– Professora, já pelo título pude perceber que essa informação é realmente muito importante, principalmente para fins de prova de concurso público!
– É MUITO IMPORTANTE! Mas antes de lhe explicar os motivos do cancelamento da Súmula 584, do Supremo Tribunal Federal, vamos relembrá-la, ok?
– Eu me lembro que a Súmula 584, do STF era sobre imposto de renda…
– Exatamente! Nós a estudamos no ponto sobre princípio da irretroatividade, em “Diálogos sobre o Direito Tributário”, portanto, atualize o livro com essa informação sobre o cancelamento da súmula, mais precisamente na página 208 do livro.
Primeiramente, vamos à sua redação:
“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”
No livro eu havia explicado que, embora a Súmula 584, do STF, fosse objeto de várias críticas por parte da doutrina de Direito Tributário, bem como de vários Ministros da própria Corte, ela ainda era aplicada.
– Sim, eu me recordo. Inclusive, também me recordo que em um determinado julgado, da relatoria do Ministro Edson Fachin, a Súmula foi afastada[1].
– Inclusive, o referido julgado que você mencionou resultou na tese definida pelo Supremo Tribunal Federal de que
“É inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base, tendo em vista que o fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie.”
No caso específico do RE 592.396, o Supremo Tribunal Federal afastou a aplicação da Súmula 584 por compreender que o fato gerador do imposto de renda, quando esse fosse utilizado com finalidade extrafiscal de incentivo às atividades do comércio internacional, “ se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação incentivada pela redução da alíquota do imposto de renda”.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha afastado a aplicabilidade de sua Súmula 584 especificamente no caso da extrafiscalidade do imposto de renda quanto às exportações, o Superior Tribunal de Justiça[2] compreendia pela sua inaplicabilidade, uma vez que a incidência do imposto de renda deverá decorrer a partir da concreta disponibilidade ou aquisição da renda.
Conforme o Superior Tribunal de Justiça compreende, deve-se levar em consideração que o fato gerador do imposto de renda pressupõe a disponibilidade econômica ou jurídica do rendimento (art. 116, do CTN), algo que a Súmula 584, do STF desconsiderava, até porque sua redação é anterior à edição do Código Tributário Nacional (CTN). Ademais, para o Superior Tribunal de Justiça, admitir a aplicação de uma nova lei vigente após a prática do fato gerador seria malferir os princípios da irretroatividade e da anterioridade. Neste sentindo também caminhou o Supremo Tribunal Federal. No dia 19 de Junho de 2020, o plenário do STF declarou inconstitucional a aplicação de adicional instituído pelo Decreto-Lei 2.462, de Agosto 1988, aos fatos ocorridos naquele ano-base[3].
– Cujo o argumento foi o mesmo do Superior Tribunal de Justiça?
– Exatamente! De que admitir tal adicional seria compartilhar da violação aos princípios da anterioridade e da irretroatividade. Por conta disso, o relator do recurso extraordinário (RE) 159.180, Ministro Marco Aurélio, propôs o cancelamento da Súmula 584, do STF. Segundo o Ministro relator
“o cerne do entendimento reside justamente no primado da não surpresa, calcado na confiança do contribuinte em relação aos critérios que serão adotados para apuração do débito tributário”.
– Mesmo com o cancelamento da Súmula 584, do STF, pode-se afirmar que o imposto de renda continua a ser considerado como complexivo?
– Você se recorda que em “Diálogos sobre o Direito Tributário” eu lhe expliquei a diferença entre fato gerador instantâneo e fato gerador periódico e que os fatos geradores periódicos ainda podem ser divididos entre simples ou complexivos. Lembra?
– Sim, eu me lembro!
– Pois bem, o imposto de renda, como você mencionou, é considerado como complexivo, embora o Professor Paulo de Barros Carvalho[4] compreenda que relevante juridicamente, quanto ao imposto de renda, somente seria o momento em que o seu período de apuração finalizasse, pouco importando os fatos surgidos durante a sua formação. Portanto, para o nobre doutrinador, considera-se ocorrido o fato gerador do imposto de renda no primeiro minuto do dia 1º de janeiro de cada exercício financeiro, não sendo viável considerar seu fato gerador como complexivo, posição diversa do Supremo Tribunal Federal que possui o entendimento consolidado no sentido de que o referido imposto se materializa no último dia do ano-base, ou seja, em 31 de dezembro. Já a sua declaração, isto é, a apuração da aquisição de renda ou proventos durante todo o ano-base, será realizada, apenas, no ano subsequente, no mês de Abril, sendo que, excepcionalmente, neste ano de 2020, por conta da pandemia da COVID 19, a Receita Federal do Brasil postergou a data final para o último dia do mês de junho.
– Então, para o Supremo Tribunal Federal o fato gerador do imposto de renda é sim complexivo, dado que mensalmente a pessoa física pode auferir rendimentos ou proventos!
– Sim! Embora eu também compartilhe da posição do Professor Paulo de Barros Carvalho, ainda a posição da jurisprudência de que o fato gerador do imposto de renda é complexivo deve ser levada em consideração nas provas de concurso público.
O que precisamos ter em mente com o cancelamento da Súmula 584, do STF é que não pode a lei publicada no ano em que deva ser apresentada a declaração retroagir para contemplar os rendimentos e proventos auferidos até a data de 31 de dezembro do ano anterior, ou seja, deve-se levar em consideração a lei vigente no ano-base, uma vez que o contribuinte não poderá ser surpreendido diante de mudanças referentes às alíquotas, principalmente, do imposto de renda, no ano do exercício da entrega da declaração.
[1] “1. No RE 183.130, de relatoria para o acórdão do Ministro Teori Zavascki, o Plenário desta Corte assentou que a utilização do Imposto de Renda com conotação extrafiscal afasta a incidência da Súmula 584 do STF. 2. O fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação incentivada pela redução da alíquota do imposto de renda, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie. 3. É inconstitucional a aplicação retroativa do art. 1º, I, da Lei 7.988/1989, que majorou a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base. Precedente: RE 183.130, de relatoria para o acórdão do Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 14.11.2014. 4. Recurso extraordinário a que se dá provimento, reafirmando a jurisprudência desta Corte, em sede de repercussão geral, para reformar o acórdão recorrido e declarar a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do art. 1º, I, da Lei 7.988/1989, uma vez que a majoração de alíquota de 6% para 18% a qual se reflete na base de cálculo do Imposto de Renda pessoa jurídica incidente sobre o lucro das operações incentivadas no ano-base de 1989 ofende os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.
[RE 592.396, rel. min. Edson Fachin, P, j. 3-12-2015, DJE 54 de 28-3-2016,Tema 168.]”
[2] STJ, REsp 179966/RS
[3] Trata-se de um entendimento do Supremo Tribunal Federal proferido no julgamento do RE 159.180.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário – 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.p. 137-142