1 – INTRODUÇÃO
A doutrina nacional tem demonstrado, ao longo dos anos, uma pobreza franciscana no que diz respeito ao estudo do Inquérito Policial.
Os manuais apresentados aos acadêmicos de direito nos bancos das faculdades são, para dizer o mínimo, extremamente reduzidos e prenhes de vários equívocos quando tratam do tema do Inquérito Policial ou mesmo da investigação criminal em geral.
Dentre os grandes erros, certamente dois se destacam. Um deles é a chamada “unilateralidade” do Inquérito Policial, o qual é apresentado como um instrumento a serviço do órgão acusatório (Ministério Público), destituindo-o de seu caráter muito mais amplo, voltado para a apuração da verdade sobre fatos concretos, não importando se essa apuração venha a beneficiar a futura acusação ou à defesa, se resulte em arquivamento do feito ou em denúncia. Esse equívoco conceitual produz profissionais que não têm noção mínima da função verdadeira do Inquérito Policial e, por vezes, se deixados a esmo com essas instruções, não terão nunca noção de suas próprias funções na persecução penal na qualidade de futuros Delegados de Polícia, Promotores, Advogados ou Juízes. Outro equívoco, que será mais propriamente o objeto deste texto, é a questão do valor probatório do Inquérito Policial. Nesse tema há terrível discrepância entre abstrações teóricas e o mundo concreto, levando a uma verdadeira dissonância cognitiva de estudiosos, estudantes e profissionais do Direito. Mas, a realidade é que mesmo no campo da teorização a atribuição da condição de peça “meramente informativa” (sic) ao Inquérito Policial é algo insustentável e é o que se pretende demonstrar ao longo deste trabalho.
Para a finalidade acima exposta, iniciar-se-á com a exposição do conceito e finalidade da prova na área criminal, a partir do que se poderá avaliar mais corretamente o efetivo valor probatório da fase investigatória no Processo Penal.
Ao final serão retomados os principais aspectos estudados, apresentando-se um desfecho conclusivo.
2 – CONCEITO E FINALIDADE DA PROVA CRIMINAL
Para iniciar um discurso sobre a prova em geral é necessário, primeiramente, estabelecer seu objeto fundamental. Não se trata de uma abordagem específica da prova criminal, da prova na seara jurídica ou mesmo científica, mas do que pode e deve, em geral, ser objeto de prova. É dessa visão ampla que se pode partir para os temas mais especializados, com o devido conhecimento do que propriamente se pode denominar “prova”.
O universo da prova é constituído tão somente daquilo de que não se tem “evidência”. O conhecimento por presença, por intuição, ou seja, daquilo que é evidente ou notório não se confunde com a prova. A prova enseja então, com base em uma estrutura mental de contato entre evidências dadas um complemento do nosso conhecimento e convencimento acerca de fatos, coisas ou ideias. Imaginar que a prova independe ou surge espontaneamente separada de um mundo concreto de evidências e conhecimentos intuitivos prévios é como imaginar um aquário cheio de água e peixes, mas sem a estrutura vítrea que o sustenta. Não é sem razão que é tão conhecido o brocardo latino segundo o qual “notoria non sunt probanda” (fatos notórios dispensam provas).
A prova, portanto, é o resultado de procedimentos levados a efeito na persecução penal com a finalidade de demonstrar a veracidade de determinados fatos alegados contra ou em favor de alguém. Sua finalidade no Processo Penal é o convencimento. Esse convencimento é por excelência o do julgador (juiz ou tribunal), mas também outros atores processuais podem ser destinatários da prova para o cumprimento de determinadas funções (v.g. o Ministério Público para a formação de sua “opinio delicti” ou as partes em geral para decidir sobre seu conformismo ou inconformismo com a decisão proferida e a interposição ou não de recurso). [1] Note-se que a prova não se confunde com os fatos ou com as evidências que os compõem. Os fatos, as evidências existem independentemente da prova. A prova tem um caráter de convencimento, de criação de uma sensação de “certeza” ou ao menos de alguma “segurança”, ainda que não exauriente no espírito de seu destinatário. Por isso não é algo tão simples, e talvez não seja nem mesmo adequado, pretender separar o conceito da finalidade da prova. A nosso ver a finalidade de convencimento da prova não é meramente instrumental, mas constitutiva da própria natureza fundamental da prova.
