Acaba de ser aprovada na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional o Parecer 266/2021, onde se reconheceu a constitucionalidade da PEC 10/2017, que visa estabelecer o requisito da relevância da questão federal no rito processual do recurso especial.
Esse tema deve ser analisado a partir de uma importante característica dos Tribunais Superiores e dos recursos excepcionais, a qual pudemos explorar com mais profundidade em nosso Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática:
“Além de competências originárias e recursais bem específicas, compete ao primeiro a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF), que é exercida através do controle de constitucionalidade concentrado (por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, etc) ou difuso (através do recurso extraordinário); cabe ao segundo a uniformização da interpretação e preservação da legislação infraconstitucional (papel que decorre da hermenêutica do art. 105, III, da CF), através do julgamento do recurso especial.
Essa função diferenciada do STJ e do STF traz importantes consequências em relação à compreensão dos requisitos de admissibilidade e ao modo de processamento do recurso especial e do recurso extraordinário, vez que se tratam, portanto, de recursos excepcionais, de natureza jurídica constitucional-processual, voltados não à reforma de uma decisão judicial, mas sobretudo ao exercício daquela jurisdição específica.”
(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, 7ª edição, Salvador: Juspodivm, 2021, p. 431)
A PEC 10/2017 insere um § 1º no art. 105 da Constituição da República, passando-se a exigir a demonstração da “relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo não o conhecer por esse motivo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.
O caminho normativo para introdução da relevância da questão federal (Proposta de Emenda Constitucional) é adequado, pois estamos diante de uma grande restrição às possibilidades de interposição do recurso especial, tal qual propiciadas até então pelo próprio Texto Constitucional. Portanto, isso exige de fato a alteração da norma constitucional, não se podendo praticá-la por singela alteração da legislação processual ou, quiçá, a partir da prática da famigerada e controversa jurisprudência defensiva.
Além disso, é introduzido o § 2º no mesmo artigo 105, que traz certas hipóteses de relevância presumida da questão federal, nos seguintes casos: ações penais; ações de improbidade administrativa; ações cujo valor da causa ultrapasse quinhentos salários mínimos; ações que possam ensejar inelegibilidade; as hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
É interessante perceber aqui uma singela diferenciação entre a relevância da questão federal e a repercussão geral no recurso extraordinário, situação em que não existe presunção de repercussão geral em virtude de tema jurídico – apenas por violação a determinadas modalidades de precedentes qualificados.
Para mais do que essas situações já indicadas no art. 105, § 2º, da Constituição da República, que a PEC 10/2017 pretende acrescentar ao Texto Constitucional, também é prevista uma cláusula aberta, que faculta à lei regulamentadora desse novo instituto a previsão de outras hipóteses de relevância da questão federal.
A propósito, a norma regulamentadora da relevância da questão federal poderá caber tanto em legislação esparsa como em modificação do próprio Código de Processo Civil (solução que nos parece a mais adequada).
Em termos de Direito Intertemporal, questão sempre relevantíssima, o art. 2º da própria PEC 10/2017 indica que a relevância da questão federal será exigida somente para os recursos especiais interpostos após a sua entrada em vigor.
Art. 2º A relevância será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da presente emenda constitucional, oportunidade em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o art. 105, § 2º, III, da Constituição.
Uma interessante regra de transição (normas hoje tão comuns inclusive em matéria processual) a parte final desse dispositivo menciona a possibilidade de a parte atualizar o valor da causa, propiciando alcançar o valor de alçada doravante estipulado para o recurso especial.
Por fim, é relevante registrar a observação de que novamente se pensa em alterar a legislação processual (e isso fica evidente no Parecer CCJ 266/2021) tão somente com a finalidade de redução de acervo judiciário, e não por motivos de técnica ou racionalidade do sistema processual, muitas vezes com nítido prejuízo à garantia constitucional do acesso à justiça.
Saiba mais em: Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática – Teoria Geral e Recursos em Espécie (2022)