Além da limitação à prova quanto ao estado das pessoas (art. 155, parágrafo único, do CPP), também não são admitidas as provas obtidas por meios ilícitos, consoante expressa vedação contida na Constituição da República (art. 5º, inc. LVI), cuja aplicação prática, irradiando seus efeitos, acarretou sensível alteração na apreciação do tema, a exigir especial atenção.
Preciosa, nesse aspecto, a observação de Grinover, Scarance e Magalhães, ao ensinarem que “a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida” (As nulidades no processo penal, RT: São Paulo, 1995, p. 115). Poder-se-ia tomar, assim, a prova ilegal como gênero, das quais são espécies a prova ilegítima (que atenta contra norma processual) e a prova ilícita (que viola princípio constitucional).
O grande desafio que se coloca ao lidarmos com a produção de provas consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, o dispositivo constitucional que inadmite a produção da prova ilícita e, de outro, o que garante a segurança do cidadão, sobretudo em face do aumento da chamada criminalidade organizada, cujo combate exige meios eficazes, aptos a fazer frente à sofisticação dessas organizações. Anota Thiago Pierobom de Ávila, que “o direito cuja violação ensejará a ilicitude da prova há de ser um direito fundamental. A garantia fundamental da inadmissibilidade das provas ilícitas está estrategicamente localizada sob o título dos direitos e garantias fundamentais. Sua finalidade é criar um sistema de atividade processual que respeite minimamente os direitos elencados na Constituição tidos como essenciais para a convivência em sociedade. O problema perante o caso concreto é delimitar a linha que separa o plano da constitucionalidade e o da legalidade, haja vista o caráter analítico de nossa Constituição” (Provas ilícitas e proporcionalidade, Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007, p. 96).
Segundo decidiu o STF, a mera suspeita de que o conteúdo de determinada correspondência é ilícito não justifica a devassa sem o pressuposto da autorização judicial ou da presença de um dos interessados. A medida é desproporcional e fere não apenas garantias constitucionais, mas também tratados internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica, segundo o qual “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”.
No caso, um policial militar que exercia suas funções na Coordenadoria de Defesa Civil do Estado do Paraná despachou, no protocolo geral na sede do governo estadual, uma caixa que deveria ser remetida por meio do serviço de envio de correspondência da Administração Pública paranaense. Os funcionários responsáveis pela triagem das correspondências desconfiaram do peso da embalagem e decidiram abri-la para averiguar seu conteúdo, momento em que constataram haver ali trinta e seis frascos de ácido gama-hidroxibutírico e cetamina, substâncias sujeitas a controle especial.
O policial foi condenado a três anos de reclusão por tráfico de drogas cometido por militar em serviço. Em recurso, o Tribunal de Justiça do Paraná considerou a prova lícita e manteve a condenação, mas, no julgamento do RE 1.116.949 (com repercussão geral reconhecida), o STF anulou prova sob o argumento de que é incompatível com a garantia do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas.
Segundo a decisão, a Lei 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais, estabelece, no art. 10, inc. III, que não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos. Ocorre que o parágrafo único do mesmo dispositivo impõe que a abertura seja feita na presença do remetente ou do destinatário, o que não se cumpriu. Na falta de quem remeteu ou da pessoa a quem se dirigia a correspondência, apenas a autoridade judicial pode autorizar a abertura. A tese da repercussão geral foi fixada nos seguintes termos:
“Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo”.
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