A compreensão do que seja substancialmente a prova só aparentemente, como mero ponto de partida ou esquematicamente se pode produzir por um processo de análise (decompositiva) entre o ato de comprovar, demonstrar a veracidade de certo fato e a finalidade para a qual essa comprovação se dirige, que é o convencimento de alguém. O entendimento correto do que seja substancialmente a prova só pode ser obtido mediante um processo de síntese desses dois elementos indissociáveis (compositivamente). Disso se conclui que a prova é substancialmente teleológica, ou seja, sua finalidade é constitutiva de seu “ser” e não um elemento externo a este.
Esse nosso pensamento não difere de autores clássicos como, por exemplo, Malatesta que considera a prova “sob um duplo aspecto: quanto à sua natureza e produção e ao efeito que produz no espírito daqueles perante quem é produzida”. [2]
Similar é o ensinamento de Mittermaier:
Todas as vezes que um indivíduo aparece como autor de um fato, que é, por força de lei, de consequências aflitivas, e que se trata de lhe fazer a aplicação devida, a condenação repousa sobre a certeza dos fatos, sobre a convicção que se gera na consciência do juiz. A soma dos motivos geradores dessa certeza chama-se prova”. [3]
A respeito do caráter teleológico da prova não parece ter dúvida Paiva, com base nos escólios de Hélie e Mittermaier:
Segundo Faustin Hélie, em tese considera-se como prova, todo o meio jurídico de adquirir a certeza de um fato ou de uma proposição, ou, na frase de Mittermaier, a soma dos motivos produtores da certeza.
A prova pode tomar-se em dupla acepção: como meio de chegar ao descobrimento da verdade, e como expressão de uma verdade já adquirida. [4]
Na doutrina nacional contemporânea encontramos a correta ponderação de Bonfim quanto ao fato de que a palavra “prova” no Brasil tem diversas acepções, não sendo possível, como ocorre no Direito Norte – Americano, distinguir termos como “evidence” (indicador dos “meios de prova”) e “proof” (designativo do “resultado da atividade probatória no espírito do julgador”). Embora o autor em destaque se posicione por uma pluralidade de “conceitos” de prova com “distinta acepção”, acaba tal posição não fugindo, ao final e ao cabo, de uma concepção sintética e não analítica de prova. [5]
Importante lembrar que na seara criminal, para fins de condenação, o que se busca produzir em termos de convencimento do julgador é um estado de espírito de “certeza” da prática do crime pelo acusado. Em caso de dúvida, esta operará em benefício do réu (“in dubio pro reo”). Não se confunda “certeza” com “presunção”. Nesta segunda não existe maior segurança, apenas se presume algo de acordo com a experiência ou em virtude de lei. Mas, na área criminal, as presunções somente devem atuar em benefício do réu, já que temos como basilar o “Princípio da Presunção de Inocência”, o qual não se coadunaria com um pervertido “Princípio de Presunção de Culpabilidade”. Finalmente, não se pode embarcar na ilusão de que a “certeza” se identifique com a “verdade”. A “certeza” é um estado de espírito (subjetivo – relativo), enquanto que a “verdade” se refere a fatos (objetivo – absoluto). Por isso, é infelizmente possível que um réu seja condenado, mesmo sendo inocente ou seja inocentado mesmo sendo culpado. Não exijamos de um juízo humano predicados de um juízo Divino. A César seja dado o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mateus 22:21). É preciso estar ciente, como nos alerta Carnelutti, de que o Processo Penal é prenhe de misérias humanas. [6]
Outro aspecto relevante é que a “certeza”, enquanto estado anímico subjetivo, comporta graus maiores ou menores. Por outro lado, a “verdade” não pode ser graduada. Não há propriamente, como é de costume dizer sem pensar, “várias verdades”, “a sua verdade e a minha verdade”, não, a “verdade” é uma só, é absoluta. O que pode variar é a impressão pessoal de cada indivíduo ou grupo, suas interpretações, suas opiniões, suas “certezas”. Se caminho em direção de um abismo e alguém me avisa, mas eu tenho certeza de que não há abismo, isso não fará com que eu não caia e morra. A verdade é única e estava com quem me apontou o perigo. Esses conceitos são importantes porque é preciso ter em mente que a prova, no que se refere à formação de convicção, pode variar em seu grau de exigência quanto à “certeza” sem deixar de ser prova.
