A colaboração premiada é disciplinada entre os artigos 4º e 7º da Lei nº 12.820/13 e consiste na possibilidade de que dispõe o autor do delito de obter o perdão judicial e a redução da pena (ou sua substituição), desde que, de forma eficaz e voluntária, auxilie na obtenção dos resultados previstos em lei.
Trata-se de um meio de obtenção de prova em que o agente colaborador, visando à obtenção de um dos benefícios elencados na lei, contribui para a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; para a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; para a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; para a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; ou para a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
É um meio de obtenção de prova, no entanto, que não se basta, pois, segundo o disposto no § 16 do art. 4º, “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. O dispositivo exige, para embasar a condenação, outras provas além das palavras do agente colaborador. É dizer: se a declaração se mostrar isolada, sem correspondência em alguma outra prova, ela não se prestará, por si só, para justificar um édito condenatório. E é pertinente a limitação, pois, se até mesmo a confissão perdeu seu caráter absoluto, não sendo mais considerada a rainha entre as provas, devendo, por isso, ser confrontada com outros elementos de prova, com muito mais razão a colaboração premiada merece esse status. Cumpre, portanto, analisá-la no bojo do conjunto probatório, sopesando seu valor frente aos demais elementos probantes, autorizando-se, a partir daí e se for o caso, uma condenação.
Pierpaolo Cruz Bottini e Luciano FeldensA forma inteligente de controlar o crime organizado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-nov-05/direito-defesa-forma-inteligente-controlar-crime-organizado. Acesso em 22/04/2019 vão além. Para os autores, “evidente que a delação premiada – por si – não é suficiente para uma acusação formal contra alguém, e que sua instituição não transforma as autoridades policiais em meros espectadores de denúncias alheias. Trazidas as informações, por meio de pessoa identificada, o Estado tem o dever de averiguar sua credibilidade, seus fundamentos, para evitar que rixas e inimizades pessoais ou comerciais se transformem em persecuções sem fundamento, como danos irreparáveis à imagem dos envolvidos. Mas isso não desmerece o instituto, cujo êxito é percebido a cada crime desbaratado pelo arrependimento – real ou estratégico – de um dos integrantes da empreitada criminosa. Enfim, a substituição de uma política simbólica, baseada no aumento de penas, por uma política eficaz, fundada na gestão da informação, dentro dos parâmetros legais e constitucionais que cercam a atividade estatal, parece a resposta mais adequada à criminalidade organizada”.
Com base nisso, o STJ deu provimento a recurso em habeas corpus (RHC 98.062/PR, j. 15/04/2019) para trancar ação penal ajuizada com lastro exclusivo em colaboração premiada promovida por um dos agentes.
No caso julgado, o colaborador relatou ter tomado conhecimento de que o recorrente, que exercia a profissão de contador em uma empresa cujos representantes legais estavam sendo processados, havia participado de acordo que envolvia o pagamento de vantagens indevidas a um grupo de fiscais tributários. Em acórdão relativo a habeas corpus que havia sido impetrado em segunda instância – mas cuja ordem foi denegada – destacou-se que a denúncia se lastreava “em indícios de autoria e materialidade colhidas em sede de investigação preliminar”, especialmente nas declarações do colaborador.
Mas o STJ considerou tais elementos insuficientes para dar suporte à ação penal. Segundo o ministro Rogério Schietti Cruz, “sendo a colaboração mero meio de obtenção de prova, forçoso constatar que o termo do acordo de colaboração premiada – ao consignar que ‘o declarante [colaborador] soube desse acordo [pagamento de vantagem indevida pelo peticionante ao fiscal Divaldo de Andrade] porque à época o empresário ficou muito descontente e chegou a comentar para algumas pessoas na Receita que tinha feito esse acordo’ – não tem como atribuir ao peticionário, pessoa física que atua como contador da empresa, responsabilidade penal decorrente, exclusivamente, de testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para imputar ao peticionário a prática de corrupção ativa”.
Para se aprofundar, recomendamos: