1. No art. 291, foi acrescentado um parágrafo 4º, pela Lei 13.546/17 (vigência em 19 de abril de 2018), com a seguinte redação:
O juiz fixará a pena-base segundo as diretrizes previstas do art. 59 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime.
A norma, a rigor, não seria necessária, considerando que o “caput Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.” do mesmo artigo 291 prevê a aplicação subsidiária das normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal aos crimes de trânsito, no que couber e no que o Código de Trânsito, lei especial, não dispuser de forma diversa.
Porém, como a norma jurídica não contém palavras inúteis, interpretá-la nos autoriza concluir que o legislador, aqui, incumbiu ao Magistrado na tarefa de fixar a pena-base nos delitos de trânsito o dever de dar especial atenção à culpabilidade do agente, circunstâncias e consequências do crime.
A previsão por esse aspecto é oportuna, pois o desvalor da conduta (juízo de reprovação incidente sobre o comportamento do agente) daquele que, por exemplo, desobedece sinal de parada obrigatória, agindo com culpa inconsciente (a culpa comum, imprevisão grosseira diante do previsível), sem estar sob influência do álcool ou de outra droga psicoativa, é bem diferente do desvalor da conduta daquele que descumpre esta regra básica de trânsito sob influência do álcool ou de outras drogas, em excesso de velocidade, à noite, ao sair de balada, tendo consigo no veículo outras pessoas, e causa acidente grave.
Da mesma forma, o desvalor da conduta daquele que dirige com imprudência em local ermo é diferente daquele que assim dirige em local de grande fluxo de pessoas e veículos, nas imediações de escola, igreja, núcleos de lazer, de esportes, rodovia movimentada etc.
E, finalmente, não se pode equiparar em termos de punição a conduta daquele que causa lesões leves à conduta daquele que provoca lesões graves ou gravíssimas em virtude de acidente de trânsito a que tenha dado causa.
O Juiz não está evidentemente proibido de dar atenção à conduta social, personalidade do agente, nos termos do art. 59 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. , do Código Penal.
Mas a lei especial elegeu o tripé culpabilidade do agente, circunstâncias e consequências do crime como aquele merecedor de especial ênfase do Magistrado na tarefa de fixação da pena.
Cabe lembrar ainda que nos crimes em que a pena privativa da liberdade não for superior a 4 (quatro) anos, cometidos sem violência ou grave ameaça contra a pessoa, e nos crimes culposos, qualquer que seja a quantidade de pena, o juiz poderá substituí-la por penas restritivas de direitos, mas deverá fazer essa substituição em conformidade com as previsões constantes do art. 312-AArt. 312-A. Para os crimes relacionados nos arts. 302 a 312 deste Código, nas situações em que o juiz aplicar a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, esta deverá ser de prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, em uma das seguintes atividades: I - trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; II - trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; III - trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito; IV - outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito. , do Código de Trânsito (incluído pela Lei 13.281/16), que dispõe sobre a prestação de serviços à comunidade em entidades, atividades e locais destinados ao tratamento de vítimas de acidentes de trânsito.
Aqui, entendemos que deverá haver bastante cautela do magistrado, pois a prestação de serviços deverá guardar compatibilidade com as condições pessoais do condenado.
Caso o condenado seja pessoa que, comprovadamente, não reúna condições de prestar serviços à comunidade, conforme prevê o art. 312-A, o Magistrado deverá com base no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade estabelecer outra forma de prestação de serviços comunitários.
Nesse ponto, vale lembrar que o art. 46, do Código Penal Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. § 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada., ao tratar das penas restritivas de direitos, dispõe que a prestação de serviços à comunidade será atribuída de acordo com as aptidões do condenado. Norma geral também aplicável aos crimes de trânsito, nos termos do art. 291, “caput”, do Código de Trânsito.
2. No art. 302, foi acrescentado um parágrafo 3º pela Lei 13.546/17 (com vigência em 19 de abril de 2018), o homicídio culposo qualificado pela influência do álcool ou de outra substância psicoativa que cause dependência, com a seguinte redação:
§ 3º. Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (incluído pela Lei 13.546, de 19 de dezembro de 2017).
Trata-se de modalidade qualificada do crime de homicídio culposo de trânsito.
