A lei 14.365/2022 foi publicada em 03.06.2022. Ainda que tenha alterado, em sua maior parte, dispositivos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOB, trouxe alterações no Código de Processo Penal e algumas repercussões no âmbito do Código Penal e da legislação especial criminal.
- A tutela de direitos estritamente pessoais
Como referido, a lei 14.365/2022 alterou dispositivos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994) e, dentre eles, o art. 28, que trata das incompatibilidades do exercício da advocacia, ainda que em causa própria. A partir de então, percebem-se reflexos no âmbito do inquérito policial e do processo judicial.
Nos termos do art. 28, a advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
I – chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;
II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1.127-8)
III – ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI – militares de qualquer natureza, na ativa;
VII – ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;
VIII – ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.
Com a Lei 14.365/2022, foi introduzido o § 3º ao art. 28 estabelecendo exceções às vedações constantes nos incisos V e VI, a saber:
§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados. – grifamos.
Os incisos V e VI, que foram ressalvados pelo § 3º, permitem que os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza e os militares de qualquer natureza, na ativa, possam advogar em causa própria, quando para fins de tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB.
Ressalte-se, a alteração legislativa, de forma alguma, permitiu a policiais e militares da ativa a possibilidade de cumular a advocacia com o exercício da função policial ou militar de forma irrestrita. Aqueles exercentes da atividade policial ou militar da ativa somente poderão advogar em causa própria, sendo vedado o patrocínio de defesa ou tutela de direitos em favor de terceiros, o que constitui função destinada à advocacia. O mesmo § 3º enfatiza que a atuação é permitida estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais.
Os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial são os policiais civis, policiais federais, rodoviários federais, policiais penais (EC 104/2019) policiais legislativos e guardas municipais.
Em relação aos militares de qualquer natureza, na ativa, tem-se os policiais militares, bombeiros militares e os militares das Forças Armadas.
Em princípio, o dispositivo não trouxe nenhuma limitação quanto à matéria ou instância em que advocacia em causa própria é permitida aos ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial e ao militar de qualquer natureza da ativa.
Neste sentido, são possíveis duas interpretações:
a) os legitimados poderão defender seus interesses pessoais no âmbito administrativo, cível e criminal, desde que relacionados ao exercício da função. Assim, exemplificativamente, o policial que estiver sendo demandado por danos patrimoniais ou morais em razão de atos praticados no exercício da função poderá promover a tutela de seus interesses estritamente pessoais em no âmbito administrativo ou judicial. De outro lado, caso seja demandado por um empregado, constitui privilégio irrazoável compreender que o objetivo da alteração legislativa seja o de permitir que o policial promova a sua própria defesa trabalhista, por ausência de discrímen justificável em relação a outros profissionais a quem a vedação permanece.
b) a legitimidade conferida pela lei é ampla, não havendo limitação quanto à matéria ou âmbito de atuação. Assim, esses legitimados poderão tutelar seus interesses pessoais de natureza cível, penal, trabalhista, por exemplo, não se limitando à proteção de interesses decorrentes do exercício da profissão. Poderão também atuar tanto na esfera administrativa quanto judicial, desde que na tutela, estritamente, de direito próprio.
Em qualquer hipótese, a possibilidade de atuação em causa própria é admitida somente aos que possuem aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, ou seja, aos licenciados em razão da função pública, e aos que, uma vez empossados sem nunca ter obtido a aprovação no exame da Ordem, se submeterem às respectivas provas e forem aprovados.
2. A repercussão no âmbito do Código de Processo Penal
2.1 Nova hipótese de autodefesa para servidores vinculados às instituições do art. 144 da CF
É importante referir que, não obstante a advocacia em causa própria para policiais e militares da ativa seja regulamentada no Estatuto da OAB, há reflexos diretos em regras defensivas previstas no processo penal.
No âmbito do inquérito policial, a alteração legislativa no Estatuto amplia as possibilidades defensivas policiais civis e militares da ativa quanto a fatos relacionados ao exercício da função, reforçando a matriz inaugurada pelo art. 14-A e parágrafos do CPP, incluído pela Lei 13.964/2019. Estabelece o dispositivo que
“casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.” – grifamos
Na mesma linha, estabelece o art. 14-A, § 1º que o investigado será citado da instauração de procedimento investigatório podendo constituir defensor no prazo de até 48 horas a contar do recebimento da citação. Uma vez esgotado esse prazo e sem a nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado à época dos fatos, para que essa, no prazo de 48 horas, indique defensor para a representação do investigado, conforme art. 14-A, § 2.º. Em complemento, o § 3º do mesmo artigo assevera que a indicação de defensor caberá preferencialmente, à Defensoria Pública, tocando à instituição a que vinculado à época dos fatos o servidor, a custa de orçamento próprio, o patrocínio da causa na hipótese de não atuação da Defensoria Pública.
