Introdução
A Lei nº 15.134, publicada em 6 de maio de 2025, é inovação legislativa que buscar assegurar maior proteção aos membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e da Advocacia Pública, e oficiais de justiça, por meio do recrudescimento de penas para crimes dolosos contra a vida e integridade física desses agentes, classificando algumas destas hipóteses como crime hediondo, além de prever algumas medidas de proteção física e institucional. No entanto, a partir dos vetos presidenciais impostos – e seus fundamentos – são suscitados debates sobre os limites da proteção institucional, a isonomia entre servidores públicos e os riscos de afronta à separação de poderes.
Este artigo analisa as mudanças introduzidas pela lei e os vetos impostos pela Presidência da República, bem como as consequências em um e em outro caso, à luz do direito penal constitucional.
As Disposições Normativas Promulgadas e suas Inovações
A Lei 15.134/2025 altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) e a Lei que trata de processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas (Lei nº 12.694/2012).
Inicialmente, as alterações na norma penal material se limitam à previsão de circunstâncias legais que promovem o aumento de pena, seja na elevação da moldura penal por meio de qualificadoras, seja com a inclusão de nova causa de majoração na terceira fase do cálculo da dosimetria penal.
Assim, no caso de crime cometido contra membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, ou oficial de justiça, há, agora, a tipificação de homicídio qualificado (Art. 121, § 2º, VII, “b”, CP), de natureza objetiva, que altera a pena para 12 a 30 anos de reclusão, no lugar da pena do homicídio simples de 6 a 20 anos.
A redação dada pelo legislador traz uma alteração que se reveste de solução normativa para o problema que havia na leitura e interpretação de norma semelhante dirigida aos agentes de segurança, ao não incluir o termo “consanguíneo”, como feito com a lei ei nº 13.142/2015. atualmente a letra “a” do mesmo incido VII do art. 121, § 2º.
Explica-se.
Na redação da letra agora renomeada “a”, há referência à “parente consanguíneo até o terceiro grau” dos agentes das forças de segurança, o que poderia causar problemas como exclusão filhos adotivos do âmbito de proteção da norma de, caso a interpretação se fosse levada a literalidade.
Logicamente, a questão é resolvida com uma interpretação constitucional a partir do art. 227, §6º, que determina que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
A nova disposição, ao dispor que se aplica inclusive à “parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau” dos membros das Instituições do Sistema de Justiça, foge da problemática da redação anterior, porém amplia o rol de parentes “aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro” (art. 1.595,§1º, CC) até o terceiro grau, ou seja, bisavós ou bisnetos do companheiro ou cônjuge.
Relativamente ao crime de lesão corporal dolosa, a nova norma inclui uma causa de aumento de pena, na terceira fase da dosimetria, que amplia a pena de 1/3 a 2/3, (Art. 129, § 12, II, CP), nas mesmas hipóteses da circunstância qualificadora comentada anteriormente.
Quanto às alterações na lei dos Crimes hediondos (Lei 8.072/1990), há a inclusão dos crimes de lesão corporal gravíssima e lesão seguida de morte no rol, quando estiverem presentes as hipóteses do §12, do art. 129. Quando ao homicídio qualificado tratado anteriormente, este já estava incluído na redação referenciada do inciso VII do art §2º do art. 121.
Quando às alterações promovidas no art. 9º da Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, estão a inclusão de medidas de proteção pessoal dos membros do Sistema de Justiça, no que refere a: reforço de segurança orgânica; escolta total ou parcial; colete balístico e veículo blindado.
Também são previstos instrumentos de política institucional que devem ser dirigidos à proteção pessoal do membro, por óbvio sendo vedada a sua utilização em contextos diversos. São elas a remoção provisória e a possibilidade de realização do trabalho de forma remota.
