Informativo: 678 do STJ – Processo Penal
Resumo: O requisito “não ter integrado organização criminosa” incluso no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP, para progressão de regime da mulher gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência, deve ser interpretado de acordo com a definição de organização criminosa da Lei n. 12.850/2013.
Comentários:
Em virtude da finalidade ressocializadora da pena, nosso sistema de execução penal é baseado na progressão de regime, que consiste na execução da reprimenda privativa de liberdade de forma a permitir a transferência do condenado para regime menos rigoroso, desde que cumpridos determinados requisitos objetivos e subjetivos.
Basicamente, o art. 112 da Lei 7.210/84 estabelece a possibilidade de progressão quando o preso tiver cumprido determinada porcentagem da pena, que varia conforme as condições pessoais do agente (primário ou reincidente) e a natureza do crime.
Há regras especiais para a progressão da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, que deve cumprir os seguintes requisitos cumulativos, como determina o § 3º do art. 112:
I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.
Há quem sustente que a expressão “organização criminosa” de que trata o inciso V não se refere especificamente à definição da Lei 12.850/13, estendendo-se a qualquer forma de sociedade delitiva, como a associação criminosa (art. 288 do CP) e a associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06).
O STJ, contudo, afastou essa possibilidade no caso de uma condenada por associação para o tráfico que pleiteara a progressão de regime sob as regras especiais e teve negado o benefício – inclusive pelo Tribunal de Justiça, em recurso – sob o argumento de que “organização criminosa” é uma expressão genérica que abrangeria outros crimes além daquele tipificado na lei especial. Segundo o tribunal, a expressão tem definição jurídica própria e, na qualidade de norma híbrida, ligada ao status libertatis, o inciso V deve ser interpretado de forma restritiva, e não ampliativa:
“1. Na esteira da decisão proferida pela Suprema Corte no Habeas Corpus Coletivo n. 143.641/SP, que abrangeu somente hipóteses de prisões cautelares, o Legislador foi além e editou a Lei n. 13.769/2018, promovendo alterações não somente no Código de Processo Penal, mas também na Lei de Crimes Hediondos e na Lei de Execuções Penais, com a finalidade de ampliar a proteção dada às mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência que se encontram reclusas no sistema prisional.
2. Na LEP foi incluído o § 3º no art. 112, prevendo progressão de regime especial. A norma exigiu a presença de cinco requisitos cumulativos para a concessão do benefício executório, dentre eles, o de “não ter integrado organização criminosa”. O argumento de que o termo organização criminosa não se refere ao crime previsto na Lei n 12.850/2013, tratando-se, na verdade, de uma expressão genérica, a qual abrange todas as espécies de sociedades criminosas, não se coaduna com a correta exegese da norma. Com efeito, a referida regra tem conteúdo material (norma híbrida), porquanto trata de progressão de regime prisional, relacionado com o jus libertatis, o que impõe, ao intérprete, a submissão a todo o conjunto de princípios inerentes às normas penais.
3. O inciso V do § 3º do art. 112, da LEP, é um exemplo de norma penal em branco com complemento normativo, pois o próprio Legislador, respeitando o princípio da taxatividade (decorrente do princípio da estrita legalidade), desincumbiu-se do ônus de apresentar, expressamente, a definição de organização criminosa ao editar a Lei n. 12.850/2013 (art. 1º e § 1º).
4. Não é legítimo que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris. Tal proibição fica ainda mais evidente quando se trata de definir requisito que restringe direito executório implementado por lei cuja finalidade é aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais. A teleologia da norma e a existência de complemento normativo impõem exegese restritiva e não extensiva.
5. Se a mencionada interpretação ampliativa de organização criminosa fosse legítima, também deveria ser, por exemplo, que o julgador, ao deparar-se com o conceito reincidente, pudesse estender o alcance do termo de modo diverso do previsto nos arts. 63 e 64 do Código Penal, que definem seu significado. Do mesmo modo poderia o órgão do Poder Judiciário considerar hediondo crimes diversos daqueles previstos no art. 1º da Lei n. 8.072/1990 – o qual elenca, em rol taxativo, os crimes considerados hediondos. Não há controvérsia sobre a impossibilidade de proceder de tal maneira, em razão, justamente, da vedação à interpretação extensiva in malam partem das normas penais.
6. O Legislador, quando teve o intuito de referir-se a hipóteses de sociedades criminosas, o fez expressamente, conforme previsão contida no art. 52, § 1º, inciso I, § 3º, § 4º, inciso II, e § 5º, da Lei n. 7.210/1984, que distinguem organização criminosa de associação criminosa e milícia privada.
7. Na mesma linha, o Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) concedeu a ordem no julgamento do HC n. 541.619/SP (DJe 26/02/2020), afastando a extensão da proibição contida no inciso V do § 3º do art. 112, da LEP, a Paciente condenada por crime de associação para o tráfico ilícito de entorpecentes.
8. Ordem de habeas corpus concedida para determinar que o Juízo das Execuções Penais retifique o cálculo de penas da Paciente, abstendo-se de considerar a condenação pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas para fins de análise do requisito contido no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei n. 7.210/1984” (HC 522.651/SP, j. 04/08/2020).
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