Em caso de não ser homologado o acordo de não-persecução penal, a confissão deve ser desconsiderada e os elementos de prova fornecidos pelo investigado deverão ser a ele restituídos
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Resolução 181/2017 a fim de trazer nova regulamentação a respeito do procedimento administrativo criminal a cargo do Parquet, tendo ainda criado o denominado “acordo de não-persecução penal” (ANPP). Em 2018, por meio da Resolução 183, o Conselho aperfeiçoou esse novo instituto, trazendo, dentre outras coisas, a necessidade de que o acordo seja homologado pelo juiz competente.
Assim, dá-se o funcionamento do ANPP da seguinte maneira: quando cabível, presentes os pressupostos legais – dentre os quais está a confissão formal e circunstanciada por parte do imputado – o membro do MP poderá propor ao investigado, devidamente assistido por defensor, o acordo de não-persecução, impondo-lhe algumas condições; aceito o acordo, deverá ser homologado pelo juiz; uma vez homologado e cumpridas as condições, o membro do MP deverá requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento investigatório; descumpridas, deverá ser oferecida denúncia.
E se o juiz entender não ser o caso de homologação? Deverá proceder na forma do art. 28 do CPP, cabendo ao Procurador-Geral: a) manter o acordo, o que vinculará todos os membros da instituição; b) reformular os termos do acordo, que deverá ser novamente submetido à apreciação do investigado; c) complementar as investigações ou designar outro membro do Parquet para complementá-la; ou d) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la. Esta última hipótese é a que nos interessa aqui.
Concluindo o Procurador-Geral ser caso de oferecimento de denúncia, estará dizendo que não era hipótese de ANPP, ou seja, que não estavam presentes seus pressupostos.
Porém, surge um problema não regulado pela Resolução 181/2018: o que fazer com a confissão formalmente apresentada pelo investigado – agora, denunciado – e com os elementos de prova eventualmente por ele apresentados ao MP?
Recentemente, o Promotor de Justiça de Presidente Prudente-SP, Dr. André Luis Felicio, celebrou ANPP contendo uma cláusula muito interessante: em caso de não homologação do acordo, deverá ser desconsiderada a confissão e restituídos os elementos de prova ao investigado.
Tal solução nos parece muito correta, pois prestigia a boa-fé processual e impede alegações de vício da fase inquisitorial, o que pode trazer até mesmo a nulidade dos atos processuais posteriormente realizados.
Com efeito, o ANPP, como qualquer outro acordo, é um ato bilateral. O investigado confessa formal e circunstanciadamente o crime – podendo, assim, fornecer elementos de prova contra si mesmo – exatamente porque espera, com isso, evitar o processo criminal que parece certo. Por meio do acordo, ele confessa o envolvimento com o delito e se obriga a cumprir algumas condições, mas tudo isso em troca de não ser processado, de ser arquivado o procedimento investigatório.
Ora, se não era hipótese de ANPP – pois é o próprio MP, por intermédio do Procurador-Geral, a reconhecer essa situação jurídica –, não poderiam os elementos de prova que o investigado forneceu como parte do acordo ser mantidos nos autos da investigação. Seria verdadeira afronta à boa-fé processual.
Ademais, pode o investigado alegar que foi ludibriado pelo MP, que lhe propôs um acordo impossível de ser celebrado. É dizer: os elementos de prova contra o investigado teriam sido obtidos de modo ilegítimo, abrindo caminho para a incidência do art. 157 do CPP e, caso a decisão de recebimento da denúncia tiver feito menção a tais elementos, poderá até mesmo ser anulada, assim como todos os atos processuais posteriores. A depender do momento em que declarada a nulidade, a prescrição passará a ser uma possibilidade quase certa.
Portanto, a melhor solução é realmente esta: não homologado o acordo e sendo tal entendimento confirmado pelo Procurador-Geral, deverá a confissão ser excluída dos autos e os elementos de prova eventualmente fornecidos pelo investigado deverão ser-lhe restituídos.