Em suma, sendo a prova criminal dirigida ao convencimento e, em última análise à certeza do julgador e sendo essa certeza diversa da “verdade”, passível de gradação e, portanto, permeável a maior ou menor intensidade de “dúvida”, pode-se dizer que aquilo que pode ser considerado como prova também é sujeito a uma variação correlata. Assim sendo, pode-se formular uma noção de “prova em sentido amplo” como aquela que se destina a comprovar e formar convencimento de atores processuais em geral, com a criação de uma sensação de “certeza” maior ou menor. Também se pode apresentar uma noção de “prova em sentido estrito”, que seria aquela destinada especificamente ao julgador (juiz ou tribunal), que, embora não visando à comprovação da “verdade”, busca a produção de um estado de “certeza” intenso, se não absoluto, próximo a isso na medida do possível.
Não é sem razão que Greco Filho afirma que “a prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém” (sentido amplo). [7]
Embora se procure teoricamente fazer uma separação entre prova e atividade probatória, entendemos, com Fenech, que prova é um conceito dinâmico, inseparável da atividade probatória, de maneira que “provar” é efetivamente criar um estado de certeza no espírito do julgador, formar sua convicção sobre a verdade ou falsidade de uma alegação ou de uma situação fática relevante para a tomada de decisão ou solução a ser dada a um processo. [8] E mais, o destinatário da prova, embora seja por excelência o julgador, não o é exclusivamente, de modo que são também destinatárias da prova as partes no Processo Penal (Ministério Público, Defesa, Querelante), de acordo com suas funções e atribuições.
Enfim, a própria etimologia da palavra “prova” (latim “probare” – testar, demonstrar que algo tem valor; latim “probus” – o que é correto, de valor, virtuoso), está a indicar um significado abrangente do termo e isso não somente no vernáculo comum, mas também na seara jurídica, onde sua aplicação prática é efetivamente ampla e não restrita conforme pretendem alguns.
3 – VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL
Infelizmente o estudo do Inquérito Policial tem sido relegado a um segundo plano ou até mesmo abandono ou velado preconceito por parte dos juristas brasileiros, o que ocasiona um arcabouço doutrinário extremamente pobre e, muitas vezes, equivocado. [9]
Verifica-se uma estagnação da doutrina que sequer se esforça por atualizar as alterações operadas no tratamento do Inquérito Policial e da investigação preliminar em geral na legislação brasileira e suas consequências quanto a vários aspectos práticos e teóricos. Na maioria das vezes o que se encontra nas obras de Processo Penal a respeito do Inquérito Policial e da investigação em geral são apenas repetições acríticas e até desatualizadas de vetustas lições. Não se costuma encontrar qualquer revisão de posições ou esforço de compreensão da complexidade existente no que tange à fase inaugural da persecução penal. Platão usava a palavra “metaxy” para designar a situação do homem no constante trajeto de esforço entre a ignorância e o conhecimento. Esse denominado “entremeio da existência” consiste em uma “tensão” que aguça e impele a consciência na sua busca constante de conhecimento. [10] Mas, com relação à investigação criminal parece que nossos estudiosos praticamente abandonam esse esforço inerente ao ser humano de busca constante do saber, preferindo acomodar-se na ignorância, na insuficiência e no erro.
Como já destacado introdutoriamente, há dois equívocos capitais dos quais deriva uma série de enganos quanto ao Inquérito Policial. O primeiro é o da sua suposta “unilateralidade”, voltada ao polo da acusação. O segundo, que acaba derivando do primeiro, é a sua qualificação como um procedimento “meramente informativo”, no bojo do qual não se produzem provas, mas apenas coletam-se informações para formar a convicção do Ministério Público ou do Querelante.
