10) A prática de falta grave no curso da execução penal constitui fundamento idôneo para negar a progressão de regime, ante a ausência de preenchimento do requisito subjetivo.
Como já destacamos nos comentários à tese nº 9, a progressão de regime é condicionada ao cumprimento de porcentagens da pena (art. 112, incisos I a VIII, da Lei de Execução Penal) e à boa conduta carcerária, como dispõe o art. 112, § 1º. A prática de faltas graves, portanto, pode impedir que o condenado progrida de regime. E, segundo o STJ, a análise do comportamento do condenado não está sujeita a lapsos temporais, ou seja, pode abarcar todo o período da execução penal até o momento em que pleiteado o benefício:
“1. Esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justifica o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo. 2. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. No caso, o pedido de progressão de regime pleiteado pelo paciente foi indeferido pela ausência do preenchimento do requisito subjetivo, tendo sido levado em consideração, além da longevidade da pena, o conturbado histórico prisional do apenado, destacando a presença de falta disciplinar de natureza grave, indicação de que o apenado integra facção criminosa e o fato de ter sido necessário colocá-lo por um período em regime disciplinar diferenciado” (AgRg no HC 571.485/SP, j. 23/06/2020).
11) O cometimento de falta disciplinar de natureza grave no curso da execução penal justifica a exigência de exame criminológico para fins de progressão de regime.
O exame criminológico, usado para individualizar determinadas execuções envolvendo fatos mais graves e/ou presos rotulados como perigosos, serve, não raras vezes, para orientar o magistrado nos incidentes de progressão e livramento condicional.
Antes da Lei 10.792/03, o exame criminológico era considerado obrigatório na execução da pena no regime fechado, e facultativo na pena cumprida no regime semiaberto, em especial quando se tratava de condenação por crime doloso praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Hoje, porém, o entendimento que prevalece nos tribunais superiores é de que se trata de estudo facultativo (independentemente do regime de cumprimento de pena), devendo o magistrado fundamentar sua necessidade aquilatando as peculiaridades do caso concreto, ou seja, a gravidade da infração penal e as condições pessoais do agente. Nesse sentido:
STF – Súmula Vinculante 26. Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
STJ – Súmula 439. Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
Uma das situações em que o exame criminológico pode ser admitido é a prática de faltas graves:
“1. De acordo com a Súmula 439/STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”. 2. No caso dos autos, as instâncias ordinárias determinaram a submissão prévia do agravante a exame criminológico com a indicação de argumentos idôneos, diante do cometimento de falta grave, consistente em abandono, aos 3/1/2017, além de possuir envolvimento com facção criminosa. 3. “Apresentada fundamentação concreta para se determinar a realização do exame criminológico para fins de progressão de regime, com base na necessidade de mais elementos para se aferir a periculosidade do apenado, não há que falar em ilegalidade.” (AgRg no RHC 123.196/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 5/3/2020, DJe 9/3/2020). 4. Agravo regimental desprovido” (AgRg no HC 612.505/SP, j. 06/10/2020).
12) Os efeitos da prática de outra infração penal, no curso do livramento condicional, submetem-se às regras próprias deste benefício e, portanto, não se confundem com os consectários legais da falta grave.
Nos termos do art. 86 do Código Penal, o livramento condicional é revogado se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade pela prática de crime. Nesse caso, se o crime tiver sido cometido na vigência do livramento, revelando a desadaptação do indivíduo à liberdade, não se computa na pena o tempo de soltura (art. 88 do CP). Se, no entanto, a condenação for por crime cometido anteriormente ao livramento, o período de prova é computado como tempo de cumprimento da pena.
A Lei de Execução Penal, por sua vez, estabelece que a prática de crime doloso constitui falta grave (art. 52, caput), cuja prática tem efeitos específicos no andamento da execução, inclusive na análise de futuros benefícios.
