Praticada uma infração penal que se insira no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 5º da Lei 11.340/06), é possível ao juiz conceder medidas protetivas que garantam à ofendida certa proteção contra a reiteração de atos de violência.
Uma das medidas estabelecidas no art. 22 da Lei 11.340/06 é o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida (inc. II). Segundo o disposto no caput do próprio dispositivo, a medida deve ser aplicada pelo juiz, sendo que, no geral, segue-se o trâmite estabelecido nos artigos 10 a 12 e 18 a 21 da Lei 11.340/06, dos quais destacamos especificamente o inciso III do art. 12 e o caput do art. 18, segundo os quais, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial remeter, no prazo de quarenta e oito horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência, e, recebido o expediente, caberá ao juiz decidir no mesmo prazo.
Ocorre que o caso concreto pode trazer circunstâncias que tornem o prazo legal muito extenso, o que aumenta o risco de ineficácia da medida eventualmente concedida e de que a vítima continue sendo submetida a violência mesmo depois de comunicada a infração penal.
Para suprir essa deficiência na proteção a vítimas de violência doméstica, a Lei 13.827/19 introduz na Lei Maria da Penha o art. 12-C:
“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I – pela autoridade judicial;
II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.”
Nota-se, inicialmente, que o novo dispositivo cria situação em que a atualidade ou a iminência de risco à vida ou à integridade física da vítima impõe a concessão imediata da medida protetiva de afastamento do lar. Risco atual é o que está em curso, como no caso de uma lesão corporal que pode se reiterar. Iminente é o risco que está prestes a ocorrer, como em uma ameaça em que haja elementos indicando a possibilidade concreta de que o agente pode cometer o mal injusto e grave que promete.
O advérbio imediatamente não deixa dúvida: constatada a atualidade ou a iminência do perigo à vida ou à integridade física, a medida protetiva deve ser concedida no mesmo instante, sem nenhuma perda de tempo. Por isso, uma vez registrada a ocorrência, deve a autoridade policial providenciar incontinenti a remessa do pedido de medida protetiva à autoridade judicial, não se aplicando o prazo de quarenta e oito horas estabelecido no art. 12, inc. III. Da mesma forma, a autoridade judicial deve decidir imediatamente, não dentro do prazo de quarenta e oito horas que estabelece o art. 18. De fato, não faria sentido inserir na lei um dispositivo que determina a imediata concessão da medida se o trâmite do pedido devesse permanecer submetido à regra existente anteriormente. Desta forma, os mencionados prazos de quarenta e oito horas se aplicam apenas às situações em que não se trata de perigo atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Além disso, o art. 12-C permite que outras autoridades além da judicial concedam a medida protetiva de afastamento do lar ou da convivência com a ofendida. Não se trata, todavia, de atuação simultânea, mas sim subsidiária, como se extrai claramente do dispositivo legal.
Com efeito, no caso de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, a lei estabelece que, em primeiro lugar, a autoridade judicial aplique a medida de afastamento. Caso o local não seja sede de comarca, isto é, caso se trate de um município (normalmente de pequeno porte) que não conte com varas judiciais e faça parte de comarca instalada em outro município, a medida pode ser concedida pelo delegado de polícia, que, aliás, ao receber a comunicação do crime tem mais condições de avaliar, ainda que superficialmente, as condições físicas e psicológicas da vítima e a real situação a que está submetida. Finalmente, caso o município não seja sede de comarca e, por alguma circunstância, não haja delegado disponível no momento da comunicação do crime, a medida pode ser concedida pelo policial.
Neste ponto, indaga-se: qual a extensão do vocábulo policial empregado pela lei?
Não há nenhuma dúvida de que o policial civil (investigador ou quem exerce função semelhante) está inserido na permissão legal. Trata-se, afinal, da primeira figura que se apresenta naturalmente ante a ausência do delegado de polícia. Mas, dado o caráter genérico da expressão adotada pelo legislador, e tendo em vista a situação de extrema urgência que fundamenta a concessão da medida, é razoável concluir que qualquer policialCertamente haverá controvérsia sobre a possibilidade de que os guardas municipais determinem a medida protetiva. Se é certo que tais agentes públicos não são classificados como policiais e que sua função deve se ater sobretudo à proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do município, não menos certo é que são tratados na Constituição Federal como componentes de um órgão de segurança pública, a Lei 13.022/14 estabelece, em seu art. 5º, algumas funções em que os guardas atuam na seara criminal e, muitas vezes, especialmente em municípios de pequeno porte, tomam parte diretamente na cessação de infrações penais e no atendimento às vítimas. civil ou militar (ou mesmo federal, embora dificilmente ocorra) que tome conhecimento do crime poderá determinar o afastamento do lar, respeitada, evidentemente, a ordem de subsidiariedade a que já nos referimos.
