Estamos diante de tema divergente na jurisprudência e também na doutrina e que, possivelmente, terá repercussão do novo art. 17, § 1º, do Lei n. 8429/1992 (artigo com redação dada pela Lei n. 13.964/2019 – Pacote Anticrime), que prevê que “as ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.” A aplicação desse dispositivo (limites e possível aplicação dos contornos do art. 28-A do CPP) será objeto de outra publicação. Aqui, por ora, lidaremos apenas quanto à (in)aplicabilidade da insignificância nas ações de improbidade.
Quem defende a inaplicabilidade alega, em linhas gerais, que o bem jurídico tutelado (Administração Pública) é indisponível e não comporta mitigações. Seguindo esse raciocínio, o STJ editou, na área penal, a Súmula 599: “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.” Assim, a essência desse enunciado seria aplicada às ações de improbidade.
Diz-se também que os princípios administrativos não se sujeitam a “quebrantamentos”. Ou se fere a moralidade, impessoalidade por inteiro, por exemplo, ou não. Não existiria ofensa pela metade ou em parte – nesse sentido é o emblemático voto do Ministro Herman Benjamin no REsp 892.818/RS, julgado em 11/11/2008. Na ocasião o STJ entendeu que:
“Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos.”
Quem defende a aplicação, alega que o princípio da insignificância pode incidir a depender do caso concreto ou sobre qualquer bem jurídico (a análise é casuística, como se disse).
No âmbito do STJ, há decisões admitindo (REsp 1.536.895/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes, julgado em 15/12/2015: caso envolvendo a contribuição do Município do Rio de Janeiro para construção de uma pequena igreja dedicada à devoção de São Jorge, na periferia da Cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$ 150.000,00) e AgRg no REsp 968447/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes, julgado em 16/04/2015: caso que envolvia a conduta de Prefeito que “deixou de fornecer certidão e outros documentos requeridos por cidadão”, mas a maior parte das decisões não admite a aplicação do princípio.
Também não foi aplicado o princípio da insignificância no MS 15.917/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 23/05/2012: caso envolvendo advogado da União que requerera, por várias vezes, progressão na carreira com base em documentos falsos.
No REsp 1.512.654/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 30/11/2017, caso que envolvia a “comercialização de produtos em estabelecimento público sem o devido procedimento licitatório”, e o STJ considerou que houve desrespeito aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da legalidade e, novamente, não aplicou o princípio da insignificância aos atos de improbidade.
Num processo que debatia i) irregularidades nos processos de concessão de auxílio financeiro no valor de R$ 27.000,00; ii) realização de eventos sem comprovação da utilização do referido auxílio financeiro; iii) apropriação de um aparelho de telefonia móvel IPhone e iv) recebimento irregular de diárias – MS 21.715/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 23/11/2016, DJe 02/02/2017), o princípio também não foi aplicado.
Recentemente, também não se aplicou o princípio em caso envolvendo candidato a prefeito que utilizou do cargo público para impulsar a campanha de reeleição. Considerou-se que se estava diante de ato ímprobo de elevada gravidade, sendo inviável a aplicação do referido princípio. Para o STJ, não há absolutamente nada de insignificante na conduta não republicana consistente em utilizar recursos públicos para fins de projeção pessoal, de sorte que a proteção do bem jurídico violado justifica a incidência das regras da Lei n. 8.429/92 – ver AgInt no REsp 1774729/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/12/2019.
Percebe-se, pois, que apesar de haver duas decisões admitindo (ambas da Primeira Turma e do ano de 2015), a posição majoritária e mais recente do STJ – intérprete da Lei n. 8.429/92 – é não admitir a aplicação do princípio da insignificância no âmbito das ações de improbidade administrativa.
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