Os efeitos da prática do crime doloso, portanto, são diversos e específicos para cada situação. O fato de alguém ter tido o livramento condicional revogado em razão do cometimento de crime não atrai automaticamente os efeitos inerentes à falta grave, que deve ser apurada em procedimento específico:
“II – A controvérsia, na hipótese vertente, circunscreve-se a definir se o cometimento de novo crime no curso do livramento condicional configura a prática de falta grave, nos termos do art. 52 da Lei de Execuções Penais, ou, se, com incidência das regras próprias do referido benefício, na forma dos arts. 83 a 90 do Código Penal e arts. 131 a 146 da LEP, tem por efeito apenas a sua suspensão e posterior revogação, com a desconsideração do tempo que o apenado esteve liberado. III – Os efeitos da prática de outra infração penal no curso do livramento condicional, de fato, submetem-se às regras próprias deste benefício e, portanto, não se confundem com os consectários legais da falta grave. Precedentes. IV – Revela-se, assim, manifestamente ilegal determinar a realização de audiência de justificação para apuração de infração disciplinar, que, fosse o caso, deveria ser apurada mediante instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, como é o entendimento desta Corte Superior” (HC 479.923/RS, DJe 07/03/2019).
13) A falta disciplinar grave impede a concessão do livramento condicional, por evidenciar a ausência do requisito subjetivo relativo ao comportamento satisfatório durante o resgate da pena, nos termos do art. 83, III, do Código Penal – CP.
Como já tivemos a oportunidade de mencionar, o livramento condicional é concedido desde que o condenado tenha bom comportamento durante a execução da pena (art. 83, inc. III, a, do CP). E, segundo alteração promovida pela Lei 13.964/19 no Código Penal, o condenado não pode ter cometido falta grave nos últimos 12 (doze) meses (inc. III, b).
Esses requisitos cobram do condenado comportamento adequado durante todo o tempo da execução penal, seja no cumprimento das obrigações internas, seja no seu relacionamento com os demais habitantes do sistema e com os funcionários, elementos indicativos de sua capacidade de readaptação social. Se, sob vigilância direta, o condenado resiste ao cumprimento das regras, não há por que confiar em sua disposição para cumpri-las sem o acompanhamento permanente das autoridades carcerárias. Por isso, o cometimento de faltas disciplinares de natureza grave pode impedir o livramento condicional:
“1. O requisito previsto no art. 83, III, b, do Código Penal, inserido pela Lei n. 13.964/2019, consistente no fato de o sentenciado não ter cometido falta grave nos últimos 12 meses, é pressuposto objetivo para a concessão do livramento condicional, e não limita a valoração do requisito subjetivo necessário ao deferimento do benefício, inclusive quanto a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei Anticrime. 2. A norma anterior já previa a necessidade de comportamento satisfatório durante a execução da pena para o deferimento do livramento condicional. E não se pode negar que a prática de falta disciplinar de natureza grave acarreta comportamento insatisfatório do reeducando. Precedentes. 3. No caso, a fuga do paciente, no curso da execução da pena privativa de liberdade, ocorrida em 16/4/2019, serviu, nas instâncias ordinárias, como fator para considerar a ausência do pressuposto subjetivo necessário para o livramento condicional, negado em 28/4/2020. 4. Ordem denegada” (HC 612.296/MG, j. 20/10/2020).
14) O cometimento de falta grave é motivo idôneo para o indeferimento do benefício da saída temporária, por ausência de preenchimento do requisito subjetivo.
A saída temporária é um benefício concedido aos presos em regime semiaberto para que, sem vigilância direta, visitem a família, frequentem curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior ou participem de atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Para que o condenado se beneficie da saída, seu comportamento deve ser adequado, o benefício tem de ser compatível com os objetivos da pena e deve ser cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, ou 1/4 (um quarto), se reincidente.