É trilhando por sendas tortuosas como essas que é possível encontrar na doutrina a seguinte afirmação:
“As provas colhidas no inquérito só servem para formar a opinio delecti”. [11]
E o próprio autor da frase acima, logo adiante é obrigado a se desmentir para afirmar que as provas periciais irrepetíveis produzidas no Inquérito Policial são as mesmas utilizadas ulteriormente em juízo. [12]
Similar ensinamento é encontrado na obra de Fernando Capez [13], o qual afirma que “o inquérito policial tem conteúdo informativo”, sendo sua finalidade “fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos para a propositura da ação penal”. [14] Num mesmo embrulho vêm os dois erros capitais, unilateralidade e função “meramente informativa”. E novamente ocorre o fenômeno de que o mesmo autor que afirma o caráter “meramente informativo” é obrigado a se desmentir e reconhecer que o Inquérito Policial teria “valor probatório, embora relativo”. [15]
Como aduz Bonfim:
No entanto, a maior parte da doutrina tende a negar a possibilidade de uma condenação lastreada tão somente em provas obtidas durante a investigação policial. Admitem quando muito, que essas provas tenham natureza indiciária, sejam começos de prova, vale dizer, dados informativos que não permitem lastrear um juízo de certeza no espírito do julgador, mas de probabilidade, sujeitando-se a posterior confirmação. [16]
O grande problema com essas afirmações errôneas é que são teorizações que se apartam da realidade e, portanto, não podem ter mais sustento do que uma folha de papel. A enorme relevância do Inquérito Policial ou da investigação preliminar em geral em qualquer sistema processual penal é inegável, é fato bruto que não admite argumentação racional em contrário. Não existe processo sem uma investigação que o anteceda, isso não somente no Brasil, mas em qualquer lugar minimamente civilizado. Já se tentou eliminar o Inquérito Policial. São exemplos a revogada Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4898/65), que previa a denúncia feita pelo Promotor apenas com base nas declarações da suposta vítima, sistema que nunca funcionou na prática e foi extinto mesmo em sua abstrata previsão pela atual Lei 13.869/19. Outro caso gritante é o da Lei 9.099/95, cujo propalado “Termo Circunstanciado”, acaba nada mais sendo, na prática, do que um pequeno inquérito, quando não é realmente instaurado o próprio inquérito devido à complexidade da apuração. Finalmente, há que mencionar a chamada “dispensabilidade” do Inquérito Policial, campo em que a teoria colide com a prática de forma retumbante. Em pesquisa realizada por Zanon, foram coletados dados oficiais fornecidos pelos Ministérios Públicos da União e do Estado de São Paulo, considerando o período entre os anos de 2017 e 2020. Esclarece o autor que na seara federal 71,80 % “dos processos foram iniciados com base em inquéritos policiais”. Apenas 2,01 % “das ações penais tiveram como base a investigação realizada pelo Ministério Público Federal”. Em termos estaduais a predominância do Inquérito Policial na fase investigatória é “quase que absoluta”. Zanon constata, apresentando tabelas numéricas dos dados oficiais, que 99,60 % “das ações penais do Estado de São Paulo são iniciadas com base em inquéritos policiais”, deixando-se uma insignificante cifra de 0,125 % de “processos iniciados com base em investigações ministeriais”. [17] E perceba-se que, mesmo quando não há o inquérito, há alguma investigação preliminar.
Tamanha relevância da fase investigatória não se coaduna com uma visão minimizadora. Na verdade o Inquérito Policial não tem função meramente coadjuvante, mas determina indiretamente o desate e influencia no resultado final do processo.
Aqui não se pode deixar de lembrar o que nos ensina Orwell:
“Por mais que você negue a verdade, ela vai continuar a existir às suas costas”. [18]
Ainda mais contundente é a afirmação do filósofo espanhol Julián Marías quanto ao fato de que a realidade não só existe, mas é aquilo que resiste de forma invencível aos enganos do entendimento humano. Em suas palavras:
(…) a realidade “não desiste”. Os desejos humanos ou a vontade podem fazê-lo. Não se podem fazer concessões sobre a gravidade ou a dureza dos materiais ou a impenetrabilidade dos corpos. A realidade tem uma estrutura que precisa ser reconhecida e aceita; se a desconhecemos ou negamos, ela “se vinga” a sua maneira com um sistema implacável de resistências. Mas, a realidade não é só física: é também humana, pessoal, social, histórica. Suas estruturas são mais complexas, e por isso mais difíceis de descobrir e precisar, mas nem por isso são menos efetivas. E o erro a respeito delas, ou a falta de respeito, se pagam com desastres. [19]
O artigo 155, “caput”, CPP realmente impede o juiz de fundamentar sua decisão “exclusivamente” nos elementos do Inquérito Policial, mas ressalva as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas.
