A decisão judicial deve ser fruto de um raciocínio lógico do juiz, em que as razões que o levaram a decidir de tal ou qual modo estejam devidamente apontadas, de forma clara, a permitir o conhecimento e a eventual impugnação dos interessados. Daí a preocupação da Constituição ao impor que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (art. 93, inc. IX).
Nessa linha de raciocínio, mostra-se perfeita a lição de Ada, Scarance e Magalhães, quando explicam a necessidade da fundamentação da sentença: “São três os pontos básicos em que se assenta a idéia de motivação como garantia: primeiro, aparece como garantia de uma atuação equilibrada e imparcial do magistrado, pois só através da motivação será possível verificar se ele realmente agiu com a necessária imparcialidade; num segundo aspecto, manifesta-se a motivação como garantia de controle da legalidade das decisões judiciárias: só a aferição das razões constantes da sentença permitirá dizer se esta deriva da lei ou do arbítrio do julgador; finalmente, a motivação é garantia das partes, pois permitem que elas possam constatar se o juiz levou em conta os argumentos e a prova que produziram: como visto, o direito à prova não se configura só como direito a produzir a prova, mas também como direito à valoração da prova pelo juiz” (As nulidades no processo penal, São Paulo: RT, 1995, p. 169).
Há também a denominada “fundamentação ad relationem”, aquela na qual o julgador não se vale de argumentação própria, oriunda exclusivamente de seu raciocínio, mas, antes, faz alusão a outras manifestações lançadas nos autos pelas partes. Costumeiramente, nessa espécie de decisão se utiliza a expressão “adoto como razões de decidir…”. É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz, para acolher um pedido de prisão preventiva, encampa como motivação de decidir a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público; ou quando arquiva o inquérito policial com base na argumentação lançada pelo Ministério Público na promoção de arquivamento.
É necessário, no entanto, certo cuidado nesta espécie de motivação, especialmente em sentenças e acórdãos, em que devem ser cotejados os argumentos lançados por todos os litigantes.
O STJ firmou a tese de que “A utilização da técnica de motivação per relationem não enseja a nulidade do ato decisório, desde que o julgador se reporte a outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir” (Tese 18 da Ed. n º 69). Mas a tese é aplicada levando em conta as circunstâncias e a natureza das decisões, pois, ao mesmo tempo em que admite a remissão, por exemplo, nas decisões em procedimentos de interceptação telefônica, o tribunal é mais cauteloso sobre este procedimento quando se analisa o mérito em sentenças e acórdãos:
“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já assentou não invalidar o procedimento de interceptação telefônica deferido com base em denúncia anônima, desde que se realizem diligências preliminares, averiguando a veracidade das informações prestadas, conforme dispõe o art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996. 2. Considera-se fundamentada a decisão que faz expressa referência aos indícios de autoria ou à participação dos investigados nas infrações penais e destaca a impossibilidade de realização de provas por outros meios disponíveis, conforme o art. 5º da Lei das Interceptações Telefônicas. 3. A sucinta referência da decisão à representação policial demonstra utilização da fundamentação aliunde ou fundamentação per relationem – referindo-se, expressamente, aos fundamentos que deram suporte à anterior decisão – e constitui, ressalvada minha compreensão pessoal sobre o tema, meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como razão de decidir. 4. Ordem denegada.” (HC 431.079/SP, j. 25/06/2019)
“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora admita que o julgador se utilize da transcrição de outros alicerces jurídicos apresentados nos autos para embasar as suas decisões – no caso, do parecer do Ministério Público –, ressalta a necessidade também de fundamentação própria, devendo o julgador expor, ainda que sucintamente, as razões de suas conclusões, o que não foi foi realizado pelo Tribunal de origem. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido para anular o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª. Região nos autos do Habeas Corpus n.º 0008330-61.2018.4.02.0000, determinando que outro seja prolatado, com a necessária fundamentação.” (RHC 104.665/RJ, j. 13/12/2018)
Recentemente, a Terceira Seção do tribunal deu provimento a recurso especial (EREsp 1.384.669/RS, j. 28/08/2019) para anular acórdão no qual a fundamentação se limitava a fazer referência a parecer do Ministério Público sequer transcrito na decisão, que, de resto, não havia analisado preliminares nem acrescentado nada que pudesse proporcionar às partes a possiblidade de analisar o que havia motivado os julgadores a decidir daquela forma:
“(…) No caso, verifica-se que a Corte de origem, ao apreciar o apelo defensivo, limitou-se a fazer remissão ao parecer ministerial, sequer transcrito no acórdão, sem tecer qualquer consideração acerca das preliminares arguidas, o que não se coaduna com o imperativo da necessidade de fundamentação adequada das decisões judiciais.
Dessa forma, nos termos da orientação firmada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, não serve como fundamentação exclusivamente a remissão a manifestações de terceiros, exigindo-se complementações demonstradoras do efetivo exame dos autos e teses arguidas. Impõe-se, pois, a reforma do acórdão impugnado, para que o Tribunal de origem realize novo julgamento, como entender de direito, inclusive quanto ao necessário exame das preliminares.”
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