Nota-se que um dos requisitos para a concessão da saída temporária é o bom comportamento do condenado. O cometimento de faltas disciplinares graves pode servir para o indeferimento do benefício, que, assim como o livramento condicional, deve ser baseado na confiança de que, uma vez em liberdade, o condenado se submeterá às regras impostas:
“I – No presente caso, as instâncias ordinárias negaram a saída temporária por ausência de preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que o paciente, menos de 5 (cinco) meses antes de pleitear o benefício, descumpriu uma das condições do regime aberto (ausência de apresentação na casa de albergado desde o dia 27/05/2016), tendo sido preso em flagrante por novo delito, em 31/05/2016, o que foi considerado como falta grave, devidamente homologada, acarretando a regressão de regime prisional. II – Desta forma, embora o diretor do estabelecimento prisional tenha atestado o bom comportamento carcerário, os fatos descritos maculam o histórico prisional do paciente, não restando demonstrado o comportamento adequado para a concessão da benesse, requisito subjetivo previsto no art. 123, I, da Lei de Execução Penal” (HC 389.302/SC, j. 27/04/2017).
15) A falta grave disciplinar deve ser sopesada pelo órgão jurisdicional na análise do requisito subjetivo para fins de concessão de trabalho externo, nos termos do art. 37 da LEP.
A possibilidade de trabalho externo deriva das disposições dos artigos 39, inc. V e 41, inc. II, da LEP, que tratam o exercício do trabalho tanto como um dever quanto como um direito do preso.
Como dispõe o art. 37, a atividade extramuros (que para os presos em regime fechado é admissível somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina) é autorizada pela direção do estabelecimento prisional e depende de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena (fração não exigível para os presos no regime semiaberto: STF – EP 2 TrabExt-AgR/DF, j. 25/06/2014).
Se, antes de autorizada a execução do trabalho externo, o preso cometeu faltas graves, isso deve ser analisado e pode fundamentar o indeferimento da pretensão:
“A falta grave, apesar de não reiniciar o período aquisitivo relativamente aos benefícios previstos nos arts. 36 e 122 da LEP, deverá ser valorada na análise do requisito subjetivo, haja vista a expressa exigência, nos arts. 37 e 123 da LEP, de aptidão, disciplina, responsabilidade e comportamento adequado do reeducando para a prestação do trabalho externo e o gozo de saídas temporárias, em respeito ao caráter progressivo da pena, ante o critério de razoabilidade que sempre se faz necessário na adaptação das normas de execução ao fato concreto” (AgRg no REsp 1.659.676/RS, j. 12/12/2017).
16) Consoante previsão dos art. 50, VI, e art. 39, V, da LEP, configura falta grave a recusa pelo condenado à execução de trabalho interno regularmente determinado pelo agente público competente, não havendo que se confundir o dever de trabalho, referendado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 6º), com a pena de trabalho forçado, vedada pela Constituição Federal – art. 5º, XLVIII, c.
Na medida de suas aptidões e de sua capacidade, o condenado definitivo está obrigado ao trabalho. É o que dispõe expressamente o art. 31 da Lei de Execução Penal. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, aptidões identificadas por meio do exame de classificação, realizado no início da execução da pena (vide arts. 5º e 6º).
Na realidade, o trabalho penitenciário é encarado na Lei de Execução Penal como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva. É um misto de dever (art. 39, V) e direito (art. 41, II) do preso. Dever, pois sua recusa injustificada configura falta grave (art. 50, VI), como já dissemos, podendo gerar, inclusive, prejuízos na conquista de alguns benefícios na execução. Direito, porque a labuta, além de essencial para a ressocialização, garante ao preso a remuneração (art. 29) e a remição (art. 126).
A obrigação do trabalho penitenciário não pode ser confundida com a pena de trabalhos forçados, proibida expressamente pela Constituição Federal no art. 5º, inc. XLVII, c. É por isso que a recusa injustificada do condenado definitivo ao trabalho pode acarretar a punição por falta grave:
“Consoante previsão dos arts. 50, VI, e 39, V, ambos da LEP, configura falta grave a recusa pelo apenado, à execução de trabalho interno regularmente determinado pelo agente público competente, não havendo que se falar na existência de flagrante ilegalidade no v. acórdão combatido, sobretudo porque, além de a medida não se confundir com a pena de trabalho forçado, vedada pela Constituição Federal (art. 5º, XLVIII, “c”)” (AgRg no HC 429.608/SP, j. 17/04/2018).
