O art. 28, caput, da Lei 11.343/06Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. trata, em termos gerais, da posse de drogas para consumo pessoal. No § 1º, conduta equiparada ao caput, pune-se quem, para consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Já no art. 33, que trata do tráfico de drogas, pune-se no § 1º quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. É punido também quem semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas.
Diante das disposições desses dois tipos penais, podemos concluir que o indivíduo que mantém em sua residência uma muda de cannabis sativa com a finalidade de transformá-la em droga para consumo pessoal pratica crime menos grave do que aquele que importa sementes da mesma planta, ainda que o faça com idêntico propósito de uso pessoal.
Não são raros os casos em que sementes de cannabis são importadas em pequena quantidade, alegadamente para que sejam usadas na produção de droga para consumo próprio. No geral, a defesa de quem promove a importação segue as seguintes linhas: a) atipicidade, porque da semente não se extrai o THC, princípio ativo da maconha; b) aplicação do princípio da insignificância em virtude da pequena quantidade de sementes; c) desclassificação para o crime de contrabando; d) atipicidade em razão da inexistência de específica tipificação relativa à importação de pequena quantidade de sementes para produção de drogas para consumo pessoal.
O STJ tem incontáveis julgados nos quais aborda essas questões.
No que concerne à atipicidade em virtude da impossibilidade de extrair o princípio ativo da semente da maconha, o tribunal tem sido assente: esta circunstância não vem ao caso, pois o tipo do art. 33, § 1º, I, da Lei 11.343/06 pune a importação de matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; não se trata de importar a droga, conduta que se subsume ao caput:
5ª Turma: “Malgrado não se possa extrair a substância tetrahidrocannabinol (THC) diretamente das sementes de cannabis sativa lineu, a sua germinação constitui etapa inicial do crescimento da planta e, portanto, trata-se de matéria-prima destinada à produção de substância cuja importação é proscrita, caracterizando a prática do crime de tráfico de drogas, conforme a dicção do art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006. Precedentes” (RHC 77.554/SP, DJe 19/12/2016).
6ª Turma: “O fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, e sua importação clandestina amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006 sem que se possa falar em interpretação extensiva ou analogia in malam partem, tampouco em desclassificação para o delito de contrabando, dada a especialidade da norma que criminaliza a importação de matéria prima para a preparação de substância entorpecente” (AgRg no REsp 1.609.752/SP, DJe 01/09/2016).
É também pacífica a orientação de que o princípio da insignificância não se aplica nos crimes relativos a drogas, independentemente da quantidade e da finalidade para a qual o agente possui a substância, pois o crime é de perigo abstrato, cuja lesividade a lei presume:
5ª Turma: “Prevalece neste Superior Tribunal de Justiça a diretriz no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e de uso de substância entorpecente, por se tratar de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de sementes da droga apreendida” (AgRg no REsp 1.691.992/SP, DJe 18/12/2017).
6ª Turma: “A jurisprudência deste Superior Tribunal considera que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e uso de substância entorpecente, pois se trata de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de droga apreendida” (AgRg no REsp 1.647.314/SP, DJe 15/05/2017).
Também não foi bem recepcionada pelo tribunal a tese de desclassificação para o crime de contrabando. Isto porque a Lei 11.343/06 é clara ao punir a importação de matéria-prima para a produção de drogas independentemente da quantidade, e esta lei é especial em relação ao delito do Código Penal:
“O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a importação clandestina de sementes de maconha, por si só, amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, não havendo falar em atipicidade da conduta, tampouco em desclassificação para contrabando” (AgRg no REsp 1.639.494/SP, DJe 30/08/2017).
Recentemente, no entanto, instalou-se certa divergência entre as Turmas do tribunal no que diz respeito à tese da atipicidade.
A 5ª Turma tem decidido reiteradamente – seguindo a linha dos julgados já citados – que a conduta de importar pequena quantidade de sementes de cannabis para destiná-las à produção de droga para consumo pessoal se subsume ao tipo do tráfico, que não excepciona a respeito das circunstâncias em que se dá a importação:
“1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006. 2. Nessa linha de raciocínio, o fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga. Por isso, sua importação clandestina, por si só, amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, não havendo falar em atipicidade da conduta, tampouco em desclassificação para contrabando. (AgRg no REsp 1658937/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 03/05/2017)” (AgRg no AREsp 1.096.628/CE, DJe 01/09/2017).
A 6ª Turma, no entanto – e surpreendentemente – tem ao menos duas decisões recentes no sentido de que a importação de poucas sementes destinadas a produzir droga para consumo pessoal é atípica, pois não existe, no art. 28 da Lei 11.343/06, tipificação expressa para semelhante conduta:
“1. O fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga, cuja importação clandestina amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006. 2. Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato” – grifamos (AgRg no REsp 1.658.928/SP, DJe 12/12/2017). O mesmo se deu no REsp 1.675.709/SP, DJe 13/10/2017.
Parece-nos, no entanto, equivocada a conclusão a que se chegou no julgado.
Ora, se a conduta de importar sementes de cannabis se amolda ao art. 33, § 1º porque se trata, afinal, de matéria-prima para a produção de drogas, não há sentido em estabelecer a atipicidade somente porque, em razão da pequena quantidade e da suposta destinação da droga futuramente produzida, não há no art. 28 tipificação específica para esta situação. É evidente que a não inclusão da conduta no art. 28 se deve ao fato de que o legislador não pretendeu equiparar a importação ao ato de quem semeia, cultiva ou colhe plantas com a finalidade de consumo pessoal. Não se trata de uma lacuna, mas de um ato deliberado do legislador, que não pode ser desconsiderado pelo julgador.
Um dos argumentos utilizados nos dois julgados é de que a Lei 11.343/06 diferencia o traficante do usuário, e o tipo penal que trata deste último pune de forma mais branda inclusive quem semeia, razão por que não seria razoável aplicar a pena do tráfico a quem simplesmente adquire as sementes. Há de se considerar, todavia, que a importação de sementes, ainda que com a finalidade de utilizá-las para consumo pessoal, é mais grave, pois inegavelmente envolve indivíduos ligados ao tráfico internacional de drogas. Não é possível diminuir a relevância da importação sob o simples argumento de que a semeadura para consumo próprio é tratada de forma mais branda; é imperioso que se analise todo o contexto que envolve a importação.
Esses julgados contrariam, ademais, a postura da própria 6ª Turma de tratar com rigor a importação de sementes de cannabis. Não é compreensível que, afastando pretensões de ver reconhecida a atipicidade material pela insignificância, o colegiado avente uma atipicidade inexistente.
Para se aprofundar, recomendamos:
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial