Informativo: 694 do STJ – Execução Penal
Resumo: O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia de Covid-19, pode ser reconhecido como pena efetivamente cumprida.
Comentários:
Levando em conta a finalidade reeducativa da pena, a Lei de Execução Penal permite a progressão de regime, que consiste na execução da reprimenda privativa de liberdade de forma a permitir a transferência do condenado para regime menos rigoroso, desde que cumpridos determinados requisitos objetivos e subjetivos.
A última etapa da progressão é o regime aberto. Por basear-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade, o regime aberto permite que o condenado trabalhe, frequente curso ou exerça outra atividade lícita fora do estabelecimento (casa do albergado), tudo sem vigilância (ausência de obstáculos físicos contra a fuga).
A concessão do regime aberto tem pressupostos específicos (art. 114 da LEP): a) que o condenado esteja trabalhando ou comprove a possiblidade de fazê-lo (esta exigência costuma ser flexibilizada de acordo com a realidade social, para que se evite a inviabilização da progressão de regime em virtude de circunstâncias alheias à vontade do condenado); b) que apresente, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime (isso deve ser apurado por meio de exames de personalidade realizados durante a execução da pena).
Além desses requisitos, o art. 115 da LEP impõe: a) permanência no local que for designado durante o repouso e nos dias de folga; b) saída para o trabalho e retorno nos horários fixados; c) permanência na cidade onde reside, exceto se houver autorização judicial para o deslocamento; d) comparecimento no juízo da execução, para informar e justificar atividades, quando for determinado.
Devido ao estado de emergência em saúde pública declarado em 2020 em razão da pandemia do coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça recomendou que os juízes da execução penal suspendessem a obrigação de condenados comparecerem mensalmente em juízo. Nesse caso, segundo decidiu o STJ, suspende-se apenas a imposição legal, não a execução da pena. Dessa forma, o período em que o condenado permaneceu desobrigado de se dirigir ao juiz para justificar suas atividades deve ser considerado como pena cumprida:
“No caso, o Juiz da Vara de Execuções Penais concedeu a progressão do paciente ao regime aberto e, em audiência admonitória, impôs, dentre outras condições, o comparecimento pessoal e obrigatório perante o Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
Ocorre que, diante da situação de pandemia, o Conselho Nacional de Justiça recomendou a suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo das pessoas em cumprimento de pena no regime aberto (art. 5º, inciso V, da Recomendação n. 62/2020 do CNJ).
Nesse sentido, o Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina acolheu a recomendação e determinou a suspensão das apresentações mensais em juízo dos apenados em regime aberto (art. 3.º, inciso III, da Resolução Conjunta GP/CGJ n. 5/2020).
Diante de tais atos normativos, o magistrado singular suspendeu o dever de apresentação mensal em Juízo aplicado aos apenados em regime aberto. A defesa, então, pleiteou o reconhecimento do período de suspensão como pena efetivamente cumprida, no que foi atendida. Todavia, ao julgar o recurso de agravo em execução, o Tribunal local reformou a decisão.
Com efeito, vê-se que a suspensão do dever de apresentação mensal em Juízo foi determinada pelo magistrado em cumprimento à recomendação do Conselho Nacional de Justiça e à determinação do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, decorrentes da situação de pandemia, circunstância alheia à vontade do paciente. Desse modo, não se mostra razoável o prolongamento da pena sem que tenha sido evidenciada a participação do apenado em tal retardamento.
Com a mesma conclusão cite-se trecho das Orientações sobre Alternativas Penais no âmbito das medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus (Covid-19), também elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça para disciplinar situação semelhante à ora analisada:
‘No âmbito da execução penal, transação penal e condições impostas por suspensão condicional do processo e sursis: (I) Dispensar o comparecimento pessoal para o cumprimento de penas e medidas alternativas – como a prestação de serviços à comunidade, o comparecimento em juízo etc. – durante o período da pandemia; (II) Computar o período de dispensa temporária do cumprimento de penas e medidas alternativas de cunho pessoal e presencial – como a prestação de serviços à comunidade, o comparecimento em juízo etc. – durante o período da pandemia, como período de efetivo cumprimento, considerando que a sua interrupção independe da vontade da pessoa em cumprimento, decorrendo diretamente de imposição determinada por autoridades sanitárias, além do que a manutenção prolongada de pendências jurídico-penais tem um efeito dessocializador, em particular quanto as oportunidades de trabalho e renda’.
Outrossim, o paciente cumpriu todas as demais condições do regime aberto, que não foram suspensas, inclusive, permaneceu sujeito às sanções relativas a eventual descumprimento, o que reforça a necessidade de se reconhecer o tempo de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo como pena efetivamente cumprida, sob pena de alargar o período em que o apenado está sujeito à disciplina do regime aberto” (HC 657.382/SC, j. 27/04/2021).
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