Quando ao primeiro dos instrumentos institucionais, vê-se criada uma nova forma de remoção, ainda a ser disciplinada internamente pelo poder Judiciário, Ministério Público e Defensorias Públicas. O que se pode refletir de início é que deve ser forma voluntária de remoção, uma vez que depende de “provocação do próprio membro do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria Pública ou do oficial de justiça”, não devendo ser aplicada a norma do art. 93, VIII, CRFB.
Todas essas medidas de proteção devem ser custeadas pelo estado, uma vez que a tentativa de ou efetiva violação ao membro da carreira jurídica ocorre em no exercício da função ou em decorrência dela
Problemas Verificados na Nova Lei
Reitera-se posicionamentos anteriores de que o recrudescimento penal, como novos tipos, multiplicação de qualificadoras, causas de aumento ou rigidez na execução não tem logrado responder aos anseios confessados de diminuição da criminalidade e aumento da sensação de segurança na sociedade.
Uma crítica a ser feita à norma, é a de excluir os advogados, também carreira essencial à administração da Justiça (art. 133, CRFB) e alvos frequentes de violências, como nos casos ocorridos na Bahia[i], Goiás[ii], Rio de Janeiro[iii] e Ceará[iv].
Um problema redacional constante na parte do texto dos dispositivos incluídos nos arts. 121 e 129 do Código Penal, está na parte do trecho que se refere aos “arts. 131 e 132 da Constituição Federal,”, pois a Defensoria Pública e seus membros são referidos apenas no art. 134 da Carta Constitucional. Embora de baixa técnica legislativa, o equívoco não prejudica o entendimento e aplicação da norma.
Uma questão sobre a qual poderá ainda haver debate é a de que esta nova hipótese de remoção de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria Pública é realizada por meio de lei ordinária, cuja iniciativa se deu no âmbito da Câmara dos Deputados, pelo deputado Evandro Rogério Roman, que apresentou o PL 4015/2023.
Tal procedimento legislativo pode afrontar diretamente disposições constitucionais inscritas no art. 93, caput, que dispõe que o Estatuto da Magistratura será regido por Lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal; art. 128, §5º que prevê que “leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público”; e art. 134, §1º, que dispõe que “Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira”.
Há, ainda, o descompasso entre a ementa da nova lei e seu conteúdo, uma vez que foram vetadas as partes que se referiam às alterações na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Esse é um problema que recorrentemente sucede quando do veto de trechos de leis, hipótese em que deveria haver a possibilidade de reestruturação da ementa em razão dos vetos. Logicamente, uma vez derrubados os vetos ou parte deles, uma nova redação poderia ser dada novamente à ementa.
Os Vetos Presidenciais e suas Razões
A mensagem de veto (Mensagem nº 552/2025) justifica a rejeição de dispositivos com base na tanto na inconstitucionalidade quanto na contrariedade ao interesse público.
Dentre as disposições vetadas estão o reconhecimento de atividade de risco permanente, (Art. 1º e Art. 2º), sob o argumento de que tal definição, quando se dá independente de efetiva comprovação, “contraria o interesse público pois ofende o princípio da isonomia em relação aos demais servidores públicos, e incorre em insegurança jurídica em relação à extensão de seus efeitos.”
A fundamentação utilizada pela Presidência guarda em si uma incoerência, tendo em vista que apenas as carreiras dos membros de Instituições Públicas Essenciais à Justiça, ao lado das carreiras das forças de segurança, foram incluídas no agravamento de pena no Código Penal e consideradas como hediondos, independentemente de atuação na seara penal ou extrapenal, embora para a sua aplicação o risco deva ter sido concretizado com o reconhecimento da materialidade do crime.
Ao que parece, a segurança jurídica os possíveis efeitos que teme o Governo devem ser de ordem financeira, com a possibilidade de criação de verba destinada à adicionais de periculosidade.
