1) Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.
Há quatro correntes a respeito da consumação no crime de furto:
a) contrectatio: a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia, dispensando o deslocamento;
b) amotio (ou apprehensio): dá-se a consumação quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independentemente de deslocamento ou posse mansa e pacífica;
c) ablatio: a consumação ocorre quando o agente, depois de apoderar-se da coisa, consegue deslocá-la de um lugar para outro;
d) ilatio: para ocorrer a consumação, a coisa deve ser levada ao local desejado pelo ladrão para ser mantida a salvo.
O STJ adota a amotio:
“[…] 4. Acerca do momento consumativo do crime de roubo e de furto, é assente a adoção da teoria da amotio por esta Corte e pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual os referidos crimes patrimoniais se consumam no momento da inversão da posse, tornando-se o agente efetivo possuidor da coisa, ainda que não seja de forma mansa e pacífica, sendo prescindível que o objeto subtraído saia da esfera de vigilância da vítima ou que seja devolvido pouco tempo depois. 5. O crime de furto em questão se consumou, porquanto houve a efetiva inversão da posse do bem, malgrado o celular tenha sido devolvido à vitima logo após o injusto, devido à apreensão dos réus em flagrante” (5ª Turma, HC 618.290/RJ, j. 17/11/2020).
“Conforme a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada” (6ª Turma: AgRg no REsp 1.894.347/SP, j. 07/12/2020).
2) Não há continuidade delitiva entre roubo e furto, porquanto, ainda que possam ser considerados delitos do mesmo gênero, não são da mesma espécie.
Atualmente, o STJ se orienta no sentido de que devem ser considerados da mesma espécie os delitos que protegem o mesmo bem jurídico (AgRg no REsp 1.562.088/MG, j. 16/10/2018). Não obstante seja o caso do furto e do roubo – pois tutelam ambos o patrimônio –, não é possível, ainda assim, reconhecer a continuidade delitiva porque, para isso, é imprescindível a semelhança no modus operandi de que lança mão o criminoso no cometimento das várias infrações penais. Se os delitos diferem muito um do outro na forma de cometimento – como se diferem o furto e o roubo, no qual se emprega violência ou ameaça –, ainda que sejam da mesma espécie não é possível aplicar o benefício da continuidade.
3) O rompimento ou destruição do vidro do automóvel com a finalidade de subtrair objetos localizados em seu interior qualifica o furto.
Segundo a doutrina, para qualificar o crime furto o rompimento de obstáculo há de ser exterior à coisa subtraída. Se a violência é exercida contra o próprio objeto visado, não incide a qualificadora. Seguindo essa lição, temos que o rompimento do vidro do veículo para subtraí-lo constitui violência contra a própria coisa objeto da subtração, razão pela qual não se qualifica o furto. Daí surge a inevitável indagação: se destruir o vidro não qualifica o delito quando a coisa visada é o próprio veículo, qualifica no caso de se visar à subtração do aparelho de som, por exemplo? Segundo o STJ, sim:
“Pretensão desclassificatória da conduta qualificada para o tipo básico. Cumpre esclarecer que jurisprudência do Tribunal da Cidadania é no sentido de que é “de rigor a incidência da qualificadora do inciso I do § 4º do art. 155 do CP quando o agente, visando subtrair aparelho sonoro localizado no interior do veículo, quebra o vidro da janela do automóvel para atingir o seu intento, primeiro porque este obstáculo dificultava a ação do autor, segundo porque o vidro não é parte integrante da res furtiva visada, no caso, o som automotivo” (EREsp n. 1.079.847/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 05/09/2013). Precedentes” (HC 509.594/SP, j. 06/06/2019).
4) Todos os instrumentos utilizados como dispositivo para abrir fechadura são abrangidos pelo conceito de chave falsa, incluindo as mixas.
O furto é qualificado quando utilizada na sua execução chave falsa. Segundo ensina Damásio de Jesus, chave falsa “é todo o instrumento, com ou sem forma de chave, destinado a abrir fechaduras. Ex.: gazuas, grampos, pregos, arame etc.” (Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, v. 2, p. 329). É o mesmo que tem decidido o STJ:
“No que se refere ao furto qualificado pelo emprego de chave falsa, a jurisprudência desta Corte tem se manifestado no sentido de “o conceito de chave falsa abrange todo o instrumento, com ou sem forma de chave, utilizado como dispositivo para abrir fechadura, incluindo mixas” (HC n. 101.495/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 25/8/2008). Entendendo o Tribunal de origem que o crime foi cometido com o uso de chave mixa, impossível o afastamento da qualificadora” (HC 200.126/SP, j. 28/04/2015).
5) É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.