Ora, se o magistrado não pode decidir “exclusivamente” com base no Inquérito, significa dizer que este pode servir de lastro probatório em conjunto com a prova produzida em juízo, só não pode haver fundamentação isolada com base na fase investigatória. Além disso, mesmo uma decisão somente com base em dados do Inquérito pode ocorrer desde que se sustente em cautelares e provas irrepetíveis, tais como perícias, busca e apreensão, documentos coletados na fase investigatória etc. É impossível não enxergar que, por exemplo, em casos de crimes financeiros, muitas vezes a prova mais relevante, senão a única, são documentos e perícias. E estes são dados colhidos e produzidos na fase investigatória.
Tanto é fato que se pretendeu no Processo Legislativo retirar a palavra “exclusivamente” do texto, mas os esforços baldaram, [20] não por questões corporativistas ou coisa que o valha, mas por uma rendição à realidade. Há efetivamente casos em que a prova “produzida extrajudicialmente, terá plena validade e eficácia na formação da convicção do Juiz”. [21] Além disso, é preciso ter em mente que um dos mais destacados argumentos para a deslegitimação dos elementos do Inquérito Policial como prova no Processo Penal, qual seja, sua característica inquisitiva, tem sido mitigado ao longo do tempo com alterações legais e garantias constitucionais que estendem, ainda que parcialmente, o contraditório e a ampla defesa à fase investigativa, estando afastado claramente o “antigo paradigma de investigação inquisitória”. [22] Há garantias que sempre existiram no CPP, tais como a possibilidade de requerer diligências na fase de investigação (artigo 14, CPP). Há garantias constitucionais diversas aplicáveis ao IP, tais como direito ao silêncio e não autoincriminação; direito à assistência da família e advogado, direito à informação (v.g. Nota de Culpa) etc. O direito de acesso aos autos pelo defensor e investigado é indiscutível, seja diante da Súmula Vinculante 14 STF, seja da legislação que prevê como abuso de autoridade a negativa injustificada de acesso (artigo 32 da Lei 13.869/19). Também não se podem olvidar as disposições trazidas pela Lei 13.245/16, que aumentaram grandemente as prerrogativas dos advogados na fase do Inquérito Policial, inclusive com possibilidade de formulação de quesitos em perícias, oferta de razões etc. Não há, ademais, como desvincular o Inquérito Policial, como parcela da Persecução Penal, do Princípio do Devido Processo Legal.