Quanto aos vetos impostos ao inciso I do art. 4º (confidencialidade de informações pessoais e de familiares), art. 9º (tratamento de dados pessoais dos membros das carreiras citadas), art. 10 (previsão de pena de multa em caso de infração praticada em detrimento de dados pessoais dos membros), a Presidência entendeu que “os dispositivos contrariam o interesse público” e que a norma em vigor aplicável “já confere proteção suficiente em relação aos dados pessoais de agentes públicos!. O veto revela, ainda, certo temor de que ”os dispositivos propostos poderiam implicar a restrição da transparência, e da possibilidade de fiscalização dos gastos públicos”
Ademais, embora se fundamente na defesa da autonomia e independência do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como na contrariedade ao interesse público por prever a alocação prioritária e imediata de policiais para realizar a proteção dos profissionais, as razões lacônicas do veto desconsideram que o requerimento previsto no art. 5º pode e deve ser feito pelas próprias instituições, como ocorre em relação ao defensor público federal (art. 8º, XIX, Lei Complementar 80/1994) e que há interesse público na continuidade da prestação jurisdicional, que depende da atuação independente e ininterrupta dos membros das carreiras.
Por fim, há uma gravíssima questão quanto ao veto oposto ao art. 8º, na parte em que acrescenta o § 2º-A ao art. 9º da lei que trata de processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas (lei 12.694, de 24 de julho de 2012), pois as razões expostas pela Presidência da República revelam ou uma ausência de fundamentação idônea ou mesmo erro de fundamentação.
De fato, a Presidência decidiu por vetar com base do argumento de que “a alocação prioritária e imediata de policiais civis e federais para realizar proteção dos profissionais poderia impactar o quantitativo da força policial destacado para as demais atividades de segurança pública.”
Ocorre que a disposição vetada do projeto aprovado se referia à previsão de recurso administrativo no caso de negativa de adoção de providências para a proteção aos membros, inclusive em das hipóteses que o recurso seria ao superior hierárquico dentro da estrutura administrativa da polícia, inexistindo qualquer relação com as razões de veto expostas.
Conclusão
Analisando sob a perspectiva de exacerbação punitivista, cuja eficácia ainda não foi demonstrada, ao revés, não logra obter diminuição de criminalidade ou mesmo da sensação de segurança, a Lei 15.134/2025 acerta ao incluir operadores do sistema de justiça no regime de proteção penal reforçada, especialmente das carreiras da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, que em razão de suas atribuições tem risco cada vez mais acrescido em sua atuação. Lamenta-se, por outro lado, a ausência de qualquer referência à Advocacia Privada, essencial à administração da Justiça e igualmente submetida aos infortúnios do perigo da atividade profissional.
A qualificadora e a majoração penal incluídas pela nova lei são, na verdade, simbolicamente relevantes, mas sua eficácia prática é questionável. Como já apontado em outros escritos, o aumento de penas não reduz a criminalidade por si só, sendo essencial associá-lo a políticas de prevenção e investigação eficazes.
O grande desafio será implementar as medidas de proteção sem os instrumentos vetados, em especial as atuações em territórios violentos, o que exige não apenas leis penais, mas orçamento para medidas como escoltas e remoções temporárias.
Assim, a efetividade da lei dependerá de diálogo entre Poderes, com base em evidências e produção de informação detalhada sobre estatísticas de ataques e fixação de critérios objetivos para definir o grau de risco a que está submetido o membro das Instituições essenciais à Justiça.
[i] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2025/04/21/advogado-e-encontrado-morto-em-salvador.ghtml
[ii] https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2024/03/06/ofensas-e-agressoes-oab-entra-na-justica-contra-as-forcas-de-seguranca-de-goias-para-denunciar-violencia-contra-advogados.ghtml
[iii] https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/04/6848673-advogado-foi-morto-no-rj-por-atrapalhar-quadrilha-de-apostas-online-diz-mp.html
[iv] https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/05/05/advogado-conselheiro-da-oab-e-morto-a-tiros-em-fortaleza.ghtml