Informativo: 668 do STJ – Direito Penal
Resumo: O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais.
Comentários:
O Decreto-lei 3.688/41 pune, no art. 19, a conduta de trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade.
O dispositivo não especifica a natureza da arma que o agente deve trazer consigo para que se caracterize a contravenção. Tratando-se de arma de fogo, obviamente esta infração cede seu lugar à Lei 10.826/03, que trata do porte ilegal em dois dispositivos, conforme a arma seja de uso permitido, restrito ou proibido (arts. 14 e 16). Conclui-se, portanto, que a contravenção pode abranger somente as denominadas “armas brancas”, assim consideradas tanto as próprias, como facas, punhais e espadas, quanto as impróprias, que, embora não produzidas com a finalidade de ataque, podem ser utilizadas com eficácia para esse fim, como machados e martelos, por exemplo.
Mas há controvérsia a respeito da vigência do art. 19 também para punir o porte de arma branca. Recentemente, o STJ decidiu que a punição é plenamente possível:
“Como cediço, em relação às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei n. 9.437/1997, que, por sua vez, também foi revogado pela Lei n. 10.826/2003. Assim, o porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, infração aos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida.
Entrementes, permaneceu vigente o referido dispositivo do Decreto-lei n. 3.688/1941 quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.
Desse modo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-lei n. 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade” (RHC 56.128/MG, j. 10/03/2020).
No entanto, para Guilherme de Souza Nucci o dispositivo não tem eficácia em nenhuma situação, pois a utilização de armas brancas não é regulamentada por lei, o que torna impossível que alguém consiga uma licença da autoridade e que, portanto, cumpra o requisito para não ser punido:
“Não há lei regulamentando o porte de arma branca de que tipo for. Logo, é impossível conseguir licença da autoridade para carregar consigo uma espada. Segundo o disposto no art. 5º, II, da Constituição Federal, ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Há outro ponto importante. Cuida-se de tipo penal incriminador, razão pela qual não pode ficar ao critério do operador do direito aplicá-lo ou não, ao seu talante. Primamos pela legalidade (não há crime – ou contravenção – sem prévia definição legal) e não encontramos lei alguma que disponha sobre o tema.
[…]
Parece-nos, pois, que não se pode privar um cidadão de trazer consigo, onde bem entenda, em outra ilustração, uma faca de caça (mais vulnerante que um punhal) ou um simples martelo, pretendendo puni-lo por contravenção penal e dando margem a uma infinita e discutível argumentação de que tal medida seria instrumento de contenção da violência. Pior: a aplicação da contravenção penal de porte de arma branca ficaria dependente da análise da vontade do agente: se carrega a faca de caça para caçar, não há infração penal; se a porta para o fim de, eventualmente, agredir alguém, cuida-se de contravenção. O tipo penal do art. 19 da Lei das Contravenções Penais sempre teve como meta primordial impedir o porte ilegal de arma de fogo. Quando, para este tipo de arma, deixou de existir, devemos ter extrema cautela ao defender sua vigência para outros instrumentos, não regulados por lei para qualquer fim (desde a fabricação até o porte). Não se trata, igualmente, de norma penal em branco, pois não há relação de armas válida para preencher o tipo. Ainda que se argumente que já houve proibição de porte de punhal, por exemplo, pode-se, claramente, notar que uma foice (material de trabalho de muito agricultor) pode ser mais vulneral que referido punhal e, decididamente, não é arma destinada à ofensividade. Não podemos concordar com a falta de taxatividade deste tipo, deixando ao alvedrio do agente policial, ao deparar-se com um cidadão caminhando pela rua com uma foice atrelada à cinta, prendê-lo ou não, conforme sua interpretação. Estaria esse sujeito indo ao trabalho, com o instrumento que utiliza para exercê-lo, ou pretenderia agredir terceiros? Essa pergunta não pode ser respondida ao sabor das vontades e segundo a experiência pessoal de cada um” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, vol. 1, p. 119-120).
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Leis Penais Especiais – Comentadas artigo por artigo
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