Com a exceção promovida no Estatuto da OAB, os servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal, para além contarem com o patrocínio da Defensoria Pública ou de sua própria instituição para a defesa quanto a fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, poderão, querendo, atuar em causa própria, constituindo hipótese de autodefesa técnica, desde que observada a inscrição especial prevista no art. 28, §§ 3º e 4º do Estatuto.
Perceba-se, que a Lei 14.365/2022 permite a promoção da autodefesa técnica pelos agentes do art. 142 e 144 da Constituição Federal sobre fatos criminais que, inclusive, não estejam relacionados ao uso letal da força e no exercício da função, como em casos de suposto abuso de autoridade. Assim, tem-se uma regra específica para a instituição de defesa técnica nos casos de uso letal da força por agentes vinculados às instituições dos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, prevista no art. 14-A, CPP, e uma regra geral que permite a autodefesa técnica para os demais casos.
Neste aspecto, a Lei 14.365/2022 traz a possibilidade de que ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza, e os militares de qualquer natureza, na ativa, possam, no âmbito de inquéritos policiais, sindicâncias, processos administrativos e disciplinares e judiciais, para além de autodefesa oral, que se efetiva por meio de interrogatório, realizem a autodefesa técnica, peticionando, requerendo diligências e produção de provas, respeitadas as peculiaridades quanto ao contraditório e à ampla defesa inerentes a cada procedimento, além de patrocinar a defesa e tutela de interesses estritamente pessoais.
2.2 O sigilo na cadeia de custódia
A cadeia de custódia consta regulamentada no art. 158-A do Código de Processo Penal, alterado pelo Pacote Anticrime (Lei. 13.964/2019).
A cadeia de custódia consiste em um procedimento segmentado em etapas, cada uma com suas finalidades, de modo que seja preservado o vestígio desde a sua identificação até o descarte.
Dentre essas etapas, consta a do reconhecimento, que é o ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial (art. 158-B, I, CPP) e a da fixação, que envolve a descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito.
Ocorre que nem todos os vestígios ou objetos apreendidos serão, necessariamente, objeto de perícia, o que não importa dizer que estão imunes a uma controlabilidade da origem da fonte de prova e do seu manuseio até que esteja à disposição daquele que realizará o seu exame, que poderá ser o perito, o juiz ou mesmo as partes.
A depender dos objetos que serão apreendidos na diligência de busca e apreensão, poderá ser inviabilizada individualização, in locu, dos elementos de interesse da investigação daqueles que não o são. Nesses casos, costuma-se realiza-se a apreensão de um determinado conjunto de elementos, como documentos e mídias, para posterior análise pelos investigadores.
Para essas situações em que a busca e apreensão seja realizada no escritório de advocacia, o art. 7º, § 6º – D do Estatuto da OAB estabeleceu que no caso de inviabilidade técnica quanto à segregação da documentação, da mídia ou dos objetos não relacionados à investigação, em razão da sua natureza ou volume, no momento da execução da decisão judicial de apreensão ou de retirada do material, a cadeia de custódia preservará o sigilo do seu conteúdo, assegurada a presença do representante da OAB, nos termos dos §§ 6º-F e 6º-G deste artigo.
A regra possui o objetivo de evitar o vazamento de informações sobre o teor de documentos em geral apreendidos quando da execução de busca e apreensão em escritório de advocacia, antes que se avalie a sua relação com a investigação ou o processo criminal. É que em razão de uma busca e apreensão em que não foram individualizados os elementos vinculados a determinada investigação, as autoridades investigantes terão conhecimento de assuntos acobertados pelo sigilo profissional existente entre o advogado e terceiros alheios ao objeto da persecução, havendo invasão à sua privacidade. Portanto, a fim de proteger a privacidade e a relação de boa-fé que rege a atividade do advogado e do seu cliente alheio ao caso criminal, é que deve ser assegurado o necessário sigilo.
Preservado, portanto, o direito à intimidade de terceiros que não se relacionam com a persecução em concreto, cabe à autoridade investigante avaliar se divulga ou não o teor de documentos e demais informações obtidas por meio da diligência, tudo sob sua responsabilidade. Não há que se entender, dessa forma, que a previsão legal tenha determinado qualquer espécie de sigilo absoluto quanto ao conteúdo do material apreendido, havendo que se realizar, com razão, um exame de pertinência em relação ao objeto da investigação criminal.