17) A falta disciplinar de natureza grave praticada no período estabelecido pelos decretos presidenciais que tratam de benefícios executórios impede a concessão de indulto ou de comutação da pena, ainda que a penalidade tenha sido homologada após a publicação das normas.
Os requisitos gerais para a concessão do indulto são estabelecidos no próprio decreto presidencial, pois fazem parte da competência privativa do presidente da República. É comum a vinculação do benefício ao não cometimento de faltas graves em determinado período anterior ao decreto presidencial. O Decreto 10.189/19, por exemplo, dispôs, no art. 5º, que o indulto não seria concedido aos condenados que, embora se adequassem a outros requisitos, tivessem “sofrido sanção, aplicada pelo juízo competente em audiência de justificação, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, em razão da prática de infração disciplinar de natureza grave, nos doze meses anteriores à data de publicação deste Decreto”.
Tendo em vista a necessidade de que a punição por falta grave decorra unicamente de procedimento administrativo no qual sejam garantidos ao preso o contraditório e a ampla defesa, é possível que a falta cometida logo antes do ato presidencial seja homologada depois. Mas isso não tem nenhuma relevância para os efeitos impeditivos decorrentes do ato de indisciplina:
“Este Superior Tribunal firmou entendimento no sentido de que o óbice à concessão de indulto ocorrerá se a falta grave tiver sido cometida dentro do prazo previsto no Decreto, mesmo que sua homologação aconteça depois do ato presidencial” (AgRg no AREsp 1.374.816/ES, j. 07/02/2019).
18) A prática de falta grave durante a execução permite a regressão de regime de pena per saltum (art. 118, I, da LEP), sendo desnecessária a observância da forma progressiva estabelecida no art. 112 da mesma lei.
Levando em conta a finalidade reeducativa da pena, a progressão de regime consiste na execução da reprimenda privativa de liberdade de forma a permitir a transferência do condenado para regime menos rigoroso (mutação de regime), desde que cumpridos determinados requisitos.
A progressividade da execução penal, que inclui a necessidade de acompanhar gradativamente a readaptação do preso, faz com que se vede a progressão em saltos (do regime fechado diretamente para o aberto). A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, no item 120, afirma que se o condenado estiver no regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto. Nesse mesmo sentido temos a súmula 491 do STJ.
A proibição de saltos não se aplica, todavia, à regressão de quem está no regime aberto.
Com efeito, existem situações em que a pena privativa de liberdade fica sujeita à regressão, isto é, à transferência do preso para regime mais gravoso. O art. 118 da Lei de Execução Penal dispõe que a execução da pena se sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (art. 111).
Da simples leitura do art. 118 se extrai que o sentenciado, dando causa à regressão, pode saltar do regime aberto diretamente para o fechado, sem necessidade de passar antes pelo semiaberto.
Assim é porque, durante a execução da pena, é o preso quem deve comprovar as condições para, paulatinamente, alcançar a liberdade plena. Se, no cumprimento do regime aberto, alguém comete outro crime ou uma falta disciplinar relevante, não há motivo para se traçar o caminho inverso também de forma gradual:
“’A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando a orientação de que O art. 118, inciso I, da Lei de Execução Penal, estabelece que o apenado ficará sujeito à transferência para qualquer dos regimes mais gravosos quando praticar fato definido como crime doloso ou falta grave, não havendo que se observar a forma progressiva estabelecida no art. 112 do normativo em referência (AgRg no REsp 1575529/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 17/06/2016)’ (AgRg no REsp n. 1.672.666/MS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 26/03/2018)” (HC 602.775/MG, j. 22/09/2020).
Para se aprofundar, recomendamos:
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