Importante observar que, para se configurar a figura típica sob análise, deverão ser preliminarmente afastadas, no caso concreto, as possibilidades de dolo direto ou eventual. Se houver dolo direto ou eventual, estaremos diante de homicídio doloso, crime contra a vida (art. 121, “caputArt. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.” e parágrafo 2º § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino; VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. Pena - reclusão, de doze a trinta anos., do Código Penal), não de crime de trânsito.
E deverá estar presente a culpa, seja ela consciente (aquela em que o sujeito prevê a possibilidade de ocorrência do fato, mas não assente à sua produção) ou inconsciente (a culpa comum, em que o agente não prevê o resultado que lhe era previsível, nas circunstâncias).
Na hipótese ora comentada, teremos o homicídio culposo qualificado pela influência do álcool ou outra substância psicoativa que cause dependência.
Prevista também a pena de reclusãoCódigo Penal, art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. Código de Processo Penal, Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. , que comporta em tese tratamento mais gravoso desde a fase policial.
3. No art. 303, foi acrescentado pela Lei 13.546/17 (vigência em 19 de abril de 2018), um crime de lesão corporal culposa de trânsito qualificado pela influência do álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência, se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, com a seguinte redação:
§ 2º A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima.
O legislador, para sistematizar e uniformizar o tratamento dado ao homicídio culposo e à lesão corporal culposa de trânsito, previu também um crime de lesão corporal culposa de trânsito qualificado pela influência do álcool ou de outra droga psicoativa que determine dependência.
Mas para que o agente incorra no crime de lesão corporal culposa de trânsito qualificada, não basta que conduza o veículo com a capacidade psicomotora alterada, pois o tipo penal exige também que do crime resultem lesão corporal de natureza grave ou gravíssima.
Assim, se embora dirigindo com a capacidade psicomotora alterada, o agente produzir lesões de natureza leve, não incidirá a forma qualificada do delito.
Teremos, em caso de lesão leve, o crime de lesão corporal culposa em sua modalidade fundamental, no art. 303, “caput”Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor., ou então a forma agravada (§ 1º), se houver alguma ou algumas das hipóteses do parágrafo 1º do art. 302, do Código de Trânsito, considerando que o parágrafo 1º do art. 303 remete ao parágrafo 1º do art. 302 no tocante às causas de aumento de pena (não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; praticar o crime na faixa de pedestres ou em calçada; deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros – incisos I a IV do § 1º, do art. 302).
Prevista também pena de reclusão, que comporta tratamento mais gravoso, desde a fase policial.
4. Modificação à redação do art. 308, “caput”, do Código de Trânsito, por força da Lei 13.546/17 (vigência em 19 de abril de 2018)
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada.
A modificação é vista positivamente, pois alguns comportamentos ao volante, como manobras de “cavalo de pau”, “arrancadas”, “cantadas de pneus” etc não tinham expressa previsão nas disposições criminais do Código de Trânsito.
Eram comportamentos que, antes do Código de Trânsito, se adequavam à contravenção penal do art. 34Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis., da Lei das Contravenções Penais (direção perigosa de veículo na via pública). E, com a entrada em vigor do Código de Trânsito, duas posições se firmaram: uma que entendeu revogada a contravenção penal; outra que sustentava a vigência da contravenção para comportamentos não regulados pelo Código de Trânsito. A última sempre nos pareceu a mais adequada e foi a que prevaleceu.
O “caputArt. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. ” do art. 308 contempla na realidade dois crimes: o crime de racha: participar de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente (elemento normativo do tipo; se a conduta se der em local previamente determinado e sinalizado, com autorização da autoridade de trânsito competente sobre a área, não haverá o delito); o crime de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizadas pela autoridade de trânsito competente. Aqui se alcançam, a título de exemplo, as arrancadas, cantadas de pneus, cavalos de pau, empinadas de guidão de motocicleta, manobras em ziguezague etc.
Cumpre lembrar que a nova norma penal, no que diz respeito às manobras de exibição de perícia, somente entrou em vigor no dia 19 de abril de 2018 e não alcançará, portanto, condutas anteriores.
São estas enfim, as breves considerações que nos dispusemos a tecer, pontualmente, sobre as mudanças às normas gerais e penais do Código de Trânsito, que entraram em vigor no ano de 2018.