2.3 Da suspensão de prazos processuais
A Lei 14.365/2022 inseriu o art. 798-A ao CPP, estabelecendo a suspensão de prazos processuais no período que estabelece, bem como prevê exceções à suspensão:
Art. 798-A Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, salvo nos seguintes casos:
I – que envolvam réus presos, nos processos vinculados a essas prisões;
II – nos procedimentos regidos pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);
III – nas medidas consideradas urgentes, mediante despacho fundamentado do juízo competente.
Parágrafo único. Durante o período a que se refere o caput deste artigo, fica vedada a realização de audiências e de sessões de julgamento, salvo nas hipóteses dos incisos I, II e III do caput deste artigo.
O denominado período de recesso forense determina uma pausa em determinadas atividades da Justiça brasileira, algo já tradicional, mas que observa exceções devido a situações consideradas urgentes.
A situação de réus presos (art. 798-A, I, CPP) e, de modo geral, relacionadas à prisão, não se suspendem, dada a importância inerente ao direito de fundamental à liberdade. Assim, processos de conhecimento em que haja réu segregado, bem como os processos no campo da execução penal, possuem normal tramitação no período previsto na norma.
Na mesma linha, os procedimentos relacionados à Lei Maria da Penha mereceram atenção do legislador (art. 798-A, II, CPP), especialmente quando presente a necessidade de medidas protetivas. A exceção guarda conformidade com o espírito protetivo do sistema de justiça que, considerada a necessária celeridade na adoção de providências para a tutela da mulher vítima de violência doméstica e familiar, admite laudos e prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde como forma de demonstrar a materialidade delitiva (art. 12, § 3º da Lei 11.340/2006), bem como determina a priorização da realização do exame de corpo de delito (art. 158, parágrafo único, inciso I, CPP).
As medidas consideradas urgentes também tramitam normalmente durante o período de recesso (art. 798-A, III, CPP), sendo assim consideradas as que constituem medidas cautelares diversas da prisão, medidas cautelares probatórias e, especialmente, os meios especiais de obtenção de prova, demonstrados o fumus comissi delicti e o periculum in mora. Na mesma linha, preserva-se a tramitação de procedimentos e processos que possuem como objeto medidas cautelares prisionais, como a prisão temporária e preventiva, comprovadas as suas hipóteses de cabimento e, em especial, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
3. Os reflexos no Código Penal e na Legislação Especial
3.1 Reflexos no Código Penal
A Lei 14.365/2022 inseriu o § 6-I no art. 7º do Estatuto da OAB, conforme segue:
§ 6º-I. É vedado ao advogado efetuar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente, e a inobservância disso importará em processo disciplinar, que poderá culminar com a aplicação do disposto no inciso III do caput do art. 35 desta Lei, sem prejuízo das penas previstas no art. 154 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
Estabeleceu-se, no campo criminal, a responsabilização do advogado que firmar acordo de colaboração premiada contra quem tenha sido ou seja seu cliente.
Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa de um conto a dez contos de réis.
É importante referir que não incide no tipo penal o advogado que celebrar acordo de colaboração premiada contra aquele que nunca foi seu cliente, situação não prevista pelo art. 7º, § 6º-I.
A infração penal, processável mediante representação (art. 154, parágrafo único, CP) do ofendido, é considerada infração de menor potencial ofensivo, cabendo transação e suspensão condicional do processo.
Outro ponto modificado pela lei em exame diz respeito ao crime de violação de direito ou prerrogativa de advogado, incluído na EOAB pela Lei 13.869/2019. Os direitos e prerrogativas nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º do EOAB, quando violados, acarretavam pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa. A partir da Lei 14.365/2022, a pena foi modificada, passando para de detenção de 2 a 4 anos, e multa.
Assim, o delito deixa de ser de menor potencial ofensivo, impedindo a aplicação de institutos despenalizadores como a suspensão condicional do processo e a transação penal. A alteração constitui novatio legis in pejus, aplicando-se somente a fatos praticados a partir da sua vigência.
3.2 Reflexos na Legislação Especial
O mesmo art. 7º, § 6-I do Estatuto da OAB proibiu a celebração do acordo de colaboração premiada por advogado, contra quem foi ou é seu cliente.
