Ao comentar a questão do crime de abuso de autoridade consistente em recolher presos de sexos diversos na mesma cela, indicava a correção da lei ao referir-se ao sexo e não ao gênero, não adotando cegamente a chamada “Ideologia de Gênero”, apartada de qualquer sustento científico e da própria realidade do mundo da vida, com o enorme risco de submissão, especialmente de mulheres, trans ou não, às mais variadas violências. [1]
O Ministro Luís Roberto Barroso do STF, após nosso livro já estar diagramado, ao julgar a ADPF 527/DF, mesmo sendo conhecido defensor da ideologia de gênero, acaba cedendo aos fatos, nos termos de uma mediania virtuosa que já sugeríamos em nossa obra, de acordo com Resoluções já em vigor. Estabelece a regra de que os transexuais e mesmo os travestis de ambos os sexos têm o direito de optar por serem recolhidos em estabelecimento prisional de acordo com a sua identidade de gênero ou de acordo com o seu sexo biológico. Até aí, poder-se-ia pensar que o Ministro Barroso, de acordo com sua anuência à ideologia de gênero, teria se rendido irracionalmente a uma temeridade já mencionada neste texto. Mas, isso não ocorreu. Barroso sustenta cautelosamente seu voto em Nota Técnica do Ministério da Justiça e Segurança Pública, onde consta que cabe ao detento (a) a escolha do estabelecimento de acordo com seu gênero ou sexo biológico, mas devem tais pessoas em caso de ser recolhidas em locais que abrigam pessoas de sexo diverso, serem alocadas em compartimentos separados. É interessante notar como as mulheres que assumem o gênero masculino chamam mais a atenção para sua necessária proteção, acaso recolhidas a seu pedido em estabelecimentos masculinos. O Ministro chega a cometer erro material no final de sua decisão, destacando a separação apenas quando recolhida a pessoa em estabelecimento prisional masculino, sendo mulher segundo o sexo biológico. Ao tratar da pessoa de sexo biológico masculino, recolhida em estabelecimento feminino, esquece-se de fazer a observação da necessária separação, não em relação à segurança da pessoa trans ou travesti, mas em relação às detentas mulheres, o que é diverso na Nota Técnica que sustenta o voto. Nessa Nota, como já dito, a separação é impositiva para ambos os casos, como não poderia deixar de ser, sob pena de abandonar os direitos da mulher, sujeitando detentas a possíveis abusos ou violências, em absoluta desconsideração da dignidade humana dessas mulheres presas. Entretanto, tendo em vista o teor completo do voto do Ministro Barroso, é de se compreender que é impositiva a separação em ambos os casos. Esse posicionamento do STF e em especial do Ministro Barroso é o melhor possível, pois que adota o respeito à identidade subjetiva de gênero e às peculiaridades desse grupo, bem como não se aparta da realidade do sexo biológico e dos perigos que a aplicação irresponsável e fantasiosa de uma ideologia sem substrato científico ou mesmo de realidade poderia gerar na vida prática. [2]
NOTAS
[1] Cf. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade. Leme: Mizuno, 2021 (em fase de pré – venda).
[2] Cf. BARROSO permite que trans e travestis escolham onde cumprir pena. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-mar-19/barroso-permite-trans-travestis-escolham-onde-cumprir-pena, acesso em 22.03.2021. Ver ainda o voto do Ministro Relator, Luís Roberto Barroso: MEDIDA cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental 527 Distrito Federal. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/barroso-permite-trans-travestis.pdf , acesso em 22.03.2021.
REFERÊNCIAS
BARROSO permite que trans e travestis escolham onde cumprir pena. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-mar-19/barroso-permite-trans-travestis-escolham-onde-cumprir-pena, acesso em 22.03.2021.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade. Leme: Mizuno, 2021.