O crime de furto é privilegiado se o criminoso é primário e é de pequeno valor a coisa furtada. Nesse caso, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa (art. 155, § 2º, do CP).
Diverge a doutrina sobre a possibilidade de aplicar o privilégio ao crime de furto qualificado. Tradicionalmente, o STF e o STJ negavam o privilégio, vez que, além da gravidade do crime qualificado, a posição topográfica do privilégio indica que o legislador teve a intenção de vê-lo aplicado somente ao furto simples e ao noturno (RT 608/446, 609/354 e 617/336).
Mas a orientação se modificou. Os tribunais passaram a admitir a combinação dos parágrafos (STF: RHC 115.225/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16/04/2013). O STJ editou a súmula nº 511 exatamente no sentido de que o privilégio se aplica ao furto qualificado “se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”. Nota-se que o enunciado destaca a aplicação do privilégio somente diante de qualificadoras objetivas. A ressalva foi feita porque, de acordo com a jurisprudência do tribunal, o abuso de confiança e a fraude têm natureza subjetiva (neste sentido: HC 200895/RJ, DJe 27/05/2013; HC 462.322/SC, j. 27/11/2018).
6) A prática do delito de furto qualificado por escalada, destreza, rompimento de obstáculo ou concurso de agentes indica a reprovabilidade do comportamento do réu, sendo inaplicável o princípio da insignificância.
No geral, o princípio da insignificância tem sido admitido em furtos cometidos sem o emprego de meios que por si tornam o fato mais grave e por indivíduos que não fazem da ação criminosa um meio de vida. Esses requisitos obrigam a uma análise abrangente das circunstâncias em que ocorre o crime. Não obstante o valor irrisório do objeto subtraído no furto, há fatores que podem confirmar a tipicidade material, como o rompimento de obstáculo, a escalada, a fraude e o concurso de agentes. Além disso, no caso de quem comete reiterados crimes, ainda que os prejuízos individualmente considerados sejam reduzidos, não é socialmente adequado que a Justiça criminal ignore o todo e acabe incentivando a reiteração delitiva.
A jurisprudência dos tribunais superiores era amplamente refratária à insignificância quando incidente alguma das qualificadoras do furto, que tornam consideravelmente mais grave o crime (tanto que dobram a pena). Ultimamente, no entanto, tem havido certa mitigação baseada na análise das circunstâncias concretas das condutas criminosas. Em resumo, a regra é de que a presença das qualificadoras impede a insignificância, mas, em situações excepcionais, ainda assim a tipicidade pode ser afastada:
“[…] 3. Malgrado o pequeno valor da res furtiva, tendo o delito sido praticado mediante escalada e durante o repouso noturno, resta demonstrada maior reprovabilidade da conduta, o que obsta a aplicação do Princípio da Insignificância. Precedentes. 4. A Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando demonstrado ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas […]” (STJ – HC 605.552/SP, j. 06/10/2020).
“[…] 3. O princípio da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas. 4. Na espécie, a conduta é referente a um furto qualificado pelo concurso de agentes de produtos alimentícios avaliados em R$ 62,29. 5. Assim, muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância […]” (STJ – HC 553.872/SP, j. 11/02/2020).
7) O princípio da insignificância deve ser afastado nos casos em que o réu faz do crime o seu meio de vida, ainda que a coisa furtada seja de pequeno valor.
Como já destacamos nos comentários à tese anterior, o prejuízo reduzido não é suficiente para a incidência do princípio da insignificância. Um dos fatores determinantes na análise do benefício é a vida pretérita do agente. Tratando-se de alguém que faz do crime um meio de vida, não se pode dar por insignificante a conduta:
“A conduta delituosa praticada na modalidade de concurso de pessoas e a habitualidade criminosa impedem a aplicação do princípio da insignificância” (5ª Turma: AgRg no HC 588.222/SC, j. 13/10/2020).
“1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as peculiaridades do caso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, buscando identificar a necessidade ou não da utilização do direito penal como resposta estatal. 2. Diante do caráter fragmentário do direito penal moderno, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de significativa gravidade. É certo, porém, que o pequeno valor da vantagem patrimonial ilícita não se traduz, automaticamente, no reconhecimento do crime de bagatela. 3. No caso, o Paciente possui maus antecedentes e é reincidente (possui outras condenações pela prática de crimes contra o patrimônio). Desse modo, constatada a habitualidade delitiva em crimes patrimoniais, revela-se impossível a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto, ante a evidente reprovabilidade da conduta. 4. Ademais, o Paciente foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, o que também afasta a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido” (6ª Turma: AgRg no HC 597.537/SP, j. 07/12/2020).
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