A ética que norteia a atuação da advocacia impõe tratamento diferenciado aos advogados no campo probatório, em nome da preservação do sigilo profissional e, com isso, da relação de confiança entre o causídico e seu patrocinado.
Ao mesmo tempo em que o Código de Processo Penal, ao regulamentar a prova testemunhal, confere aos familiares a possibilidade de o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, se recusar a depor (art. 206, CPP), salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias, determina a proibição de depor às pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207, CPP)
Os advogados, por regra especial prevista no Estatuto da OAB, possuem a prerrogativa de recusar-se a depor, ainda que desobrigados por seus patrocinados, sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional (art. 7º, XIX da Lei 8.906/1994).
Com a edição da Lei 14.365/2022, estabelece o art. 7º, § 6º, I do Estatuto da OAB, a vedação de o advogado efetuar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente, e a inobservância disso importará em processo disciplinar, que poderá culminar com a aplicação do disposto no inciso III do caput do art. 35 desta Lei, sem prejuízo das penas previstas no art. 154 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Portanto, segundo a nova disposição legal, o advogado não poderá ser colaborador e, com mais ênfase, delator, de quem tenha sido ou seja seu cliente, influenciando na dinâmica da Lei 12.850/2013 e nas demais hipóteses em que se admite o instituto da colaboração premiada (ex: lei de drogas, de lavagem de capitais).
Sobre o assunto, também extraímos, pelo menos, duas interpretações.
a) norma é plenamente válida, retirando-se do advogado a possibilidade de revelar fatos de que teve conhecimento em razão do exercício da função. A norma visa a proteger a confiança depositada no causídico e, em última análise, na advocacia. Além disso, aplicando-se a analogia, as testemunhas que em razão da sua profissão devem guardar sigilo, estão proibidas de depor, salvo quando desobrigadas pela parte interessada e quiserem dar o seu testemunho (art. 207, CPP). Assim, como o advogado possui o dever de sigilo em razão da sua profissão e, como regra, não é desobrigado pelo seu cliente para contra ele depor e fazer prova, ainda que a situação não se situe no âmbito do testemunho, também estaria impedido de firmar o acordo de colaboração premiada.
b) a norma é inconstitucional por ferir o princípio da igualdade, da paridade de armas, da liberdade das provas e da ampla defesa. É a corrente que defendemos. O advogado colaborador, antes de tudo, confessa a prática de um delito em troca de benefícios legais, em claro e irrefutável exercício da ampla defesa.
Se para todas as pessoas é reconhecida a colaboração como possibilidade de, antevendo vantagens e desvantagens, traçar a melhor estratégia defensiva que lhe aprouver, fere de morte o princípio da igualdade impedir que o advogado possa se valer do mesmo acordo. Na mesma linha, ainda que se admita que a norma visa a tutelar o cliente e a confiança que depositou em seu advogado, não custa lembrar que o inverso não ocorre, pois o cliente-colaborador poderá delatar seu advogado. Se assim for possível, o cliente será beneficiado pela colaboração, enquanto o advogado não poderá fazê-lo, em evidente tratamento desigual.
Além disso, o cliente beneficiado pela vedação de seu advogado firmar colaboração premiada que possa o incriminar está, de modo indireto, a se escudar em prerrogativas concedidas à advocacia para o exercício regular de uma função essencial à Justiça, o de prestar assistência jurídica. Quem foi ou é cliente do advogado, estaria se beneficiando com o fato de ter escolhido um causídico como comparsa para suas empreitadas criminosas, o que não nos parece ter sido o objetivo da norma.
Na mesma linha, a restrição imposta aos advogados em firmar o acordo de colaboração também retira do Estado a possibilidade de lançar mão, ex ante, deste eficiente meio especial de obtenção de prova no combate às estruturas criminosas organizadas, o que ofende o princípio da paridade de armas e da proteção eficiente de bens jurídicos.
Assim, em razão do princípio da liberdade das provas, da paridade de armas, da isonomia e da ampla defesa, entendemos inconstitucional a vedação de celebração do acordo de colaboração premiada, devendo ser considerados válidos todos os elementos de prova e informações fornecidos por ocasião do acordo firmado pelo advogado-colaborador.
Nada impede, contudo, que a OAB proceda à apuração disciplinar da conduta do advogado que, segundo as diretrizes da autarquia especial, possa ter violado dever ético de sigilo com a formalização do acordo de colaboração premiada. Como se vê, as alterações produzidas pela Lei 14.365/2022 acabaram por surtir efeitos em diferentes ramos do Direito, demonstrando a importância de uma interpretação sistemática.