Não prospera a alegação de Rangel quanto à interpretação de que a palavra “exclusivamente” não estaria a autorizar o juiz a utilizar o material probatório do inquérito, ainda que em conjunto com o produzido em juízo. [23] Trata-se de um esforço hercúleo com o fito de insistir naquilo que, como visto, o legislador rechaçou e que já era negado pela jurisprudência. Como destaca Lima, a Lei 11.960/08, que deu a atual redação ao artigo 155, CPP, “ao inserir o advérbio exclusivamente” veio a “confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo”. Assim sendo, os elementos do inquérito não podem ser “desprezados”, mas devem “se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador”. [24]
Observe-se que essa insistência nos erros capitais da unilateralidade e mera informatividade do Inquérito Policial causam uma espécie de cegueira para o fato inconteste de que a prova e os indícios coligidos na fase investigatória são hábeis a fundamentar, ainda que isoladamente, a absolvição do acusado. Negar isso seria um rematado absurdo. Não obstante é raro encontrar algum autor nacional que se lembre dessa relevantíssima função probatória do Inquérito Policial. Sabe-se que o réu não tem o ônus de comprovar sua inocência, mas tem esse direito, o qual pode ser exercido com o uso dos mais variados recursos, não sendo possível vedar-lhe a argumentação com fulcro nos dados do caderno investigatório. Louvável exceção a essa regra de cegueira encontra-se na obra de Machado:
“Nada impede, (…), que o juiz absolva o réu com base tão somente na prova produzida no inquérito, o que nesse caso emprestaria a este último um valor probante absoluto”. [25]
Outro aspecto importante que costuma passar despercebido em meio às repetições de bordões é a alegação, em tom depreciativo, de que a prova do Inquérito Policial tem valor “relativo”. Não é plenamente possível concluir se isso deriva somente da falta de interesse e preconceito com o estudo do Inquérito Policial ou se advém de um vício intelectivo mais profundo. Na dúvida escolhemos atribuir esse erro a ambas as hipóteses. A falta de estudo é autoexplicativa. Quanto ao vício intelectivo, cabe esclarecer que se trata de uma corrente noção errônea do que seja um “limite” ou uma “limitação” efetiva que se possa atribuir a um “ser”. É comum, por exemplo, que se afirme que o ser humano é limitado por sua incapacidade de voar ou de prever o futuro ou pela necessidade de alimentação etc. Ora, essas supostas “limitações” não são verdadeiras “limitações”, são componentes da condição humana. Uma característica intrínseca e substancial de algo não pode ser considerada um limite, mas sim componente de seu “ser”. A palavra “limite” nesses casos somente pode ser utilizada de forma imprópria. Uma verdadeira limitação de um ser humano, por exemplo, seria a falta de uma capacidade natural da sua constituição, tal como a incapacidade de falar, de andar, de respirar adequadamente, de raciocinar etc. É no seio dessa espécie de vício intelectivo que se aponta a “relatividade” da prova do inquérito como uma pecha, como uma característica pejorativa, desvalorizadora. Na verdade, enquanto prova ou elemento probatório, tudo quanto produzido no Inquérito Policial somente poderia ter caráter “relativo”, tal qual ocorre com qualquer espécie de prova, inclusive aquelas produzidas em juízo. Toda prova é relativa e somente ganha força numa avaliação conjunta. Lembremos do chamado “limite probatório da unicidade” [26] que nos ensina que nenhuma prova isolada, nem mesmo a confissão, tem o condão de ser suficiente para um decreto condenatório. Somente se pode condenar alguém com base em um conjunto probatório coerente. Apontar a relatividade da prova do inquérito como uma espécie de limitação ou falha desta é não somente um erro jurídico, mas intelectual. Nem mesmo é viável hierarquizar a prova produzida no inquérito e a prova produzida em juízo, vez que não há espaço para a superada “Prova Tarifada”, vigorando hodiernamente o “Sistema do Livre Convencimento Motivado ou da Persuasão Racional”. [27] Nas palavras constantes do item VII da “Exposição de Motivos” do CPP, de autoria do Ministro Francisco Campos:
Todas as provas são relativas: nenhuma terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que a outra. Se é certo que o juiz fica adstrito à provas constantes dos autos, não é menos certo que não ficará subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material.
Com a devida noção da relatividade geral das provas e inspirado pelo costumeiro bom senso, assim se manifesta Noronha:
Qual o valor probatório do inquérito? Não obstante informar o processo e não obstante não ter a categoria de provas judiciais, quando há maiores garantias para o acusado, com a publicidade dos atos, a assistência de advogado etc., força é convir que o inquérito contém peças de valor probatório, quando regularmente realizadas, tais quais o auto de prisão em flagrante, os exames de corpo de delito etc.
Mas mesmo para outros atos, não há negar que eles concorrem para o conjunto probatório sobre o qual se firmará a livre convicção do juiz. Se um ladrão habitual confessa haver cometido um furto, se o objeto deste é encontrado em sua casa e se uma pessoa viu o transporte para esta, como se negar valor a sua confissão policial, somente porque em juízo ele negou a prática do crime, sem, contudo, explicar o transporte e a posse do objeto?
