Informativo: 1007 do STF – Execução Penal
Resumo: O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da Lei 7.210/1984 não representa violação aos princípios da dignidade humana e da isonomia, sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário mínimo prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal.
Comentários:
O trabalho penitenciário é encarado na Lei de Execução Penal como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva. É um misto de dever (art. 39, V) e direito (art. 41, II) do preso. Dever, pois sua recusa injustificada configura falta grave (art. 50, VI, da LEP), podendo gerar, inclusive, prejuízos na conquista de alguns benefícios na execução. Direito, porque a labuta, além de essencial para a ressocialização, garante ao preso uma remuneração (art. 29 da LEP) e a possibilidade de descontar um dia de pena para cada três dias trabalhados (art. 126 da LEP). O presidiário, contudo, não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
O trabalho do preso deve ser remunerado adequadamente, imperativo reconhecido pelas Regras Mínimas da ONU (atualizadas pelas Regras de Mandela, preceito 103.1). No mesmo sentido, o art. 39 do CP estabelece que o trabalho será sempre remunerado e que o preso terá garantidos os benefícios da previdência social.
O art. 29 da Lei de Execução Penal anuncia que a remuneração não pode ser inferior a 3/4 do salário mínimo, o que parece conflitar com o disposto no art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal, que garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais o direito ao salário mínimo. Por isso, em 2015, o Procurador-Geral da República ajuizou ADFP (336) sustentando que o trabalho realizado por condenados não pode ser remunerado em valor inferior ao salário mínimo, sob pena de violação dos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além do disposto no dispositivo constitucional já citado:
“O estabelecimento de pagamento de salário aquém do mínimo assegurado constitucionalmente é regra que não se coaduna com o artigo 7º, IV, da CF, não existindo motivação idônea para o pagamento ao preso trabalhador de salário aquém do mínimo:
[…]
A garantia ao pagamento de salário não inferior ao mínimo deve ser assegurada aos presos trabalhadores, por constituir comando constitucional de inegável supremacia, além de não ser incompatível com a situação de cidadão privado da liberdade de ir e vir. O trabalho desenvolvido com justa remuneração serve para que o Estado cumpra a sua função de conformidade com a Constituição Federal.
O argumento de que o salário mínimo do preso deve ser inferior ao estabelecido no território nacional como instrumento econômico para fomentar a contratação não prospera. O Estado não pode violar direitos fundamentais sob a justificativa de trazer vantagens à contratação de presos, pois a instituição do salário mínimo visou justamente a assegurar à parte vulnerável da relação de emprego patamar mínimo de remuneração como forma de proteção à dignidade da pessoa humana”.
Levada ao plenário em sessão encerrada no último dia 26 de fevereiro, a ação constitucional foi julgada improcedente. Vencedor, o voto do ministro Luiz Fux – relator – lembrou que o STF já reconheceu que a Constituição Federal não impõe a regra do salário mínimo a toda e qualquer espécie de mão-de-obra. Há exceções, como, por exemplo, a regra do soldo decorrente do serviço militar obrigatório e a própria remuneração do preso, que não se submete ao regime jurídico trabalhista regular:
“O preso não se sujeita ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e seu trabalho possui finalidades educativa e produtiva, não podendo ser comparado com o trabalho das pessoas que não cumprem pena. Essas têm garantido o salário mínimo para satisfação de necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Por outro lado, o preso já tem atendidas pelo Estado boa parte das necessidades vitais básicas que o salário-mínimo almeja satisfazer, tais como educação, alojamento, saúde, alimentação, vestuário e higiene. Além disso, o preso recebe o benefício da remição da pena, na proporção de 1 dia de redução da sanção criminal para cada 3 dias de trabalho e o produto da remuneração deve ser direcionado para a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à família, para pequenas despesas pessoais e para promover o ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a sua manutenção.
Portanto, a legitimidade da diferenciação entre o trabalho do preso e o trabalho dos empregados em geral é evidenciada pela distinta lógica econômica do labor no sistema executório penal. Assim, o trabalho do detento pode até mesmo ser subsidiado pelo Erário, de modo que o discrímen promova — em vez de violar — o mandamento de isonomia contido no art. 5º, caput, da CF, no seu aspecto material, além de não representar violação ao princípio da dignidade humana.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental”.
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