Viver no século XXI tem suas vantagens. Tecnologias, informação, velocidade. Tem, por outro lado, como tudo, desvantagens. Ninguém suporta o trânsito caótico, a violência atinge níveis absurdos, o simples fato de encontrar uma vaga para estacionar, muitas vezes, torna-se autêntico suplício.
Para atender a essa necessidade de muitos de nós – especialmente nos grandes centros urbanos – são cada vez mais comuns as empresas que exploram estacionamentos. Tais empresas suprem uma necessidade premente da vida contemporânea, que é a guarda temporária de veículos em locais presumivelmente seguros. Respondem, no entanto, as referidas empresas, pelos danos causados, por seus empregados ou por terceiros, aos veículos estacionados. A antiga Súmula 130, STJ, resumiu a orientação do Tribunal: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
Se, digamos, alguém, ao retornar ao estacionamento onde deixou seu carro, tem a desagradável surpresa de não encontrá-lo, ou encontrá-lo danificado (vidros quebrados, lataria amassada, pneus furados, etc), terá direito à reparação dos danos, sem que seja necessária, para tanto, a prova da culpa da empresa. A responsabilidade do estacionamento é objetiva. Aplica-se à hipótese o Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 14 responsabiliza, sem culpa, os prestadores de serviço.
O ticket ou bilhete de estacionamento é prova bastante da relação de guarda do veículo, no dia e hora lá referidos, não sendo necessárias, em princípio, outras provas. O juiz, atendidos os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, poderá inverter o ônus da prova, imputando ao fornecedor de serviços o ônus de provar que o consumidor não estacionou o veículo no estabelecimento no dia em que aconteceu o dano.
O estacionamento não responderá se comprovar alguma das excludentes de responsabilidade civil, como o caso fortuito e a força maior, além do fato da exclusivo da vítima. Se, digamos, houve fortíssima chuva, com queda de granizos, e o estacionamento era descoberto, não poderá o consumidor pretender ser reparado, eis que a constatação do fortuito se impõe (STJ, Resp. 330.523).
É princípio geral da responsabilidade civil que o fato da vítima, rompendo o nexo causal, exclui a reparação. Se – imaginemos – o carro estacionado se incendeia, a empresa de estacionamento não responderá, se a causa do fogo for atribuível ao proprietário do veículo. Esta prova, porém, compete ao estacionamento, sendo de se presumir, em princípio, sua responsabilidade. É preciso, no entanto, interpretar com rigor tais hipóteses, que são raras e excepcionais, pois o prestador de serviços assume o risco do negócio, respondendo objetivamente (sem culpa) pelos danos verificados (Código Civil, art. 927, parágrafo único).
É equivocado, como pretendem alguns, isentar o estacionamento de responsabilidade em caso de furto ou mesmo roubo de veículo. Responderá, portanto, a empresa de estacionamento, pelo roubo ou furto acontecido em veículo sob sua guarda. Nesse sentido vêm decidindo os tribunais:“Indenização. Roubo de veículo em estacionamento. Responsabilidade. A ocorrência de roubo não constitui causa excludente da responsabilidade da empresa exploradora do estacionamento, pois a obrigação de prestar segurança se acha ínsita ao ramo de atividade por ela exercida. Precedentes da Quarta Turma”. (STJ, REsp. 230.180). A questão, contudo, é polêmica, havendo julgados em sentidos diversos.
Um dos argumentos da jurisprudência, a propósito, é que o risco é inerente à atividade, integrando o contrato de depósito. Deve por isso se cercar das cautelas próprias: “A empresa que explora o serviço de estacionamento de veículos é responsável pela eficiente guarda e conservação dos mesmos, devendo, por isso, empreender todos os esforços necessários a tanto, dotando o local de sistema de vigilância adequado ao mister que se propõe realizar, desservindo, como excludente, a título de força maior, haver sofrido roubo, fato absolutamente previsível em atividade dessa natureza, mormente dado o elevado valor dos bens que lhe são confiados, altamente visados por marginais, por servirem, inclusive, como instrumento à prática de outros crimes” (STJ, REsp. 303.776). Portanto, ainda que inevitável, pelo roubo à mão armada responde o estacionamento, não sendo lícito imputar-se o dano ao consumidor. A prática empresarial recomenda, em casos tais, a contratação de seguro, como forma de preservar a saúde financeira da empresa frente a semelhantes danos, geralmente vultosos.
São nulas as cláusulas que busquem afastar ou mesmo atenuar a responsabilidade do dono do estacionamento (CDC, art. 25: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”). Pouco importa que a cláusula seja expressa em contratos impressos, avisos, cartazes, ticket’s. Em qualquer dos casos não valerá. Se, digamos, um cliente deixa, dentro do carro estacionado, um computador portátil, que desaparece em virtude do arrombamento do veículo, de nada valerão as disposições excludentes da responsabilidade do estacionamento.
Tudo isso, enfim, são respostas jurídicas, mais ou menos eficientes, a questões que envolvem violência urbana. A verdade é que a violência, física ou moral, deixa marcas, revolta, faz sofrer. É muito difícil não odiar quem nos prejudicou. Talvez o desafio esteja justamente aí. Aristóteles, há muitos séculos, aconselhou: “Não pensem mal dos que procedem mal. Pensem apenas que estão enganados”.