Esta conclusão se reforça pelo disposto no § 1º do art. 12-C, segundo o qual a medida decretada pelo delegado de polícia ou pelo policial deve ser comunicada em no máximo vinte e quatro horas ao juiz, que, em igual prazo, deve decidir se a mantém ou se a revoga. Nota-se, portanto, que a decisão tomada pela autoridade policial ou por quem a substitui não se torna definitiva sem o aval quase imediato da autoridade judicial competente, o que minimiza os riscos de que uma medida eventualmente equivocada prejudique gravemente quem foi afastado do lar. Deve-se ter em mente que a situação de que trata o art. 12-C traz uma distinção de gravidade em relação à já normalmente delicada situação de violência doméstica e familiar: o atual ou iminente perigo para a vida ou a integridade física da vítima, o que nos auxilia a compreender por que o legislador decidiu atribuir a diversos agentes públicos o poder de impor imediatamente o afastamento do agressor do lar conjugal. A premência da situação justifica o diferimento da análise judicial.
Não obstante, certamente haverá quem sustente a inconstitucionalidade do dispositivo em virtude da violação da reserva de jurisdição que deve ser observada em atos que podem acarretar grave limitação ao exercício de direitos fundamentais. Não nos parece razoável afirmar, no entanto, que o dispositivo contraria a ordem constitucional, pois agentes policiais praticam rotineiramente – e de acordo com a lei, evidentemente – atos que restringem direitos fundamentais de cidadãos. Policiais civis e militares efetuam prisões em flagrante e, até que o delegado de polícia avalie a situação e decida sobre a lavratura do auto de prisão, o indivíduo tem sua liberdade restringida. O próprio delegado de polícia, quando conclui que se trata de situação de flagrância, limita gravemente a liberdade do indivíduo. Mas nem por isso se cogita arguir a inconstitucionalidade desta prática, em primeiro lugar porque a urgência decorrente do crime que está sendo ou acaba de ser cometido justifica a pronta atuação policial, e, em segundo lugar, porque a decisão tomada pela autoridade policial não é soberana, na medida em que o auto de prisão deve ser submetido ao juiz no prazo de vinte e quatro horas, exatamente como determina a lei em relação à concessão da medida protetiva.
O § 1º do art. 12-C estabelece ainda que, ao decidir sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, deve o juiz, concomitantemente, dar ciência ao Ministério Público, o que nos leva à conclusão de que, embora seja recomendável, não se exige parecer do Ministério Público sobre a manutenção ou a revogação da medida imposta. O juiz decide se ratifica ou revoga o afastamento do lar e cientifica o órgão ministerial a respeito da decisão.
O § 2º traz, a nosso ver, disposição inútil ao estabelecer que nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência não será concedida liberdade provisória ao preso. É inútil porque se o agente está preso e sua soltura é um risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida, não seria mesmo o caso de lhe conceder a liberdade provisória segundo o que já dispõem as regras para a decretação da prisão preventiva no Código de Processo Penal. Aliás, ressalte-se que, conforme já decidiu o STJ (cf. Informativo 632, que comentamos aqui), a prática de contravenções penais no âmbito doméstico e familiar contra a mulher não dá ensejo à prisão preventiva porque os artigos 312 e 313, inciso III, do CPP fazem menção apenas a crime, e não é possível estender o alcance de tais dispositivos a contravenções penais. A situação permanece a mesma, pois o art. 12-C não altera as regras de decretação da prisão preventiva, que devem ser extraídas exclusivamente do Código de Processo Penal.
Finalmente, a Lei 13.827/19 inseriu na Lei Maria da Penha o art. 38-A, que determina ao juiz que providencie o registro da medida protetiva de urgência. O registro, segundo o parágrafo único, deve ser promovido em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.
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