Cremos, pois, que, não obstante a natureza inquisitorial da investigação da Polícia, não se pode de antemão repudiar o inquérito, como integrante do complexo probatório que informará a livre convicção do magistrado. Claro que se a instrução judicial for inteiramente adversa aos elementos que ele contém, não poderá haver prevalência sua. [28]
Não é possível desqualificar o Inquérito Policial com relação ao seu valor probatório no Processo Penal, muito menos inadmitir que nele sejam produzidas “provas”. Por isso é escorreito o ensinamento de Marcão ao conceituar a prova no Processo Penal de forma abrangente:
“Em sentido estrito, prova é a informação ou conjunto de informações determinadas, trazidas aos autos em que materializada a persecução penal, por iniciativa do Delegado de Polícia, das partes no processo, pelo juiz ou por terceiros”. [29]
Frise-se que na atualidade os autos de Inquérito Policial compõem os autos do Processo em juízo. Há defesa por parte de alguns quanto à necessidade de uma separação desses autos e isso, inclusive, já foi aprovado na chamada Lei Anticrime (Lei 13.964/19), dando nova redação ao Código de Processo Penal, com a criação do artigo 3º. – C, § 3º., CPP, que manda separar os autos de investigação do processo, mantendo apenas as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas. Esse dispositivo, porém, está com vigência suspensa pelo STF, conforme decisão do Ministro Luiz Fux em cautelar nas ADIns n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, confirmada pelo Ministro Alexandre de Moraes no HC 195.807/STF.
Mas, ainda que venha a vigorar a separação dos autos, o Inquérito Policial continuará produzindo provas irrepetíveis em juízo, as quais têm enorme relevância probatória e não serão separadas. Além disso, conforme indicamos no início de nossas considerações, de uma forma ampla, a prova pode se dirigir não somente ao juiz, mas também a outros atores do Processo, com maior ou menor grau de “certeza” ou “convencimento”. Nesse passo, a formação da convicção do Ministério Público para denunciar ou promover o arquivamento dos autos, se dá com sustento em todas as diligências probatórias produzidas no bojo do Inquérito Policial, seja ele separado posteriormente ou não dos autos. Ainda que haja uma separação física ou virtual, ninguém poderá impedir as partes de terem acesso às peças do inquérito, que permanecerá como elemento de convencimento e, portanto, prova. Sob o prisma da defesa isso se torna ainda mais importante, pois que a absolvição sempre poderá ser fundamentada em qualquer elemento de convicção, inclusive pelo magistrado. Até mesmo para ensejar a resignação ou irresignação das partes com a decisão judicial, as provas são importantes e, nessa situação, se dirigem à acusação e à defesa e não do magistrado julgador, de modo que para a formação desse juízo quanto ao exercício ou não do duplo grau de jurisdição, a prova em geral, produzida no inquérito ou no processo, será útil. [30]
4 – CONCLUSÃO
Neste trabalho foi abordado o tema do valor probatório do Inquérito Policial no Processo Penal, apontando-se comuns equívocos da doutrina nacional quando da exposição desse tema, pretendendo sempre minimizar a relevância da fase investigatória da Persecução Penal.
Iniciou-se pela exposição do conceito e finalidade da prova, sendo demonstrado que a finalidade de convencimento e formação de “certeza” da prova é constitutiva de sua natureza substancial, de forma que toda atividade que busca o convencimento de um ator processual é atividade probatória, no mínimo, em um sentido amplo.
Assim sendo, não é possível jamais, em qualquer quadro de regras processuais (esteja o Inquérito Policial compondo ou não totalmente os autos de processo), desprezar o valor probatório do Inquérito Policial, seja em sua função de convencimento judicial ou de outros atores do processo, seja para a condenação ou absolvição do réu, para a interposição de recurso ou para a resignação com a decisão final. Ademais, o valor das provas do inquérito é realmente relativo, mas essa relatividade não é característica exclusiva sua e sim qualidade inerente a toda e qualquer prova, que deve sempre ser avaliada em um conjunto coerente e não isoladamente. É preciso urgentemente desmistificar os dois erros capitais repetidos à exaustão quanto ao Inquérito Policial, quais sejam, sua unilateralidade e sua “mera” informatividade. Daí é que nascem todos os demais equívocos jurídicos e até mesmo intelectivos no estudo ou talvez na falta de estudo devido desse instrumento tão importante da Persecução Penal.
