Informativo: 652 do STJ – Processo Penal
Resumo: É possível a deflagração de investigação criminal com base em matéria jornalística.
Comentários:
Tratando-se de um crime de ação penal pública incondicionada, cumpre em regra ao delegado de polícia, sem a provocação de ninguém, instaurar o inquérito policial, conforme dispõe o art. 5º, inc. I, do CPP. Para tanto, baixa uma portaria, ato que dá início ao inquérito policial.
O que fundamenta a instauração do inquérito policial é a notitia criminis, que nada mais é do que o conhecimento que tem a autoridade policial da ocorrência de uma infração penal. A notitia criminis pode ser espontânea (também chamada de cognição imediata ou informal), quando a autoridade policial tem ciência da ocorrência da infração penal em virtude de sua atividade funcional. Assim, por exemplo, quando se sabe da ocorrência do fato em razão do noticiário da imprensa, ou quando um investigador de polícia leva o fato ao delegado ou mesmo através de uma denúncia anônima. Ou ainda quando, em determinado interrogatório, o indiciado indica outros crimes que cometeu, além daquele que é objeto da investigação. A notitia criminis pode ser também provocada (mediata ou formal), que ocorre, por exemplo, quando alguém do povo, a vítima, o juiz ou o Ministério Público levam à autoridade policial a notícia da existência de uma infração penal. Pode, por último, ser de cognição coercitiva, em que o conhecimento do fato decorre da prisão em flagrante de seu autor.
Entende-se, no geral, que o inquérito policial pode ser instaurado diante da mera suspeita da ocorrência do crime – suspeita baseada em elementos mínimos, evidentemente –, pois, afinal, trata-se de procedimento destinado justamente a apurar se de fato houve a infração penal. Não é possível exigir, para instaurar o inquérito, que haja elementos veementes de que ocorreu um crime se este procedimento tem o propósito de reunir prova desses elementos para a instauração da ação penal, esta sim vinculada à prova da materialidade e à existência de indícios suficientes de autoria.
Segundo decidiu o STJ no julgamento do RHC 98.056/CE (j. 04/06/2019), a publicação na imprensa pode caracterizar a notitia criminis espontânea e, portanto, é uma fonte legítima para a instauração de investigação policial.
No caso julgado, o recorrente estava sendo investigado pela prática de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei 7.492/86), crime que, segundo argumentavam os defensores, foi noticiado pela imprensa com base em dados bancários sigilosos vazados ilegalmente, mas posteriormente juntados à investigação (deflagrada com base na notícia) por ordem judicial.
Impetrado habeas corpus contra a investigação, a segunda instância denegou a ordem:
“(…) 6. A justa causa para a investigação demonstra-se presente. Uma reportagem jornalística pode ter o condão de provocar a autoridade encarregada da investigação, a qual, no desempenho das funções inerentes a seu cargo, tendo notícia de crime de ação penal pública incondicionada, deve agir inclusive ex (a licitude das provas apresentadas na reportagem não é tema que possa, no escopo exíguo de officio cognição do , ser aferida com mínima segurança, não sendo ocioso lembrar o sigilo da fonte, writ constitucionalmente assegurado). Com efeito, a busca das informações que faltam, quiçá para infirmar ou validar os fatos objeto da reportagem, é justamente uma das funções da investigação. (…)”
No recurso em habeas corpus o STJ seguiu a mesma linha e assentou que a investigação criminal pode ser deflagrada a partir de elementos obtidos pelo desempenho de atividades ordinárias da autoridade policial, que pode tomar conhecimento da possível prática de um crime pelos mais diversos meios, dentre eles as notícias veiculadas pela imprensa:
“Consigne-se, inicialmente, que é possível que a investigação criminal seja perscrutada pautando-se pelas atividades diuturnas da autoridade policial, verbi gratia, o conhecimento da prática de determinada conduta delitiva a partir de veículo midiático, no caso, a imprensa, como de fato ocorreu na hipótese vertente. É o que se convencionou a denominar, em doutrina, de notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea) – LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume Único. 4ª edição. Ed. Salavador: JusPodivm, 2016, pg. 132 –, terminologia obtida a partir da exegese do art. 5º, inciso I, do CPP, do qual se extrai que ‘nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício’”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos