Em 2021 o STJ afetou para julgamento na sistemática dos recursos especiais repetitivos o Tema 1.124, cuja tese jurídica originária era a seguinte:
Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.
O julgamento do tema, inicialmente pautado para 22.5.2024, foi suspenso e precedido por questão de ordem, na qual se aprovou a alteração da tese que será posteriormente debatida e fixada, a qual passou a ser a seguinte:
Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.
Como se vê, houve o acréscimo do seguinte tópico à ementa do Tema 1124: “Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários”.
Ou seja, à questão inicial de mérito, relativa à fixação do termo inicial dos efeitos financeiros da implementação do benefício previdenciário obtido a partir de novos elementos de prova (a partir do requerimento administrativo ou da data da citação da autarquia previdenciária?), agregou-se o debate a respeito da configuração do interesse processual.
O primeiro ponto que deve ser ressaltado neste quadro é a possibilidade de o STJ pode realizar esse movimento processual.
Com efeito, o STJ, no julgamento dos recursos especiais repetitivos e formulação de teses jurídicas dotadas da qualidade de precedentes qualificados (artigos 926 a 928 do CPC/2015), não se encontra completamente “preso” ao paradigma processual clássico de adstrição ao pedido, que é mais vinculado à perspectiva das lides individuais (Caio x Tício).
No julgamento dos recursos especiais repetitivos, conforme construção histórica realizada desde 2009, ainda sob a égide do CPC/1973, importa menos o desdobramento do caso concreto e muito mais o estabelecimento da tese jurídica que repercutirá efeitos nos demais processos que tratem do mesmo tema.
Essa compreensão é reforçada pelo artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece o papel constitucional do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Ou seja, o STJ é o Tribunal superior que possui a missão constitucional de definir a correta interpretação da legislação federal infraconstitucional. Já tivemos oportunidade de explicitar esse papel diferenciado do STJ e do STF em nossa obra Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, que redigimos em coautoria com o professor Denis Donoso:
“O STF e o STJ são Tribunais com função diferenciada das demais instâncias jurisdicionais.
Além de competências originárias e recursais bem específicas, compete ao primeiro a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF), que é exercida através do controle de constitucionalidade concentrado (por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, etc.) ou difuso (através do recurso extraordinário); cabe ao segundo a uniformização da interpretação e preservação da legislação infraconstitucional (papel que decorre da hermenêutica do art. 105, III, da CF), através do julgamento do recurso especial.”
Com esse escopo, compreendemos que pode esse Sodalício, no exercício de sua função hermenêutica diferenciada, alterar a tese jurídica que será tratada no âmbito dos recursos especiais repetitivos, ainda que o tema já tenha sido objeto de manifestação pelas partes e apresentação de razões pelos amici curiae.
Não custa lembrar que o STJ poderá, até mesmo, operar à alteração das teses jurídicas já fixadas no âmbito dos recursos especiais repetitivos, através do mecanismo conhecido como overruling.
Por todos estes argumentos, compreende-se que não há qualquer descabimento nesta conduta processual adotada pelo STJ no bojo do Tema 1.124.
Todavia, e especialmente por influência do princípio do devido processo legal, consideramos que é necessário, legítimo e democrático franquear nova possibilidade de manifestação processual aos diversos atores processuais que atuaram como amicus curiae no debate em torno do Tema 1124.
Ademais, essa interpretação encontra espeque no art. 927, § 2º, do CPC:
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
Consideramos que tal reabertura para participação social na formação dessa tese jurídica vinculante pode ocorrer na própria sustentação oral a ser realizada na sessão de julgamento do Tema 1124 ou, quiçá, a partir da apresentação de memoriais complementares aos Ministros do STJ.