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
VOEGELIN, Eric. Razão: A Experiência Clássica. Disponível em https://contraosacademicos.com.br/blog/eric-voegelin-razao-a-experiencia-classica/ , acesso em 28.06.2021.
ZANON, Raphael. A fase extraprocessual da persecução criminal: o inquérito policial e sua indispensabilidade para a propositura da ação penal. In: LEITÃO JÚNIOR, Joaquim (org.). Tratado Contemporâneo de Polícia Judiciária. Volume 2. Cuiabá: Umanos, 2020.
NOTAS
[1] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 26ª. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 480. O autor chama a atenção para o fato de que o juiz é o destinatário principal da prova, mas não o único.
[2] MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1996, p. 81.
[3] MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. Trad. Herbert Wüntzel Heinrich. Campinas: Bookseller, 1997, p. 55.
[4] PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado Teórico e Prático das Provas no Processo Penal. Trad. Leandro Farina. Campinas: Minelli, 2004, p. 29.
[5] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 411 – 412. Também aponta para as diversas acepções da palavra “prova” e a dificuldade de um conceito unívoco Dellepiani. Cf. DELLEPIANE, Antonio. Nova Teoria da Prova. Trad. Erico Maciel. Campinas: Minelli, 2004, p. 21 – 26.
[6] CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. 2º ed. Campinas: Russel, 2009, “passim”.
[7] GRECO FILHO, Vicente. Manaul de Processo Penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 219.
[8] FENECH, Miguel. El Proceso Penal. 4ª. ed. Madrid: AGESA, 1982, p. 107.
[9] MORAES, Bismael Batista de. O inquérito policial é o vilão no Direito brasileiro? São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais. N. 28, out./dez., 1999, p. 255 -264.
[10] VOEGELIN, Eric. Razão: A Experiência Clássica. Disponível em https://contraosacademicos.com.br/blog/eric-voegelin-razao-a-experiencia-classica/ , acesso em 28.06.2021.
[11] CARVALHO, Djalma Eutímio de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 40.
[12] Op. Cit., p. 40.
[13] O qual, diga-se de passagem, é Professor da Academia de Polícia Civil de São Paulo!
[14] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 119.
[15] Op. Cit., p. 119.
[16] BONFIM, Edilson Mougenot, Op. cit., p. 210.
[17] Cf. ZANON, Raphael. A fase extraprocessual da persecução criminal: o inquérito policial e sua indispensabilidade para a propositura da ação penal. In: LEITÃO JÚNIOR, Joaquim (org.). Tratado Contemporâneo de Polícia Judiciária. Volume 2. Cuiabá: Umanos, 2020, p. 147.
[18] ORWELL, George. Sobre a Verdade. Trad. Claudio Alves Marcondes. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 103.
[19] MARÍAS, Julián. Tratado Sobre a Convivência – Concórdia sem acordo. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23.
[20] CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Da Prova. In: GOMES, Luiz Flávio (org.). A Prova no Processo Penal. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 12.
[21] Op. Cit., p. 14.
[22] Op. Cit., p. 12.
[23] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 26ª. ed. São Paulo: Atlas,2018, p. 82 – 83.
[24] LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 74.
[25] MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 29.
[26] MALATESTA, Nicola Framarino Dei, Op. Cit., p. 497.
[27] Sobre os sistemas de apreciação da prova no processo penal, vide por todos: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 577 – 579.
[28] NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 19ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 23.
[29] MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 460.
[30] É explícito sobre o tema da destinação da prova não só ao juiz, mas às partes, Paulo Rangel: “Não podemos desconsiderar que as partes são também interessadas e, consequentemente, destinatárias indiretas das provas, a fim de que possam aceitar ou não a decisão judicial final como justa. A irresignação das partes em aceitar como expressão da verdade a decisão judicial fundamentada em determinado material probatório é que irá, em princípio, motivar o exercício ao duplo grau de jurisdição. Assim, primordialmente, as provas destinam-se ao Juiz e, secundariamente, às partes”. Cf. RANGEL, Paulo, Op. Cit., p. 480.