Segundo o disposto no art. 478 do CPP, durante os debates no julgamento dos crimes dolosos contra a vida as partes não podem fazer referências: a) à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; b) ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
A justificativa para a inserção deste dispositivo no Código de Processo Penal é a garantia de um julgamento mais afeito à prova, no qual os jurados atentam ao que de fato interessa e não a aspectos incidentais, como, por exemplo, ao fato de o réu se achar algemado ou ter se mantido em silêncio quando do interrogatório.
Há quem sustente que a proibição se estende a outros temas que não apenas aqueles relacionados no dispositivo. É a lição de Gustavo Henrique BadaróProcesso Penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012, p. 510, para quem “se a leitura do decreto de prisão preventiva ou da folha de antecedentes for feita com o objetivo de extrair uma ‘presunção de culpa’, haverá indevida influência no julgamento dos jurados e eventual veredicto condenatório será nulo. O art. 478 não constitui uma hipótese de numerus clausus. Não será apenas, única e exclusivamente, com essa finalidade que os jurados serão influenciados. Qualquer outra linha argumentativa, com finalidade persuasiva, mas que possa induzir o jurado a erro, implicará nulidade de julgamento. A diferença é que, nas hipóteses dos incisos I e II do novo art. 478, demonstrada a situação de base – o acusado foi pronunciado, ou o acusado está algemado, ou, ainda, o acusado permaneceu em silêncio, o que indica que seja culpado –, haverá nulidade, posto que o legislador, previamente, considera que neste caso haverá evidente prejuízo. No entanto, em qualquer outra hipótese, desde que se demonstre concretamente que linhas argumentativas seguidas pelas partes efetivamente influenciaram, de forma indevida e falaciosa, o convencimento dos jurados, a nulidade também será de se reconhecer. Aliás, mesmo antes do novo dispositivo, era isso o que a jurisprudência fazia no tocante a indevido argumento de presunção de culpa a partir da ‘periculosidade’ do acusado que estivesse algemado”.
Mas, a nosso ver, se o legislador relacionou os temas que não podem ser suscitados em plenário, o impedimento vigora somente em relação a eles. Quisesse estender a limitação a outras situações (leitura do decreto de prisão preventiva ou da folha de antecedentes, por exemplo), tê-lo-ia feito expressamente. Ou, então, teria proposto uma cláusula aberta para a análise de cada situação, sem especificar os casos de pronúncia, decisões posteriores, algemas e silêncio do réu. A norma restritiva deve ser interpretada de forma contida.
Além disso, as próprias características do julgamento em plenário evidenciam a enorme dificuldade prática em disciplinar os trabalhos limitados por normas que censuram o discurso, já que o juiz permanece constantemente preocupado em reprimir a sustentação oral das partes, amordaçando sua argumentação em franca violação aos princípios da ampla defesa e da ampla acusação e em detrimento do debate, que representa a verdadeira alma do Júri.
Tendo em vista, portanto, que o art. 478 do CPP apresenta um rol taxativo (ainda assim criticável) de limitações ao discurso no plenário, a menção à folha de antecedentes do acusado não provoca nulidade. É o que vêm decidindo a 5ª e a 6ª Turmas do STJ:
“1. De acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça o rol do art. 478 do CPP é taxativo. 2. Nessa linha, esta Corte Superior, também, decidiu que a referência feita pelo Parquet durante os debates no julgamento perante o Tribunal do Juri, dos antecedentes do réu, não se enquadra nos casos apresentados pelo art. 478, incisos I e II, do Código de Processo Penal, inexistindo óbice à sua menção por quaisquer das partes (HC n. 333.390/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta turma, julgado em 18/8/2016, DJe 5/9/2016). 3. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1.815.397/RS, 5ª Turma, j. 18/06/2019).
“[…] 2. Constatada que a decisão do Conselho de Sentença veio lastreada em vasto conjunto probatório, especialmente colhido em prova oral, inexistindo, assim, comprovação de que os antecedentes criminais do agravante tenham efetivamente corroborado para o veredicto, não há que se falar em nulidade do julgamento pelo Tribunal do Júri. 3. In casu, a referência feita pelo Parquet durante os debates no julgamento perante o Tribunal do Juri, dos antecedentes do réu, não se enquadra nos casos apresentados pelo art. 478, incisos I e II, do Código de Processo Penal, inexistindo óbice à sua menção por quaisquer das partes. 4. Habeas corpus não conhecido” (HC 333.390/MS, 6ª Turma, j. 18/08/2016).
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