– Em debate: interpretação do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 e sua conciliação normativa com o art. 33, § 3º, do ECA [§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários].
– Dispositivo em discussão:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(…)
§ 2º. O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.” (Redação dada pela Lei n. 9.528, de 10/12/1997)
A redação original desse dispositivo determinava: “§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.”
– Tese do relator (Min. Gilmar Mendes), vencida [5 votos]: a intenção da mudança legislativa foi reduzir os gastos da Previdência Social, inclusive em razão dos desvios de finalidade. Na sua análise, o fato de o menor estar sob guarda de um terceiro não determina, necessariamente, sua condição de dependente deste, seja em razão da provisoriedade da guarda, seja pela manutenção, em muitos casos, do poder familiar e da condição de dependência de seu genitor.
– Tese do Min. Edson Fachin, acolhida pela maioria [6 votos]: apesar da exclusão na legislação previdenciária, o menor sob guarda ainda figura no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990). O art. 33, § 3º, do ECA estabelece que a guarda confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. Segundo o Min. Fachin, a Constituição de 1988 alterou significativamente a disciplina dos direitos das crianças e dos adolescentes e garantiu sua proteção integral, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Para ele, a alegação de que haveria muitas fraudes em processos de guarda, em que os avós requeriam a guarda de seus netos apenas para fins de concessão do direito à pensão, parte de uma presunção de má-fé, o que não é admissível, pois a presunção deve ser de boa-fé e a má-fé deve ser comprovada. Ademais, segundo Fachin, “pretensas fraudes não são justificativas para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus direitos previdenciários. Há meios de combater as fraudes sem que, com isso, haja privação de direitos.” Concluiu dizendo que “ao assegurar a qualidade de dependente ao menor sob tutela e negá-la ao menor sob guarda, a legislação previdenciária o priva de seus direitos e garantias fundamentais.” Assim, deve-se colocar esses menores na categoria de dependentes do RGPS desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999).
– Observação: no passado, o STJ chegou a decidir que o menor sob guarda não fazia jus aos benefícios da Previdência Social em face da alteração introduzida pela Medida Provisória nº 1.523/96, posteriormente convertida na Lei 9.528/1997, que alterou o art. 16, § 2º da Lei 8.213/91. Entendia-se que “o diploma de regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial, deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.” (EREsp 696.299/PE, Rel. Min. Paulo Gallotti, Terceira Seção, julgado em 23/04/2008, DJe 04/08/2009). Posteriormente, o assunto tornou-se divergente no STJ, sendo objeto de um dos tópicos do nosso livro Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ. Salvador: Juspodivm, 2011. Em seguida, o dissenso foi solucionado pela Corte Especial do STJ que compreendeu que no confronto entre o art. 16 da Lei n. 8.213/90 e o art. 33, § 3º, do ECA, este último deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente (EREsp 1141788/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 07/12/2016, DJe 16/12/2016). Assim, invocando as diretrizes da proibição do retrocesso, da isonomia, da prioridade absoluta (ECA, art. 4º) e da proteção integral à criança e ao adolescente (ECA, art. 3º), passou-se a reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários – ver REsp 1411258/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018, Tema 732). Na mesma direção: EAg 1038727/MG, Corte Especial, DJe 27/10/2017.
– Resultado do julgamento de 08/06/2021 no STF: procedente o pedido formulado para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”. Desse modo, crianças e adolescentes sob guarda podem ser incluídos entre os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
(ADI 4878/DF e ADI 5083/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/06/2021)
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