentações orais (art. 937, §4º) e depoimentos remotos (art. 385, §3º) e inserção de documentos em áudio e vídeo (art. 441). Coube, por fim, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) velar pela compatibilidade dos sistemas judiciários e disciplinar a incorporação progressiva das novas tecnologias (art. 196), posicionando os 91 Tribunais existentes como verdadeiros steakholders.
Considerando a sociedade digital vigente, têm-se novas abordagens de consumo e demais serviços, como, por exemplo, música, transporte e bancos – disponíveis em plataformas totalmente digitais. Portanto, há uma necessidade primária de adaptação e, posteriormente, de transformação, além da mera automação, tornando, em larga medida, o Tribunal físico em um espaço online, segundo Richard Susskind na obra intitulada Courts Online and the Future of Justice (2019). Aquele autor sustenta que o futuro da Justiça, por meio dos Tribunais, será aplicado em duas dimensões, a saber: 1) O julgamento online (online judging); e, 2) O tribunal estendido (extended court), com a tese de que o Tribunal é um serviço e não um lugar, adaptando-se, assim, às resoluções das disputas do século XXI.
É preciso atentar-se ao fato de que as novas tecnologias apresentam riscos e desafios quando internalizados os serviços judiciários. Contudo, no tempo vigente, sua aplicação foi catalisada pela pandemia do novo corona vírus e os efeitos da COVID-19. Logo, desde o início do isolamento social, se deram ajustes nos procedimentos para que a prestação jurisdicional não parasse e fosse efetiva, por meio da edição da Resolução n. 670, de 23 de março de 2020, do Supremo Tribunal Federal (STF) e da publicação da Portaria Conjunta n. 33, de 20 de março de 2020, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) – no âmbito distrital –, contribuindo para a celeridade e eficiência processuais.
Com o fito de minimizar os efeitos na sociedade, deu-se a iniciativa legislativa para facilitar o trâmite processual aos cidadãos que acessam a Justiça, com fundamento na Lei n. 13.994, de 24 de abril de 2020, que altera a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a fim de possibilitar a conciliação não presencial nos Juizados Especiais Cíveis (JECs). Conquanto, tal legislação tratando das sessões de conciliação, resta evidente que a possibilidade tecnológica também esteja disponível nas oitivas de testemunhas, bem como na realização das audiências de instrução e julgamento, desde que não implique em prejuízo a nenhuma das partes, tendo em vista que as sessões não-presenciais (por videoconferência) exigem acesso à internet, webcam, computador ou algum dispositivo móvel (aparelho celular ou tablet), entre outros recursos tecnológicos.
De fato, a evolução dos modelos supracitados, além das plataformas de disputa online (ODR), perícias online, mediação e conciliação online, uso da inteligência artificial aplicada aos processos, o plenário e as sessões virtuais devem estar ao lado dos profissionais do Direito, de modo colaborativo e utilitário ao jurisdicionado, sem a desumanização do sistema jurídico, garantindo a deliberação entre os membros do colegiado e na tribuna, bem como a valorização da sustentação oral do advogado, da manifestação do fiscal da lei e do amicus curie, evitando-se a monocratização da decisão.
Por fim, mediante a distopia apresentada entre a tendência de um tribunal online e a necessidade de se resguardar o ser humano, fica o questionamento de Susskind (2019), a saber: ante os desafios da construção de um Tribunal online, deve-se manter a tradição/humanidade das audiências físicas, mesmo que os tribunais online possam aumentar (e muito), de modo confiável, o acesso à Justiça? A tendência é que a resposta seja positiva, pois, o ambiente online é confiável e a Justiça pode ser garantida.
Referências bibliográficas
BRASIL. CNJ em Números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ, 2019.
_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 mai. 2020.
_____. Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 15 mai. 2020.
_____. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 mai. 2029.
_____. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2019. Brasília: CNJ, 2019.
_____. Poder Judiciário. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Gabinete da Corregedoria. Portaria Conjunta 33, de 20 de março de 2020. Adota medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação com o coronavírus, causador da COVID-19, no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 2017. Disponível em: < https://www.tjdft.jus.br/publicacoes/publicacoes-oficiais/portarias-conjuntas-gpr-e-cg/2020/portaria-conjunta-33-de-20-03-2020 >. Acesso em: 15 mai. 2020.
_____. Supremo Tribunal Federal. Resolução n. 670, de 23 de março de 2020. Estabelece novas medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo Novo Coronavírus (COVID-19) no Supremo Tribunal Federal (STF). Brasília, 2020. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Resolucao670.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2020.
_____. Poder Judiciário. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Processo Judicial Eletrônico – PJe. Brasília, 2020. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/informacoes/perguntas-mais-frequentes/processo-judicial-eletronico-pje>. Acesso em: 15 mai 2020.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 20. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018. v. 1.
FENOLL, Jordi Nieva. Inteligencia artificial y Proceso Judicial. S. l.: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales S.A., 2018. (Proceso y Derecho)
MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; COELHO, Alexandre Zavaglia P. (Coords.). Direito, inovação e tecnologia. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1.
RABELO, Tiago Carneiro. Manual do Processo Eletrônico. Porto Alegre: Ed. Verbo Jurídico, 2019.
SUSSKIND, Richard. Online Courts and the future of justice. United Kingdom. Oxford University Press, 2019.
WIKIPÉDIA. Steakholders. 2020. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Stakeholder>. Acesso em: 15 mai. 2020. Tradução: Stakeholder (em português, parte interessada ou interveniente): referente às partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa.
O autor escreveu Manual do Processo Judicial Eletrônico